A corte de Primeiro Grau que condenou somente 8 dos 33 acusados por crimes cometidos durante a Operação Condor em países do cone sul, teria sofrido influências externas para mudar sua decisão final. A afirmação é do advogado italiano Fabio María Galiani, durante a audiência de recurso em segunda instância que aconteceu na segunda-feira (15/04) na corte de apelação de Roma.
Galiani representou o Uruguai na primeira fase do processo, que terminou em 17 de janeiro de 2017, e agora defende algumas famílias das vítimas. Ele disse, durante sua exposição, que, após a sentença encontrou um dos juízes honorários para entender o que havia acontecido, pois não se conformava com absolvição de 19 dos imputados – incluindo do ex-capitão Nestor Troccoli, responsável pelo Serviço de Inteligência da Marinha do Uruguai (Fusna). Dos 33 réus, seis morreram durante o julgamento.
Nos debates finais da primeira instância, Galiani precisou de duas audiências para fazer sua exposição. Ele cita que houve uma mudança drástica no comportamento do corpo de jurados de uma audiência para a outra.
“Se, na primeira, estavam todos deslumbrados, sorridentes e agradecidos, na segunda nem me olhavam nos olhos”, disse. “Tive estranhas sensações de que algo tivesse acontecido, ainda mais depois da sentença. Algum tempo depois, encontrei um dos juízes honorários e pedi que explicasse o que havia acontecido, por qual razão haviam mudado de comportamento. Sem entrar no mérito, mencionou terem recebido pressões de corredor”.
A reportagem procurou a III Corte de Assis de Roma, onde aconteceu o julgamento de primeira instância, mas não conseguiu contato.
Contradições na sentença
Galiani liga a conversa ao fato que, segundo ele, a sentença se contradiz. “Suspeito que inicialmente tenham decidido condenar Troccoli porque, na página 79, está escrito que foi plenamente provado o envolvimento da marinha uruguaia, em particular do Fusna, nos sequestros de pessoas, tortura e assassinatos do caso D1, que são os casos relacionados a Troccoli”, explica Galiani.
“Dizer que o Fusna é o responsável pelas mortes é o mesmo que dizer que Troccoli é o responsável. Já na página 6, o texto que motiva a absolvição não cita a falta de provas contra o uruguaio, mas a falta de provas sobre o papel do Fusna nas mortes.” Segundo o documento, os uruguaios que operavam em Buenos Aires pertenciam ao “Serviço de Informação e Defesa (SID) e ao Organismo Coordenador de Operações Antissubversivas (OCOA) e não o Fusna.
Coparticipação criminal
A sentença de primeiro grau condenou somente o alto escalão dos governos, mas não os executores materiais – os que ficam no campo intermediário. “É impossível que eles não soubessem o que aconteceria com os presos, que participassem materialmente nos sequestros dos desaparecidos sem ter consciência de seus futuros destinos”, disse Galiani.
“Nós demonstramos o cargo que Troccoli ocupava no Fusna e mostramos provas concretas de seu envolvimento. O projeto era aquele de extermínio do inimigo político e era óbvio que o destino do grupo selecionado por Troccoli seria a morte”
Galiani havia pedido quatro horas para sua exposição, mas, por falta de um projetor, falou de modo aprofundado por pouco mais de duas horas. Ele acompanhou por dez anos o caso, até a sentença de primeiro grau.
Não é um filme
Angelo Sodani, advogado que representa Maria Cristina Mihura, esposa de Bernardo Arnone, preso aos 21 anos e desaparecido aos 24, em 1976, foi o primeiro a falar. Para ele, “a sentença reconstruiu corretamente o que foi o Plano Condor, confirmando o motivo de sua existência, isto é, eliminar os opositores políticos. Mas os intermediários faziam parte desse plano. É impensável que não soubessem que fazia parte de uma máquina conduzida para o sequestro, interrogatório e assassinato”, disse.
“Estive em Orletti – se referindo à prisão clandestina de extermínio conhecida Automotores Orletti, localizada em Buenos Aires – e vi que o acontecia lá dentro, os buracos na parede, tudo é real, não é um filme, aconteceu”, declara Sodani. “Você precisa visualizar esses lugares para evitar o risco de fazer um julgamento sem vida. As violações e as mortes aconteceram, os imputados agiram.”
O advogado terminou sua apresentação fazendo um testemunho de desapontamento. “Esperei até o final do processo por um grito de consciência, mesmo que fosse uma carta anônima que indicasse onde estão os restos das vítimas para que as famílias pudessem ter um pouco de paz”, disse Sodani.
Os outros advogados das partes civis serão ouvidos na próxima audiência que acontece dia 13 de maio. Já os representantes dos réus falarão dias 21 e 28 de junho. A sentença está marcada para 8 de julho.
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