Besouro “brasileirinho”: a perda momentânea de interesse no acasalamento preserva a vida dos insetos
Na Índia e no Japão há um ditado popular: “formigas carregando ovos barranco acima, é a chuva que se aproxima”. Já no Brasil, outro provérbio afirma que “quando aumenta a umidade do ar, cupins e formigas saem de suas tocas para acasalar”.
Nunca duvide da sabedoria popular. Ainda mais neste caso, pois pode ser que ela tenha um pouco de razão. Um estudo recente comprovou que os insetos são capazes de prever mudanças climáticas apresentando alterações no comportamento em determinadas condições. E quais comportamentos são esses? O apetite sexual.
Os pesquisadores observaram que besouros da espécie Diabrotica speciosa — conhecido popularmente como “brasileirinho” ou “patriota”, por ter cor verde e pintas amarelas —, além de pulgões-da-batata (Macrosiphum euphorbiae) e lagartas da pastagem (Pseudaletia unipuncta), têm capacidade de detectar queda na pressão atmosférica — que, na maioria dos casos, é um sinal de chuva iminente. E, ao perceberem isso, modificam o comportamento sexual, diminuindo a disposição de cortejar e acasalar.
“Demonstramos que os insetos, de fato, têm capacidade de detectar mudanças no tempo por meio da queda da pressão atmosférica, de se antecipar e buscar abrigo para se proteger das más condições climáticas, como temporais e ventanias, por exemplo”, disse à Agência Fapesp José Maurício Simões Bento, professor do Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”) e um dos autores do estudo. A pesquisa foi realizada em parceira com integrantes da USP (Universidade e São Paulo) de Piracicaba, da Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste), de Guarapuava (PR), e da University of Western Ontario, do Canadá. O resultado foi publicado no início do mês de outubro na revista científica PLos One.
“Certamente esses animais estão mais preparados para enfrentar as mudanças repentinas no tempo que, provavelmente, ocorrerão com maior frequência e intensidade no mundo nos próximos anos em razão das mudanças climáticas globais”, avaliou Bento.
Preservação da espécie
Para realizar o estudo, os pesquisadores selecionaram três diferentes espécies de insetos — o besouro “brasileirinho”, o pulgão-da-batata e a lagarta da pastagem —, que pertencem a ordens bem distintas e que variam significativamente em termos de massa corpórea e morfologia. O besouro “brasileirinho” tem estrutura mais robusta e possui cutícula dura. Por isso, é mais resistente a condições de tempo severas, como chuvas fortes e ventanias. Já o pulgão-da-batata tem estrutura mais frágil e é menos resistente a eventos climáticos extremos.
Já existiam algumas evidências de que os insetos ajustam seus comportamentos — especialmente, os relacionados com voo e alimentação — às mudanças na velocidade dos ventos. Assim, os pesquisadores decidiram avaliar o efeito das condições atmosféricas especificamente sobre o comportamento de “namoro” e acasalamento dessas três espécies quando sujeitas a mudanças naturais ou manipuladas experimentalmente, por meio da pressão atmosférica.
Os experimentos em condições naturais (sem a manipulação da pressão) e sob condições controladas, em laboratório, revelaram que, ao detectar uma queda brusca na pressão atmosférica, por exemplo, as fêmeas diminuem ou simplesmente deixam de manifestar um comportamento conhecido como “chamamento”, no qual liberam feromônio para atrair machos para o acasalamento.
Os machos, por sua vez, passam a apresentar menor interesse sexual, não respondem aos estímulos das fêmeas e procuram abrigos para se proteger da mudança de tempo capaz de ocorrer nas próximas horas. Passado o mau tempo, os insetos retomam as atividades de cortejo, namoro e acasalamento.
“Esse comportamento de perda momentânea do interesse no acasalamento horas antes de uma tempestade representa uma capacidade adaptativa que, ao mesmo tempo, reduz a probabilidade de lesões e mortes desses animais — uma vez que são organismos diminutos e muito vulneráveis a condições climáticas adversas, como temporais, chuvas pesadas e ventanias. Assim, asseguram a reprodução e a perpetuação das espécies”, afirmou Bento.
