Por que a Justiça italiana está processando um ex-militar uruguaio pela 2ª vez
Jorge Néstor Troccoli já foi condenado à prisão perpétua pela morte e desaparecimento de opositores durante as ditaduras do Cone Sul
O Tribunal de Roma, na Itália, será palco de uma audiência aguardada para muitos do campo dos direitos humanos: Jorge Néstor Troccoli, ex-oficial do Corpo de Fuzileiros Navais do Uruguai (FUSNA), decidiu falar no caso que o Estado italiano o processa por crimes contra opositores durante as ditaduras do Cone Sul.
A audiência, marcada para esta quinta-feira (03/04) também é esperada por familiares das vítimas, que podem finalmente obter respostas sobre o que ocorreu com seus entes, já que esta será a primeira vez que Troccoli será interrogado, respondendo tanto à acusação quanto à sua própria defesa.
Esse é o segundo processo contra o ex-oficial do serviço secreto da marinha uruguaia e oficial responsável à época pelos contatos com o órgão de coordenação de operações anti-subversivas (O.C.O.A). Troccoli está preso desde julho de 2021 em uma penitenciária italiana, após ter sido condenado à prisão perpétua pela morte e desaparecimento de outras dezenas de italianos ocorridos nos anos mais sangrentos dos governos repressivos sul-americanos. Além dele, mais 13 pessoas foram sentenciadas.
Quando o Tribunal italiano o sentenciou, três outros casos surgiram. Novas denúncias, vítimas, perguntas e novas buscas pela verdade. Assim, em 2022, teve início outro processo contra o uruguaio.
Agora, o ex-coronel do Exército do Uruguai é julgado por conta da morte e desaparecimento do casal ítalo-argentino Rafaela Filipazzi e José Agustín Potenza. Além deles, Troccoli também é acusado pelo desaparecimento da professora uruguaia Elena Quinteros, militante do Partido da Vitória do Povo (PVP).
Tais casos ocorreram no contexto da repressão ditatorial no âmbito da Operação Condor, uma rede de colaboração entre os regimes autoritários da América do Sul nos anos 70/80 e financiada pelos Estados Unidos para eliminar opositores políticos.
Opera Mundi é o único veículo da imprensa brasileira que, desde 2015, acompanha os julgamentos na Itália dos crimes cometidos por torturadores sul-americanos e na batuta da operação.
No primeiro julgamento, em 2021 e que resultou em sua condenação à prisão perpétua, Troccoli compareceu apenas à audiência de abertura do processo e não testemunhou. Neste novo, no entanto, sua postura mudou: tem acompanhado de perto as audiências e solicitou à Corte a oportunidade de falar, obviamente em sua própria defesa.

Audiência contra o ex-militar uruguaio ocorre no Tribunal de Roma, na Itália
Troccoli nunca negou as torturas cometidas durante a ditadura. Pelo contrário, ele as relatou em detalhes no livro La era de Leviatán, no qual descreve os métodos de repressão e tortura utilizados pelo regime.
A expectativa é que o veredito do julgamento saia até o final de maio ou início de junho.
As vítimas
Elena Quinteros foi sequestrada em Montevidéu, em 24 de junho de 1976, e levada para um centro de detenção clandestino. Poucos dias depois, em uma tentativa desesperada de escapar, ela correu para dentro da embaixada da Venezuela e pediu asilo. No entanto, militares uruguaios invadiram o local e a levaram de volta. O sequestro gerou uma crise diplomática entre os dois países. Elena, militante do Partido Vitória do Povo (PVP), foi torturada no centro de detenção “300 Carlos – o Inferno Grande” e nunca mais foi vista. Registros do FUSNA indicam que ela teria morrido entre os dias 2 e 3 de novembro de 1976.
Raffaela Giuliana Filipazzi e José Augustin Potenza foram sequestrados em Montevidéu, em 27 de maio de 1977, no Hotel Hermitage. Detidos pelos Fuzileiros Navais uruguaios, foram posteriormente enviados para Assunção, no Paraguai, onde caíram nas mãos da ditadura de Alfredo Stroessner. Segundo as investigações, eles foram assassinados ali. Seus restos mortais foram encontrados apenas em março de 2013.
A prisão de Pinochet e o caminho para a justiça
Os julgamentos internacionais contra os envolvidos na Operação Condor ganharam força no final dos anos 90, quando familiares de vítimas de origem italiana procuraram o promotor Giancarlo Capaldo. A investigação foi impulsionada pelo mandado de prisão contra o ex-ditador chileno Augusto Pinochet, emitido pelo juiz espanhol Baltasar Garzón em 1998.
Pinochet acabou sendo detido em Londres, acusado de crimes contra a humanidade.
