Don Hankins
Redução radical de emissões: ativos industriais e reservas de carvão, petróleo e gás terão de ser abandonados
Na segunda parte do artigo da “Climate and Capitalism”, mostrando as opiniões de cientistas sobre alterações climáticas, Kevin Anderson aponta as estratégias para assegurar o volume necessário de cortes de emissões para evitar catástrofes ambientais.
O cientista inglês Kevin Anderson emergiu como um poderoso crítico da ortodoxia de que a redução das emissões deve ser baseada em métodos de mercado, se se deseja que ela funcione. Os seus pontos de vista sobre o tema foram trazidos à luz numa resposta afiada para o chefe das Nações Unidas sobre alterações climáticas – e entusiasta do mercado – Rajendra Pachauri: “Eu discordo do otimismo do Dr. Pachauri que mercados e preços possam garantir compromissos da comunidade internacional em limitar o aquecimento a 2°C”, como publicado no jornal britânico “Independent”, citando Anderson. “Eu sustento que tal abordagem baseada no mercado está condenada ao fracasso e é uma distração perigosa de um quadro regulatório padronizado e abrangente.”
Crítico dos esquemas de redução baseados no mercado, Anderson centra a sua conclusão em que o limite de dois graus “não é mais possível por meio de mitigação gradual, mas apenas através de cortes profundos nas emissões, ou seja, reduções não marginais no nível de mudança qualitativa”.
“Uma premissa fundamental da economia neoclássica contemporânea é que os mercados (incluindo os mercados de carbono) só são eficientes na alocação de recursos escassos, quando as mudanças que estão a ser consideradas são muito pequenas – ou seja, marginais.
“Para termos uma boa chance de ficar abaixo de 2°C”, Anderson observa, “as emissões futuras do sistema energético da União Europeia… necessitam de redução a taxas de cerca de 10% ao ano – uma mitigação muito abaixo do que a redução marginal que os mercados são capazes de nos oferecer”.
Se forem feitas tentativas de assegurar essas reduções por meio de métodos de “cap and trade” [sistema econômico no qual se determina uma quantidade de gás carbônico que um setor da indústria ou país pode emitir] argumenta, “o preço do carbono será quase certamente muito além de tudo do que possa ser descrito como marginal (provavelmente muitas centenas de euros por tonelada) – daí os argumentos de 'eficiência' e os 'benefícios de menor custo' alegados pelos que defendem o mercado já não se aplicam”.
Ao mesmo tempo, as implicações do ponto de vista da equidade e justiça social seriam devastadoras. Anderson ressalta: “O preço do carbono poderá ser sempre pago pelos ricos. Podemos comprar um veículo 4WD/SUV ligeiramente mais eficiente, reduzir um pouco nossos voos frequentes, considerar ter uma casa de férias menor, mas no geral continuaremos com as nossas vidas como de costume. Enquanto isso, as camadas mais pobres da sociedade teriam de fazer ainda mais cortes no aquecimento e na energia em suas moradias alugadas, com isolamento térmico inadequado e mal projetadas”.
Agenda da energia
“No curto prazo”, Anderson argumenta, uma “agenda de energia para dois graus” requer “reduções rápidas e profundas na demanda de energia, com início imediato e continuação por pelo menos duas décadas”. Isso permite ganhar tempo enquanto um sistema de abastecimento de energia de baixo carbono é construído. Um “plano radical” para redução de emissões, segundo ele, está entre os projetos em curso no âmbito do Centro Tyndall.
“O custo dos cortes de emissões”, insiste, “precisa recair nos principais responsáveis pelas emissões”. Como citado pela escritora Naomi Klein, Anderson estima que 1% a 5% da população é responsável por 40% a 60% das emissões de carbono.
Embora não rejeitando mecanismos de preços num papel de apoio, Anderson argumenta que o volume necessário de cortes de emissões só pode ser alcançado através de regulamentos rigorosos e cada vez mais exigentes. A sua “lista provisória e parcial” inclui o seguinte:
• Padrões de energia/emissões estritos para os eletrodomésticos, automóveis, etc., com uma sinalização clara para o mercado de que tais normas serão reduzidas anualmente, por exemplo começando com restrição de 100gCO2/km para todos os carros novos a partir de 2015, reduzindo em 10% a cada ano até 2030.
