“Querem fazer de Troccoli um monstro porque ele ousou escrever um livro para denunciar aqueles fatos, se colocando muito em evidência, talvez por vaidade, no posto do personagem, mas aquela não era exatamente a realidade”, disse Francesco Saverio Guzzo, advogado do ex-tenente uruguaio Nestor Troccoli, durante a última audiência da apelação do Processo Condor, que tramita na justiça italiana e que aconteceu 28 de junho.
O advogado se referia a A ira de Leviatã, escrito por Troccoli para justificar a repressão e a tortura no Uruguai. Nele o ex-tenente se dizia um “profissional da violência” e reivindicava seus crimes com a intenção de ser reconhecido como um homem a serviço do Estado. Durante cerca de 1h30, Guzzo procurou convencer a corte presidida pela juíza Agatella Giuffrida que seu assistido não passava de um simples oficial que cumpria ordens e que nada tem a ver com os crimes pelos quais é acusado.
O caso julga o recurso da sentença de primeiro grau que condenou à prisão perpétua oito dos 33 acusados – 19 foram absolvidos – pela morte e desaparecimento de 25 cidadãos italianos durante a época de atuação da Operação Condor. Os réus são ex agentes e chefes de governo das ditaduras do Cone Sul. A Condor foi uma rede de colaboração das agências de inteligência do Brasil, Argentina, Chile, Bolívia e Uruguai que previa troca de informações e de prisioneiros políticos opositores aos regimes militares que durou de 1973 a 1980.
Para o advogado, “a sentença de primeiro grau é justa e ponderada, mas a decisão da Corte de Assis foi tida como uma perda para o Ministério Público e as vítimas, porque Troccoli não foi condenado”, disse o advogado. Para ele, seu assistido não passava de um militar como os outros. “Esta Corte, talvez, não conheça os fatos. Parece que toda a organização do que acontecia na América Latina dependesse dele, o ditador absoluto, mais importante até que Pinochet, mas ele era somente um militar.”
Por ter cidadania italiana, em 2007, Troccoli escapou do Uruguai para não ser processado em seu país e veio para a Itália, que garantiu sua permanência ao negar sua extradição à justiça uruguaia. Hoje, o ex-tenente é o único dos acusados com chances reais de ser preso justamente por se encontrar em solo italiano.
Segundo Guzzo, Troccoli teve que fugir porque no Uruguai não teria tido um processo justo. “Ele já estava condenado antes mesmo da sentença, porque para os uruguaios ele é culpado”, disse. Para o advogado, o processo no Uruguai tinha razões políticas.
“Em 1986, foi introduzida a Lei da Anistia no país, mas, em 2006, um governo menos democrático que os anteriores [Tabaré Vázquez, da Frente Ampla era presidente e foi eleito democraticamente, voltando ao cargo em 2015], decidiu processar Troccoli e outros militares por uma razão claramente política. Não existe nenhuma verificação da verdade, não existe nenhuma finalidade de justiça, era um processo político”, argumentou Guzzo.
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O governo do Uruguai contratou um advogado na primeira instância e na apelação. Além disso, representantes da diplomacia uruguaia estiveram presentes em todas as audiências.
Guzzo disse que a posição de Troccoli, desde a abertura do inquérito, é a mais delicada de todas. Ele sabe que seu assistido pode ir parar na cadeia se for condenado. Na tentativa de desmontar a importância de seu cliente, Guzzo declarou continuamente que Troccoli era um simples tenente e que não tinha nada a ver com o comando da S2, se referindo a uma série de documentos que foram encontrados em arquivos uruguaios e que ligam às ações de Tróccoli ao Corpo de Fuzileiros Navais do Uruguai (Fusna).
“Preciso desmentir quem disse que ele comandava a S2”, disse Guzzo, que questionou: “O que a parte civil pretendia provar ao apresentar a ficha militar de Troccoli, que ele fosse militar? Mas ele era”, disse. “Apresentaram um exame que atestou que assinatura de alguns documentos era sua, mas alguém que tem um um posto de comando vai mesmo preencher verbais? Ninguém está negando que Troccoli fosse um militar a serviço daquele governo naqueles anos. Querem fazer de Troccoli um monstro porque ele ousou escrever um livro para denunciar aqueles fatos, se colocando muito em evidência, talvez por vaidade, no posto do personagem, mas aquela não era exatamente a realidade”, declarou o advogado.
Ao olhar para a parte da sala onde estavam os advogados de parte civil, jornalistas e alguns familiares de vítimas, Guzzo declarou: “Com todo respeito aos familiares das vítimas, aceitem a responsabilidade e condenação dos chefes de Estado e absolvição de quem não comandava, entre eles Troccoli. Os militares tinham o dever de prender os subversivos para tirar deles informações, que essas pessoas não existam mais é um dado, mas afirmar que aqueles militares teriam assassinado aquelas pessoas somente porque as prenderam é paradoxo”.
Ao citar o depoimento dado por Rosa Barreix durante a primeira fase, Guzzo colocou em dúvida a capacidade de uma testemunha uruguaia em se recordar com clareza das torturas sofridas 40 anos atrás. “A testemunha veio contar que foi torturada, que Troccoli estava no pelotão de execução que a torturou, a 42 anos de distância dos fatos. Mas podemos nos perguntar onde estava em todo esses anos essa senhora que diz ter sido torturada, presa em um centro de detenção clandestina em seu país? Porque não denunciou o fato antes e vem fazê-lo na Itália depois de 40 anos?”, questionou o advogado.
Para Guzzo não existe nenhuma prova concreta contra seu assistido. “O que vimos neste processo de segundo grau foi um ataque contra Troccoli, parece que o único imputado a ser condenado deve ser ele”, disse, e finalizou: “Pisaram na dignidade de uma pessoa”.