LX Factory
Feira artística no complexo da LX Factory em janeiro de 2013
Will Dyer veio a Portugal em busca de ondas, mas acabou ficando por causa da arte. “Eu esperava um país pobre com uma boa cena de surf, mas Lisboa me impressionou. Há muitos eventos culturais acontecendo aqui”, diz o jovem de 28 anos, de Melbourne, na Austrália.
Ele decidiu ficar um mês e explorar lugares como o LX Factory, o coração da nova cena criativa de Lisboa. Este complexo industrial anteriormente abandonado em Alcântara, próximo ao porto, hoje parece uma mistura de cenário de faroeste com um descolado mercado de East London, com longas estradas de terra e galpões cheios de restaurantes da moda, lojas, livrarias e galerias criados por engenhosos habitantes da região e frequentados por turistas interessados em design.
O LX Factory é apenas um dentre os muitos espaços artísticos que surgiram recentemente em Lisboa. Assim como o grafite que se espalha pelos edifícios da cidade, uma nova indústria da criatividade está tomando conta da capital portuguesa.
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“Eu realmente não conheço outro lugar que tenha esta atmosfera. É como um vilarejo, mas nossos clientes vêm do mundo todo”, diz Margarida Eusébio, proprietária da Wish, uma empresa local de design de interiores.
Este renascimento criativo não é espontâneo, mas resultado de uma política pública que soube aproveitar as oportunidades. Em tempos de crise, a maioria dos governos corta drasticamente os financiamentos para a promoção da arte, do design e do setor editorial. Mas a capital mais ocidental da Europa decidiu, em vez disso, concentrar seus poucos recursos na “economia criativa”.
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Detalhe de grafite em galpão no LX Factory, complexo criativo-cultural em Lisboa
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Talvez não existam muitas alternativas, considerando o estado lamentável da economia portuguesa. Ainda assim, investir em criatividade parece compensar. “Lisboa está passando pelo mesmo processo que Barcelona ou Berlim atravessaram nos anos 90. A cidade atrai pessoas criativas por unir modernidade ao rico passado cultural, promovendo uma vivacidade cativante”, diz Bruno Gomes, da incubadora Startup Lisboa. No caso de Berlim, empresas do setor de criatividade hoje respondem por cerca de 20% do PIB da cidade.
E Lisboa apresenta vantagens com as quais os polos de criatividade já estabelecidos não podem competir. Diferentemente de Barcelona, a cidade não foi completamente tomada pelos turistas. O custo de vida é ridiculamente barato, se comparado ao de Londres, onde o aluguel de um apartamento pequeno não sai por menos de 1.800 dólares [cerca de 4.300 reais] e uma cerveja custa cinco dólares [aproximadamente 11 reais]. Em Lisboa, os valores são 470 dólares [cerca de 1.120 reais] e 1,50 [cerca de 3,50 reais], respectivamente. Além disso, o céu nebuloso de Berlim não consegue competir com os 200 dias ensolarados ao ano em Lisboa.
A economia portuguesa, é bom lembrar, ainda vai muito mal, e a cena criativa de Lisboa é apenas um solitário ponto positivo no panorama geral. O desemprego ainda está em 15,2%, estima-se um crescimento do PIB de apenas 1,4% e a fragilidade dos bancos portugueses continua assustando mercados e investidores.
O declínio da demanda local também está segurando as novas empresas. É por isso que a maioria das pessoas que caminham pelas estradas de terra da LX Factory é composta de estrangeiros, e muitas das novas empresas do setor trabalham principalmente com clientes do Reino Unido, França, Brasil e até mesmo Angola.
Ainda assim, profissionais da área de criatividade dizem que a crise econômica tem sido generosa com eles. “Nós não teríamos uma empresa se não fosse pela crise”, diz Nuno Cruces, 30 anos, co-fundador da BeeINSIGHT, uma agência de desenvolvimento de softwares. “Quando você não tem nada a perder e nenhum emprego para o qual se candidatar, você se sente encorajado a criar seu próprio negócio”, explica.
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“Ser uma agência que nasceu em meio à crise permite que nos adaptemos melhor ao mercado”, diz o lisboeta Pedro Lago de Freitas, da agência Brandworkers, que cria campanhas de relações públicas para pequenas empresas desde 2011. “As pessoas têm menos recursos, o que significa que elas estão menos interessadas em trabalhar com agências grandes e caras. Por isso nós criamos uma empresa que, embora pequena, conta com profissionais talentosos”.
Muitos jovens portugueses estão procurando emprego no exterior, mas Lisboa provavelmente atrairá talentos em breve. “É a melhor cidade no mundo para um profissional de criação”, diz Natacha Duarte, 34 anos, designer têxtil freelancer anos que passou sete anos trabalhando na Espanha, criando estampas para marcas como a Zara. “Lisboa é um ótimo lugar para se viver e ainda não está saturada como Londres ou Berlim. Novas ideias e negócios criativos são sempre bem-vindos”.
Mesmo Saco / Ler Devagar
A livraria Ler Devagar, instalada no complexo criativo da LX Factory
A câmara municipal de Lisboa apoia a iniciativa. “O objetivo principal é a criação de empregos”, diz Paulo Soeiro de Carvalho, diretor-geral de economia e inovação da cidade. “Esperamos que novas empresas gerem empregos, tragam investimentos e ajudam na recuperação econômica”. A região de Lisboa já gera cerca de 30% dos empregos na área de criação e quase metade do PIB da indústria em todo o país.
Com pouco dinheiro, a estratégia do governo é unir profissionais de criação e alimentar uma infraestrutura de apoio. Existem 22 mil “empresas criativas” – da moda à arquitetura – e cada uma delas consegue acessar agora os mais de 20 espaços de co-working na cidade de Lisboa, quatro laboratórios fabris e 13 incubadoras de start-ups, iniciativas pagas por entes privados, por fundações e pela câmara municipal, cujo principal projeto, a Startup Lisboa, fica no centro da cidade. Os esforços conferiram à cidade o título de Região Empreendedora 2015, da Comissão Europeia.
A câmara municipal também encheu o calendário da cidade de eventos culturais, como a Trienal de Arquitetura de Lisboa, a Semana de Moda de Lisboa e o Festival de Cinema de Lisboa & Estoril. Em julho passado, Lisboa abrigou o Festival Internacional de Arte de Rua e sediará a Conferência Europeia de Co-working em novembro e o Fórum de Centros Criativos Europeus em janeiro.
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A crescente indústria ajudou a reabilitar edifícios históricos, reutilizar infraestruturas obsoletas e fazer com que áreas abandonadas se tornassem aquilo que a câmara municipal chama de “distritos criativos”.
A Pensão Amor, no Cais do Sodré, é um prostíbulo do século 18 que hoje, reformado, abriga uma livraria, espaços para concertos e ateliê; a antiga Fábrica Braço de Prata é hoje uma ocupação artística legalizada, no Poço do Bispo; a área de Santos se promove como Distrito do Design de Santos; e mesmo a Intendente, vizinhança conhecida pelo tráfico de drogas e prostituição, está se renovando graças a espaços como a Casa Independente, um belo palácio do século 19.
Este renascimento criativo poderia, eventualmente, aumentar os preços, gentrificar a cidade e excluir do mercado jovens profissionais criativos. É pouco provável, no entanto, que isto venha a acontecer a curto prazo.
No meio tempo, acorde, Barcelona. Atenção, Berlim. Lisboa está chegando!
Tradução: Henrique Mendes
Matéria original publicada no OZY, site norte-americano que apresenta notícias e reportagens sobre cultura, comportamento e tecnologia.