Na Grécia, a Troika impôs somente 6% do PIB para saúde; resultado: 2 mil leitos públicos a menos
Já nas bancas: edição nº 8 da Revista Samuel — Europa: a crise sem fim
Já há alguns anos, o consenso europeu construído para lidar com a crise econômica no continente não tem sido outro: apenas austeridade. A disciplina fiscal e a timidez nos gastos sociais impostos pela Troika às nações em situação mais frágil não deram bons frutos; pelo menos, não para combater o desemprego (que persiste) e o baixo crescimento econômico (que resiste). A gradual falência do sistema de saúde pública — sempre um dos primeiros a serem sacrificados com polpudos cortes orçamentários — pode estar colecionando mais corpos do que apenas a simbólica morte do Estado de Bem-Estar Social europeu: surtos de suicídio, distúrbios mentais e contração do vírus da Aids podem estar relacionados à adoção de medidas anticrise. A austeridade mata?
Um estudo recente publicado na revista médica britânica The Lancet, e repercutido pela Truthout, examina como a política de cortes fiscais afetou a saúde pública na Europa. Mais especificamente, na Grécia, Espanha e Portugal, países em que a resposta foi das mais rígidas.
Enquanto o sistema de saúde pública é estrangulado pelas medidas de combate à crise, o retorno da austeridade ocorre no mesmo período em que há cada vez mais gente contaminada por doenças infecciosas. Aumenta o número de pessoas doentes e diminui a capacidade dos hospitais e médicos públicos de oferecer tratamento adequado.
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Na Grécia, o cerco foi mais apertado. Em troca da injeções de dinheiro, a Troika — grupo de credores formado pela Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu — exigiu que o governo cortasse todo investimento em saúde que ultrapassasse os 6% do PIB (Produto Interno Bruto) do país. O saldo? Cerca de 370 unidades especiais de saúde eliminadas ou fundidas, 2 mil leitos públicos eliminados, nenhum médico novo contratado e cortes de até 40% no orçamento de hospitais.
Alguns dos efeitos já estão claros. Casos de distúrbio mental cresceram na Grécia e na Espanha. Desde 2007, o número de suicídios na União Europeia não para de aumentar, revertendo a tendência de queda nos anteriores. De acordo com o estudo, entre 2008 e 2010, a Inglaterra presenciou uma espécie de boom de suicídios “significativamente associado ao forte desemprego” — foram cerca de mil mortes a mais.
Na Grécia, cresceu drasticamente a transmissão do vírus HIV entre usuários de drogas injetáveis. Antes de 2010, apenas 15 casos eram registrados por ano. Em 2011 — alguns anos após o governo ter eliminado o programa de troca de seringas —, foram 256 novas infecções; e mais de 300 em 2012.
O exemplo da Islândia
O estudo faz uma ressalva no continente europeu: a Islândia não apresenta sinais de deterioração do seu sistema de saúde. Diferentemente de gregos, espanhóis, portugueses e irlandeses, os islandeses foram bem mais resistentes às políticas de austeridade.
São algumas as razões que o estudo elenca para explicar o bom desempenho do país. Primeiro, a Islândia não seguiu a onda do FMI e, em vez de lidar com a crise, “investiu em proteção social”. Segundo, em meio a aumentos na importação de cebolas e tomates que encareceram o preço de um sanduíche, o McDonald’s fechou as portas no país e impôs aos islandeses uma nova e mais saudável dieta. Terceiro, a Islândia manteve políticas de restrição ao acesso de álcool, ao contrário do que queria o FMI.
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