O processo italiano que julgava o ex-militar gaúcho Átila Rohrsetzer por crimes da ditadura militar brasileira ligados à Operação Condor foi definitivamente extinto no dia 29 de novembro, por conta da morte do réu.
No entanto, a corte romana disse que “não existem elementos para absolvê-lo no mérito”.
Ou seja, se estivesse vivo, Átila provavelmente seria condenado à prisão pelo assassinato e desaparecimento do italo-argentino Lorenzo Viñas, ocorrido em 26 de junho de 1980. O ex-militar morreu no dia 3 de agosto, aos 91 anos, dois meses antes da audiência que decidiria sobre o caso.
No documento de seis páginas, que Opera Mundi obteve com exclusividade, Marina Finiti, juíza e presidente da Corte, percorre os principais elementos probatórios recolhidos nesses seis anos de julgamento. Para a corte, “todos os depoimentos foram claros, inequívocos e absolutamente convergentes”.
As provas
O documento cita as testemunhas Giulia Barrera e Silvia Tolchinsky, “que reconstruíram o caso dos Montoneros e o sequestro de Viñas, destacando a colaboração entre a Argentina e o Brasil e apresentaram alguns documentos como uma carta que a Tolchinsky enviou a Claudia Allegrini, viúva da vítima, sobre a detenção do jovem na prisão clandestina Campo de Maio, onde descrevia as condições em que vivia devido às torturas que sofreu”. Allegrini foi uma das últimas a depor e, segundo a corte, “o seu testemunho foi lúcido e doloroso”.
Viñas era um expoente juvenil peronista perseguido pelo regime militar, dado que militava nos Montoneros, movimento de esquerda que lutava contra a ditadura de Jorge Rafael Videla (1925-2013). Ele tinha 25 anos quando foi preso por agentes brasileiros na fronteira do Brasil com a Argentina.
O texto lembra “o quão significativo foi o depoimento da historiadora Federica Martellini, que reconstruiu os organogramas dos aparatos repressivos brasileiros e de seus principais representantes, incluindo os acusados”, referindo-se aos outros três réus que morreram no andamento do processo, isto é, os ex-agentes militares João Osvaldo Leivas Job, Carlos Alberto Ponzi e Marco Aurélio da Silva.
O documento também citou os depoimentos de Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, que denunciou a prisão de Viñas pela Polícia Federal brasileira e a sua subseqüente entrega à repressão argentina; o de Mario Firmenich que, como chefe dos montoneros, confirmou o desaparecimento do jovem argentino; e o do jornalista Marcelo Godoy.
Para a corte, “a avaliação conjunta dos depoimentos e documentos que foram depositados no julgamento levam a delinear de forma unívoca o papel do Brasil no trágico caso e ainda o envolvimento direto e consciente de Da Silva Reis, Ponzi, Leivas Job e Átila nas respectivas funções”.
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Átila Rohrsetzer, morto aos 91 anos, acusado de participar da morte e desaparecimento de Lorenzo Ismael Viñas Giglio
A I Corte de Assise faz assim uma referência a sentença da Corte de Cassação emitida em 9 de julho que condenou, em última instância, outros 14 torturadores de ditaduras do cone sul à prisão perpétua, confirmando que o quadro intermediário, isto é, o segundo escalão dos aparatos repressivos, era consciente do plano de extermínio de dissidentes políticos.
“É um resultado importante, a corte me ouviu, pois não existiam elementos que o absolvessem no mérito”, disse o procurador do caso Amélio Erminio à Opera Mundi. “Não é uma condenação, porque não se pode condenar um morto, mas um parecer”, explicou o procurador.
Assim como o Ministério Público da Itália, Luca Ventrella, advogado do Estado italiano (equivalente à Advocacia Geral da União no Brasil) também ressaltou que não existiam elementos para não condenar Átila no mérito. Ventrella lembrou à reportagem que a justiça italiana é garantista. “Nesse caso, a corte não se limitou a dar somente por extinto o processo por motivo de morte, ela entendeu que existiam provas para condená-lo se fosse vivo”, disse.
Procurado pela reportagem, Lúcio de Constantino, advogado de Atila no Brasil, declarou que, “extinta a punibilidade, não se pode mais discutir, porém a afirmação de que existem elementos probatórios que levam à responsabilidade nada mais é do que uma afirmação segregacionista, porque a pessoa que morreu não pode se defender, e é totalmente ilegal porque demonstra a parcialidade dos juízes.”
Quem era Átila Rohrsetzer
Na época da morte de Vinas, Átila Rohrsetzer dirigia a Divisão Central de Informações do Rio Grande do Sul, órgão com funções equivalentes aos Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), que atuava em parceria com as áreas de segurança e informações do III Exército, sendo, porém, formalmente subordinado à Secretaria de Segurança Pública do Estado. O gaúcho também foi um dos mentores do “Dopinha” – local clandestino de tortura instalado no centro de Porto Alegre.
A Operação Condor, por sua vez, foi um plano de aniquilação de opositores políticos feito em colaboração entre as agências de inteligência das ditaduras sul-americanas que sequestravam, prendiam, torturavam e assassinavam opositores dos regimes de opressão.
Todas as investigações sobre a Operação Condor na Itália duraram cerca de 15 anos e tiveram início após denúncias apresentadas pelos familiares dos italianos desaparecidos na América do Sul. Opera Mundi foi o único veículo de comunicação brasileiro a acompanhar o julgamento, estando presente em todas as audiências.