Após quatro anos do início do processo que tramita na corte de Roma, na Itália, e que julga a participação de agentes da ditadura brasileira em crimes cometidos durante a Operação Condor, a corte presidida pela juíza Marina Finiti estipulou, pela primeira vez, o fim desse longo percurso. Apesar de não ter fixado uma data, ela deixou claro que a sentença sairá na primavera do próximo ano, o que seria entre maio e junho de 2020.
O caso julga, à revelia, a participação dos gaúchos Carlos Alberto Ponzi e Átila Rohrsetzer na morte e desaparecimento de Lorenzo Vinãs, em Uruguaiana, em 26 de junho de 1980. João Osvaldo Leivas Job e Marco Aurélio da Silva faziam parte do processo, mas faleceram em 11 de novembro deste ano e 2 de junho de 2016, respectivamente.
Segundo o Ministério Público (MP) italiano, na data em que Vinãs foi sequestrado, Ponzi chefiava a agência do Serviço Nacional de Informações (SNI) em Porto Alegre e Rohrsetzer era diretor da Divisão Central de Informações do Rio Grande do Sul.
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De acordo com a juíza, tanto ela quanto o juiz auxiliar vão se aposentar em julho e o processo precisa terminar até lá. Além disso, já foram ouvidas quase todas as 34 testemunhas previstas para depor, faltando apenas cinco. A próxima audiência foi marcada para o dia 31 de janeiro.
Para acelerar o andamento do caso, no início deste ano, a corte decidiu separar as testemunhas que faltavam depor por país de proveniência. Na audiência do dia 28 de novembro, falaram os argentinos.
Já os chilenos, falaram na audiência que aconteceu no dia 11 de dezembro. Através de videoconferência, a corte ouviu os depoimentos de Sonia Diaz e Laura Elgueta, que foram presas juntas, de Francisco Ugas e Sebastian Cabezas, ex-funcionários do Departamento de Direitos Humanos do Chile, e de Eduardo Contreras, ex-parlamentar eleito em 1973 e advogado de várias vítimas da ditadura chilena.
As testemunhas responderam às perguntas feitas pelo procurador do caso, Amelio Erminio. Por sua vez, a Advocacia do Estado e defensoria pública não se manifestaram.
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Torturadas na Argentina pela polícia secreta chilena
Laura Elgueta e sua cunhada Sonia Diaz foram presas em 12 de julho de 1977 e levadas para o centro clandestino Club Atletico, de Buenos Aires, onde foram torturadas pelo agente chileno Enrique Arancibia Clavel. Nenhuma das duas tinha qualquer envolvimento com movimentos políticos de esquerda. Elas foram presas por serem irmã e cunhada de Luis Elgueta Díaz, militante ligado ao MIR – Movimento de Esquerda Revolucionária chileno. Elgueta Díaz foi uma das vítimas que apareceram na acusação do juiz Baltasar Garzón contra Pinochet, em 1998.
A família de Laura viveu até 1973 no Chile, depois se mudou para a Argentina, onde morou até 1978. “Devido ao golpe de estado, meu pai perdeu o trabalho e fomos para Buenos Aires. Meu irmão fazia parte do MIR, mas meus pais não tinham nada a ver com o movimento. Em julho de 76 meu irmão deixou o Chile para ir à Buenos Aires, ele tinha uma companheira argentina”, contou a chilena.
Laura Elgueta ainda afirmou que seu irmão “decidiu sair do Chile porque era opositor ao regime e todos que conheciam estavam sendo presos. Meu irmão tinha medo de ser preso. Ele disse à um amigo que se chamava Sergio Fuenzalida que iria embora, mas esse amigo também foi preso, sequestrado, um mês antes do meu irmão. Foi através de um número de telefone deixado com Sergio que encontraram meu querido irmão”.
“Um dia, do nada, fui presa, levada junto com a Sonia Diaz para a mesma prisão clandestina que haviam levado meu irmão. Aquele lugar era um depósito de prisioneiros políticos argentinos e chilenos. Lá fomos torturadas de forma violenta por dois policiais que conseguimos reconhecer: um argentino chamado José Benito Fioravanti e um chileno, Enrique Arancibia Clavel, que era da DINA, polícia secreta do Pinochet”, declarou.
Janaina Cesar/Opera Mundi
Processo que tramita há quatro anos julga participação de agentes da ditadura brasileira em crimes cometidos durante Operação Condor
Laura tinha 18 anos quando foi sequestrada e torturada. Já seu irmão faria 23 e, ao contrário de Laura, desapareceu durante o regime militar. “Ele era um estudante de música, sonhava com um mundo mais justo”, disse.
A história de Sonia Diaz é a mesma de Laura, com um agravante: ela tinha uma filha de seis meses e estava amamentando quando a prenderam. Sonia sofreu um derrame anos atrás que comprometeu sua fala, mas mesmo diante da visível dificuldade, fez questão de depor.
“Em 1977, eu e meu companheiro Carlos vivíamos no México após termos fugido da Argentina porque meu cunhado Luiz havia desaparecido. Voltei à Argentina em julho de 1977 com minha filha de 6 meses. Fui sequestrada com Laura e levada ao Club Atletico, onde fomos torturadas. Me arrancaram toda a roupa, amarraram minhas mãos. Fui interrogada por um argentino, mas na sala estavam presentes os chilenos”, contou Sonia.
O papel da DINA na Argentina
Francisco Ugas e Sebastian Cabezas, os ex-funcionários do Departamento de Direitos Humanos do Chile que também depuseram no início do mês, explicaram o papel da DINA, órgão de inteligência da ditadura chilena, na Operação Condor. Segundo ambos, “a DINA servia para reprimir quem era contrário à ditadura, gente de esquerda, de partidos políticos, movimentos sociais e atuava de forma direta na Argentina”.
“Colaboravam com troca de informações de prisioneiros políticos, eles cometiam delitos internacionais. Pessoas eram presas em um país e levado para outro onde eram torturadas e depois mortas”, disseram.
Cabezas, que dirigiu o departamento dos direitos humanos do Ministério do Interior chileno entre 2015 e 2016, se ocupou de mais de mil casos de violação de direitos humanos ocorridos no período da ditadura militar chilena.
O último a depor foi Eduardo Contreras. Deputado em 1973 por um breve período, conheceu a Condor por duas razões: “fui advogado de chilenos vítimas da operação e pela relação com o professor paraguaio Martin Armada, que em 1992 descobriu os arquivos do terror”, disse.
“Foi a partir desses documentos que pudemos descobrir a origem da Operação Condor com os Estados Unidos encabeçando tudo”, contou. “A participação brasileira é clara na operação, sequestravam no Brasil, assim como na Argentina”, contou o chileno.
A Operação Condor foi uma rede de colaboração e troca de informações e prisioneiros políticos, financiada pelos Estados Unidos, entre as ditaduras do Cone Sul nos anos 1970 e 1980.
O processo relativo aos brasileiros teve início em abril de 2015, quando Opera Mundi revelou com exclusividade que o Ministério Público italiano denunciaria os brasileiros pela morte de Lorenzo Vinãs. Opera Mundi é o único veículo de comunicação brasileiro que acompanha o processo.
O caso é um desdobramento do grande Processo Condor que condenou em 8 de julho deste ano, em apelação, 24 ex-militares de ditaduras sul-americanas à prisão perpétua por assassinatos de cidadãos de origem italiana cometidos entre 1973 e 1980.