O rápido crescimento populacional, a intensa urbanização, a necessidade premente de aumentar a produção de alimento para a humanidade e a importante industrialização, ocorrida nos países emergentes e em desenvolvimento, têm provocado uma forte pressão sobre a demanda por recursos hídricos, fazendo com que o mundo esteja caminhando aceleradamente para uma severa “crise de escassez de água”.
Na realidade, o problema não é tanto de escassez, mas, principalmente, de distribuição heterogênea dos recursos hídricos no planeta, e da sua má gestão. Em 2009, dados apresentados no Fórum Mundial da Água, realizado em Istambul, mostraram que, atualmente, cerca de 1,2 bilhão de pessoas vivem em países com penúria de água e que, até o ano de 2025, este número estará por volta de três bilhões. Dos 14 países situados no Oriente Médio, nove já enfrentam problemas de escassez de água, e destes, seis deverão dobrar o número de habitantes nos próximos 25 anos. Em contrapartida, a América Latina, com exceção de alguns poucos países, como o México, e algumas ilhas do Caribe, apresenta uma situação muito confortável, pois, com uma população de apenas 8% da mundial, possui 25% dos recursos em água doce do mundo.
Quando se observa o consumo de água nas sociedades contemporâneas, vê-se que as atividades agropecuárias consomem a maior parte da água doce disponível, cerca de 70%, enquanto as atividades industriais e urbanas consomem 23% e 7%, respectivamente. No caso do Brasil, país rico em recursos hídricos, as atividades agropecuárias consomem ainda mais água, por meio da irrigação e da dessedentação de animais.
Terras irrigadas
A Food Agriculture Organization (FAO) prevê que a produção de alimentos, face ao aumento populacional, deverá dobrar até o ano de 2050. Para atender a essa demanda, a agricultura deverá aumentar a oferta de alimentos, que somente poderá ser atendida pelo aumento das áreas cultivadas, das terras irrigadas e pela agregação de tecnologias avançadas.
A disponibilidade de terras agrícolas é reduzida. Dados da FAO mostram que apenas 22% dos solos mundiais são próprios para a agricultura, e destes, cerca de 10% já estão sendo utilizados, restando apenas 12% para permitir a expansão da agricultura.
Portanto, o aumento da produção de alimentos deverá ser obtido pela aplicação de tecnologias mais avançadas e aperfeiçoamentos genéticos que possibilitem o aumento da produtividade das culturas,mas, principalmente, pelo aumento das áreas irrigadas. As terras irrigadas, que representam hoje apenas 18% da área cultivada no planeta, são responsáveis pela produção de 44% dos alimentos. Desta forma, é de se prever que o consumo de água deverá aumentar ainda mais nas atividades agropecuárias.
Até os anos 70, a água era considerada um recurso natural abundante e infinito e com pouco valor econômico e social. O aumento da poluição dos corpos de água, a crescente urbanização e a maior demanda do setor agrícola fez com que a humanidade tomasse consciência de que o uso irracional desse recurso irá provocar sua escassez, fato que está promovendo um aumento substancial de seu valor econômico e social.
Se o comércio direto de água é ainda bastante incipiente no âmbito internacional, o mesmo não ocorre com a água comercializada na forma absorvida por diferentes produtos, em especial pelos alimentos. Um conceito importante é o da “Água Virtual”, introduzido por J. Anthony Allan, do Kings College de Londres, em 1993, que serve para quantificar toda a água usada para produzir um determinado bem de consumo. Na realidade, é uma medida indireta dos recursos hídricos consumidos para a produção de um determinado bem.
Saldo líquido
Outro conceito, relacionado ao da água virtual, é o da “Pegada Hídrica” (water footprint), proposto pela Unesco, em 2002, e que leva em conta, além da água utilizada diretamente na cadeia de produção do bem de consumo, também a origem dessa água (pluvial, fluvial ou subterrânea) e fatores ambientais como poluição dos corpos de água, evaporação, tipo de solo etc. Por meio da aplicação desses conceitos,podemos saber, por exemplo, que para produzir 200 kg de carne bovina (média de três anos para criar o boi) são necessários 1.300 kg de grãos, 7.200 kg de capim, 24 m3 de água para beber e 7 m3 para a limpeza. Desta forma, ao compramos 1 kg de carne bovina, estamos adquirindo, em média, 17 mil litros de água.
Esses cálculos permitem quantificar os enormes volumes de água (bilhões dem3 por ano) que circulam pelo mundo em razão da exportação e importação de alimentos, tornando a água uma commodity, cada vez mais valiosa. A média anual de água utilizada pela agricultura, nestes primeiros anos do século XXI, foi de 6.400 bilhões de m3. Se cada país tivesse que produzir todos os produtos agrícolas para seu próprio consumo, a quantidade global de água passaria para 6.750 bilhões de m3. Portanto, houve uma economia de 350 bilhões de m3, ou seja, 5%.
Por meio dos saldos líquidos de importação e exportação de alimentos temos condições de conhecer os países ou regiões que são importadores ou exportadores de água virtual. A América do Sul, América do Norte, Oceania eSudeste Asiático são exportadoresde água, enquanto que Sul da Ásia, Europa Ocidental, Norte da África e Oriente Médio, importadores.
Publicado originalmente na revista Nossa América e reproduzido no número 02 da revista Samuel
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