MP da Itália acusa formalmente ex-militar uruguaio: ‘desprezo pela vida humana’
Procurador Amélio Ermínio denunciou máquina de terror do Plano Condor e postura do réu, Jorge Néstor Troccoli, acusado de sequestros, torturas e assassinatos
O procurador Amelio Ermínio representou nesta terça-feira (27/05) o Estado italiano ao acusar formalmente o ex-oficial da Marinha uruguaia Jorge Néstor Troccoli por participar de sequestros, torturas e assassinatos no contexto da Operação Condor.
Opera Mundi é o único veículo da imprensa brasileira que, desde 2015, acompanha os julgamentos na Itália dos crimes cometidos por torturadores do Cone Sul no âmbito da Operação Condor.
Em uma audiência que durou mais de nove horas na sala bunker de Rebibbia, em Roma, Erminio fez um dos discursos mais fortes de todo o julgamento contra Troccoli, afirmando que a Justiça deve reconhecer que, “por trás daquele silêncio, ainda existe desprezo pela vida humana”.
A requisitório do procurador foi utilizada para fazer um apelo à memória coletiva, dignidade humana e ao valor da liberdade: “eu a ele [Troccoli] não concedo nenhuma atenuante. Não a peçam, Excelências, não concedam”.
O ex-oficial da Marinha do Uruguai é acusado pela terceira seção do Tribunal de Assis, na capital da Itália, pela morte e desaparecimento do casal ítalo-argentino Rafaela Filipazzi e José Agustín Potenza e pelo desaparecimento da professora uruguaia Elena Quinteros, militante do Partido Vitória Popular (PVP).
Troccoli, atualmente, está preso em Carinola, na província de Caserta, após ser condenado em julho de 2021 à prisão perpétua pela morte de cidadãos italianos e uruguaios no âmbito do Plano Condor, uma rede de colaboração entre as ditaduras na América do Sul nas décadas de 1970 e 1980. Ele fugiu do Uruguai para evitar ser processado por atos semelhantes aos de agora. Porém, foi acusado pela Justiça italiana.
Ao contrário das outras audiências, em que estava presente na maioria, Troccoli não compareceu à etapa mais decisiva: sua própria requisitória final.
Segundo o procurador Ermínio, o processo “respeita” as garantias legais, mas tem um valor “que vai além dos autos”. “Não estamos diante de crimes isolados, mas de ações sistemáticas contra comunidades inteiras”, disse.
O promotor descreveu a Operação Condor como uma “arquitetura de terror de Estado”, que substituiu a legalidade pela barbárie, recordando que os chamados “pactos de entrega” entre os regimes do Cone Sul, acordos secretos para troca de prisioneiros e técnicas de repressão, não tinham nenhuma base legal.
O peso da responsabilidade
Erminio reconstruiu o papel de Troccoli como membro do serviço de inteligência S2, responsável por interrogatórios e obtenção de informações. Também lembrou como o réu tentou minimizar as evidências de tortura, como no caso de (Raffaella) Filippazzi, cuja mão foi fotografada com marcas visíveis de tortura: “Troccoli afirmou que não via nada de anormal, que eram só marcas. Disse ter ouvido falar de tortura apenas em livros e filmes”.
Lembrou que as vítimas foram capturadas sem mandado, torturadas e assassinadas. Os corpos, muitas vezes, desapareceram, lançados ao mar ou enterrados em valas comuns.

Procurador Erminio acusou ‘desprezo’ do ex-militar uruguaio durante audiência em Roma
Antes do pronunciamento do procurador, os advogados de Troccoli tentaram levantar uma questão que, segundo eles, poderia comprometer a legalidade do processo: durante a fase de investigação preliminar, em 2020 e 2021, dois avisos de pedido de prorrogação das investigações foram encaminhados pelo juiz ao Ministério Público, mas o ex-militar só teria sido notificado dessas extensões no início de 2025.
A defesa alegou violação ao direito de defesa. Porém, a Corte tomou nota e disse que se irá se pronunciar sobre no dia da reunião na Câmara de Conselho, quando decidirem a sentença.
Daqui um mês, uma nova audiência será realizada, na qual serão ouvidas as requisitórias da advocacia de Estado (AGU italiana), os advogados das vítimas e de Troccoli. É esperado, então, uma sentença contra o ex-militar uruguaio.
Entenda o caso
Já condenado por outros crimes durante as ditaduras do Cone Sul, Troccoli, neste caso, é acusado pela morte e desaparecimento do casal ítalo-argentino Rafaela Filipazzi e José Agustín Potenza e pelo desaparecimento da professora uruguaia Elena Quinteros.
Filipazzi e Potenza foram sequestrados em Montevidéu, capital uruguaia, em 27 de maio de 1977 no Hotel Hermitage, entregues à unidade S2 dos Fuzileiros Navais (Fusna) e depois aos agentes da repressão do ditador paraguaio Alfredo Stroessner e levados de avião para Assunção, capital paraguaia, onde foram posteriormente assassinados. Seus restos mortais foram encontrados em março de 2013.
Elena Quinteros também foi sequestrada na capital uruguaia em 24 de junho de 1976 e levada para um centro de detenção clandestino. Ela conseguiu escapar, mas foi presa quando tentava buscar asilo político na embaixada da Venezuela em Montevidéu. Ela está desaparecida desde então.