Pseudaletia unipuncta: capacidade adaptativa faz com que insetos deixem de “acasalar” quando há chuva
Experimentos
Os pesquisadores utilizaram um olfatômetro com estrutura em Y, colocando uma fêmea em uma das duas extremidades menores e, na outra, um controle (que fica vago). Posteriormente, uma corrente de ar foi passada no interior do sistema, de forma que o feromônio fosse levado para a extremidade principal, onde o macho estava colocado.
Dependendo da direção seguida pelo macho quando a corrente de ar com feromônio era liberada — a extremidade onde estava a fêmea ou a outra, do controle —, era possível avaliar se ele estava sendo atraído ou não pelo feromônio emitido pela fêmea.
Nos experimentos com o besouro “brasileirinho”, os pesquisadores constataram que, sob condições de pressão atmosférica estável ou crescente, o inseto caminhava normalmente em direção ao tubo por onde a corrente de ar com o feromônio da fêmea estava sendo liberado. Já na condição de queda de pressão, o inseto apresentava menor movimentação e interesse em seguir em direção à fêmea.
O grupo também observou que, quando mantido em contato direto com as fêmeas em condição de queda da pressão atmosférica, os machos também não empenharam esforço para acasalar. Tal comportamento, de acordo com Bento, pode ser explicado pela sensação de risco de vida do inseto.
“É como se, diante de uma situação de perigo iminente, esses animais colocassem a questão da sobrevivência em primeiro lugar — porque é o que garante a perpetuação da espécie — e deixassem o acasalamento para um segundo plano, por ser uma atividade que pode ser retomada após a passagem do mau tempo”, avaliou.
Os pesquisadores também avaliaram o número de vezes que o pulgão-da-batata e a lagarta da pastagem atenderam ao “chamamento” das respectivas fêmeas, sob diferentes condições atmosféricas. Os resultados foram semelhantes aos obtidos com o besouro “brasileirinho”.
O comportamento dos insetos estudados foi afetado significativamente por mudanças na pressão do ar, obtida pelos pesquisadores por meio de dados fornecidos de hora em hora pelo site do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).
Ao perceber que os dados fornecidos pela instituição indicavam uma queda ou aumento brusco da pressão atmosférica da região de Piracicaba, os pesquisadores davam início aos experimentos para verificar se os insetos apresentavam mudanças no comportamento de chamamento e de cópula e faziam as comparações com as condições de pressão estável.
“Conseguimos verificar, dessa forma, que o comportamento sexual dos insetos varia em função do efeito da pressão atmosférica, uma vez que todas as outras condições — como a temperatura, umidade e a luz — foram controladas nos experimentos”, afirmou Bento.
Após constatar essa mudança de comportamento sexual dos insetos em condições naturais, o grupo da Esalq fez uma parceria com colegas canadenses do Departamento de Biologia da University of Western Ontario para realizar novos ensaios comportamentais em laboratório, mais precisamente em uma câmara barométrica de grandes dimensões, que permite controlar a pressão atmosférica, além da temperatura, umidade e luz.
Segundo Bento, os testes conduzidos sob controle de pressão comprovaram as observações feitas em condições naturais.
Fênomeno extensivo
De acordo com o pesquisador, o fato de as três espécies de insetos analisadas no estudo terem modificado o comportamento sexual em resposta às alterações na pressão do ar sugere que o fenômeno pode ser extensivo, de maneira geral, às demais espécies de insetos, e que esses animais são adaptados para enfrentar as más condições meteorológicas.
“Já havia outros trabalhos científicos sugerindo mudanças de comportamento de animais em função das mudanças no tempo, mas foram realizados com uma única espécie, especificamente, e não poderiam ser generalizados para as demais espécies do grupo”, disse Bento.
“Nosso estudo demonstrou que, no caso dos insetos, esse fenômeno parece ser extensivo às outras espécies”, afirmou.
O grupo de pesquisadores da Esalq investiga agora os mecanismos que os insetos utilizam para detectar mudanças na pressão atmosférica e desenvolver o comportamento adaptativo de interromper o acasalamento ao pressentir mudanças no tempo.
* Texto originalmente publicado no site da Agência Fapesp
* Mais informações sobre o tema aqui
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