Chega uma hora, numa festa, geralmente quando o vinho acabou e o licor de menta é a única coisa que resta no armário de bebidas, em que alguém decide ligar para um número. Na África do Sul, essa ligação é feita para um sujeito conhecido como “The Nigie”, embora a voz do outro lado da linha possa ou não pertencer a um nigeriano. Após fazer a encomenda, por meio de um procedimento que faz o assassinato de Bin Laden parecer uma brincadeira de criança, vários gramas de alguma substância ilícita são cuidadosamente despejados de uma sacola numa mesinha de centro. Esse ritual de fi m de noite, no entanto, está ameaçado. O Nigie pode em breve fi car desempregado, graças a uma confi ável vilã assassina de empregos – a terceirização.
Um site chamado Silk Road, apelidado de “a Amazon do tráfi co de drogas”, disponibiliza pela internet toda e qualquer droga que a sua cabeça chapada conseguir imaginar. Sementes selecionadas de maconha? Sim, senhor. Vários gramas de haxixe afegão com um selo da MTV dizendo “para astros de rock”? Pois não. Ácidos alucinantes, em tabletes com formato de estrela do mar? Boa viagem, camarada. Pense no cardápio de haxixe de um coffeeshop de Amsterdã, com uma lista adicional para LSD, cocaína e drogas sintéticas, tudo isso disposto na internet conforme o modelo do eBay – pronto, você terá uma noção do que o Silk Road pode ter de melhor (ou seja, de pior).
A essa altura eu sei o que você está pensando: por que, apesar de todos os seus defeitos, deixar o Nigie desempregado por causa de um site que parece ser um ponto de encontro cibernético de agentes da CIA e informantes do FBI? Pelo seguinte: comprar drogas num posto de gasolina Engen deJohannesburgo às 3h da manhã não é uma receita para a longevidade. É preciso levar em conta a polícia e os traficantes, que são conhecidos por usarem chaves de roda na cabeça dos clientes quando são contrariados. Além disso, o Silk Road tem um pendor libertário, e se orgulha da sua capacidade de burlar os tiras.
Ambiente cibernético
Digite “silkroad.com” no seu navegador, e você não irá a lugar nenhum. Primeiro, é preciso baixar o programa de codificação TOR, uma empreitada acessível apenas a geeks, cujo uso não é nem de longe tão fácil quanto parece. Se por algum acaso (ou pela sua habilidade) você conseguir acertar a confi guração, o Silk Road aparece. Você vai notar um logotipo verde, retratando um sujeito parecido com Lawrence da Arábia sobre um camelo, junto com um sonoro slogan: “Mercado Anônimo”. O site é ao mesmo tempo tradicional e vertiginosamente futurista, um ambiente cibernético tal qual concebido por William Gibson – tudo disponível para todos, a qualquer momento (exceto armas de destruição em massa ou mesmo de destruição limitada; o Silk Road é para anarquistas que curtem detonar os próprios miolos, e não os alheios).
Clique em “drogas”, e o conceito de Disneylândia segundo Tony Montana se abre à sua frente. Maconha, haxixe, drogas dissociativas, drogas psicodélicas, ecstasy, opiáceos, estimulantes e um tentador “outros”. Dependendo do dia, e dependendo do seu veneno preferido, há um sem-número de opções disponíveis. Se a sua intenção é iniciar uma plantação, e um dia vender a sua própria produção pelo Silk Road, então não deixe de adquirir algumas sementes eo equipamento necessário, e ponha-se a trabalhar (só não vá contar ao Nigie). Como no eBay ou na Amazon, um fornecedor é avaliado por um sistema de notas, e quem tiver as melhores vende mais. O que poderia ser mais divertido do que clicar no botão “concluir compra” e adquirir uma cesta eletrônica de alucinógenos? Dias depois, um pacote selado a vácuo aparece na sua casa, cheio das guloseimas encomendadas. O que o Silk Road perde em espontaneidade ele compensa pela eficiência.
E não é preciso pôr a mão no cartão de crédito – ao menos até a cocaína chegar –, já que o Silk Road aceita apenas Bitcoins, uma forma da chamada “criptomoeda”. Pormais sedutor que esse neologismo soe, há algumas coisas que é preciso ter em mente na hora de abrir a carteira virtual. O sistema opera de maneira semelhante ao sistema de compartilhamento de arquivos Bittorrent, que faz enorme sucesso – um arranjo “peer-to-peer”, em que a moeda é transacionada em algo que na prática é um mercado negro digital.
Sonho “geektópico”
Aí você pergunta: os Bitcoins são seguros? Alguns dizem que as transações são impossíveis de rastrear, mas isso é bobagem. Eis o que diz Jeff Garzik, do Bitcoin: “Com o Bitcoin, cada transação é escrita em um registro público global, e a linhagem de cada moeda é plenamente rastreável de transação em transação. Assim, o fluxo de transações é facilmente visível com técnicas bem conhecidas de análise de redes, já empregadas no terreno por FBI/NSA/ CIA etc. para detectar fluxos financeiros e ‘bate-papos’ suspeitos”. Tendo Gavin, principal desenvolvedor do Bitcoin, falado em junho de 2011 em uma conferência da CIA, não é exagero supor que a CIA provavelmente já classifica o Bitcoin como uma inteligência de fonte aberta (sem trocadilho).Além disso, se realmente o Silk Road permite depósitos em seu site, isso facilita ainda mais que as autoridades localizem o centro das transações. Tentar fazer grandes transações ilícitas com o Bitcoin, dadas as técnicas existentes de análise estatística que são empregadas no terreno pelas autoridades, é algo idiota pra caramba. :)”
Note esse assustador emoticon.Em outras palavras, o Silk Road parece um desses lampejos na vida da internet em que uma gloriosa janela de excesso libertário se abre por um nanossegundo, e então se fecha sumariamente, enterrando outro sonho “geektópico” sob uma pilha de bits e bytes. Além do mais, quase nada impede qualquer órgão policial de seguir o rastro da transação, e de aparecer na porta da sua casa com um aríete e uma equipe da Swat. Isso, segundo me dizem, é algo que estraga qualquer festa.
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Tradução: Rodrigo Leite
Publicado originalmente no site Daily Maverick e reproduzido no número 02 da revista Samuel
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