• Normas de fornecimento de energia estritas, por exemplo, para 350gCO2/kWh na geração de eletricidade como o nível de emissões médio da carteira de um fornecedor de centrais elétricas; com redução em torno de 10% ao ano.
• Um programa de implantação de normas de energia/emissão rigorosas para equipamentos da indústria.
• Padrões de eficiência mínima rigorosos para todas as propriedades para venda ou aluguel.
• Um padrão mundial de baixa energia para todas as casas novas construções, escritórios, etc.
Fazer valer esses padrões radicais, argumenta ele, “pode ser alcançado, pelo menos inicialmente, com as tecnologias existentes e com pouco ou nenhum custo adicional”.
James Cridland
Um “mundo de quatro graus” : ameaça de drástica redução da população
Crescimento econômico
Para se ter uma hipótese razoável de manter o aquecimento abaixo de dois graus, Anderson defende, os países ricos teriam de abrir mão de crescimento econômico por pelo menos dez a 20 anos. Aqui, ele baseia-se na sabedoria convencional de “modeladores de avaliação integrada” – e pode estar bastante errado.
O americano Joseph Romm, blogger líder em clima, chegou a conclusões bastante diferentes:”A última revisão do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) na literatura econômica dominante mostra que, mesmo para a estabilização em níveis de CO2 tão baixos quanto 350 ppm, os custos médios macroeconômicos globais em 2050 correspondem a uma desaceleração do crescimento médio anual do PIB mundial em menos de 0,12 ponto percentual. Deveria ser óbvio que o custo líquido é baixo. O consumo de energia é responsável pela esmagadora maioria das emissões e os custos de energia são tipicamente cerca de 10% do PIB”.
Numa conjuntura em que não faltam trabalhadores desempregados e grande parte da capacidade industrial mantém-se não utilizada, mobilizar recursos e mão de obra para substituir equipamentos poluentes poderia aumentar drasticamente o Produto Interno Bruto. Além disso, essas contas precisam considerar os absurdos do próprio PIB como uma ferramenta de medição, já que conta a construção de prisões e o desenvolvimento de sistemas de armas como atividades produtivas. Anderson destaca algumas dessas contradições, quando afirma: “As taxas de mitigação bem acima dos 3% a 4% ao ano dos economistas ainda podem revelar-se compatíveis com alguma forma de prosperidade econômica.”Na verdade, reconstruir o nosso sistema industrial ineficiente e poluente poderia permitir que a grande maioria de nós pudesse levar uma vida mais rica e mais gratificante.
Represálias
Onde Anderson não está errado é em antecipar, em vários momentos, no seu blog e em entrevistas, que qualquer movimento sério para reduzir as emissões com as taxas exigidas irá encontrar resistência feroz. Ativos industriais, principalmente gigantescas fábricas movidas a combustível fóssil, ficariam “encalhados”. Reservas já comprovadas de carvão, petróleo e gás terão de ser deixadas no chão.
Como os cientistas acusados em 2009 no caso espúrio do “Climategate”(escândalo gerado pela divulgação de arquivos e email trocados entre cientistas com manipulação de dados para provar o aquecimento global),as pessoas que falaram na Conferência de Redução de Emissões Radical agora esperam sentir as queimaduras do maçarico das represálias conservadoras.
Junto com Anderson e Bows-Larkin, é provável que um alvo em particular seja a diretora do Centro Tyndall, Corinne Le Quéré, que apresentou argumentos científicos para a redução de emissões rápidas. Quatro acadêmicos australianos que contribuíram via rede, inclusive o cientista do clima Mark Diesendorf, já estão sob ataque pessoal venenoso por parte do “Daily Telegraph”.
O “crime” cometido pelos investigadores do Centro Tyndall é muito maior do que os e-mails vagamente formulados que foram apreendidos como pretexto para o Climategate. Com outros membros da comunidade científica do clima, essas pessoas corajosas têm desafiado a ideia de que corporações poluidoras, e os governos que as apoiam, dão alguma importância à preservação da natureza, da civilização e da vida humana.
Tradução Alexandre Costa
*Texto originalmente publicado no site Climate&Capitalism , publicação ecossocialista que divulga notícias e artigos sob o ponto de vista da esquerda ambiental republicado em português no blog “O que você faria se soubesse o que eu sei?”
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