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Chuva de monções em Déli: apesar de ser obrigatória por lei, coleta de água pluvial na capital indiana esbarra em desinteresse de parte da população e ineficiência das autoridades
A cidade de Nova Déli, assim como a maioria das grandes cidades, tem dificuldades em suprir sua demanda de água. A capital indiana enfrenta uma escassez de cerca de 790 milhões de litros por dia ou 300 bilhões de litros por ano, de acordo com relatório da Controladoria e Auditoria-Geral da Índia (CAG). Para piorar, há a retirada ilegal da água subterrânea, o que tem diminuído o reservatório do lençol freático sob a cidade.
Ironicamente, Déli foi uma das primeiras cidades da Índia a transformar em lei municipal a obrigatoriedade da coleta de água da chuva, em 2001. A cidade recebe, em média, 755,4 milímetros de chuva por ano, o que significa que poderia abastecer suas águas subterrâneas anualmente com 560 bilhões de litros de água pluvial — quase o dobro da quantidade que falta a cada ano.
Em 2000, Vinod Jain, da organização sem fins lucrativos Tapas, entrou com uma petição de interesse público no Tribunal Superior de Déli por conta da escassez de água potável na capital. A corte tornou então obrigatória a coleta de água pluvial nas coberturas. No mesmo ano, a divisão de Déli do ministério do Desenvolvimento Urbano e da Redução da Pobreza emitiu uma notificação para modificar as leis municipais de 1983 e integrar o veredito da corte. Com a emenda, a coleta de chuva tornou-se obrigatória para novos edifícios com cobertura de 100m2 ou mais. Instalações para a reciclagem da água também são obrigatórias para todos os prédios que descartam mais de 10 mil litros de água por dia.
No entanto, 13 anos depois, a prática não se efetivou devido a complicados sistemas de aprovação, oficiais inexperientes e residentes desinteressados. Como resultado, cerca de 470 bilhões de litros de água são perdidos ao transbordar dos drenos de captação da água pluvial.
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Funcionários da Corporação Municipal de Deli (MCD) dizem que todas as plantas arquitetônicas que chegam para serem sancionadas por eles possuem uma proposta para a coleta de água pluvial, mas somente alguns prédios realmente constroem as estruturas. Eles dizem que não podem fazer nada, pois apenas 10% dos projetos finalizados solicitam o certificado de conclusão obrigatório, o alvará, que é quando o departamento pode parar os projetos que não possuem espaços para a coleta. Apesar de obrigatório, “não ter um alvará não os afeta em nada, pois não há nenhuma penalidade imposta. Então simplesmente não se preocupam em pedi-lo”, diz B.S. Tadav, engenheiro executivo da MCD.
Outro problema é que até mesmo os projetos que possuem mecanismos para a coleta de água pluvial não os utilizam. Diversos departamentos governamentais e condomínios residenciais e comerciais possuem estruturas para coleta desativadas. Em 2013, o ativista Mahesh Chandra Saxena entrou com uma petição no Tribunal Nacional Verde (NGT) destacando que pelo menos 18 departamentos públicos da cidade não estavam coletando água da chuva, incluindo a agência de água, de obras públicas, a Corporação Municipal de Nova Déli e o departamento de enchentes e inundações. O Tribunal pediu que o Comitê de Controle da Poluição de Déli (DPCC) preparasse um relatório sobre a questão, mas o DPCC se recusou, afirmando que não tinha pessoal especializado no assunto.
Neste ano, outra petição de interesse público foi apresentada pelo advogado Raj Kumar Kapoor visando garantir a obrigatoriedade da coleta de água da chuva em Déli. Kapoor diz que a petição requer que o tribunal faça com que as instituições governamentais com grandes coberturas coletem água pluvial. “A petição anterior falava sobre novas construções, mas dada a queda das águas subterrâneas da cidade, a coleta de água pluvial deveria ser obrigatória em todos os prédios, novos ou velhos”, explica.
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Para incentivar a coleta, o departamento de água de Déli adotou o método do desconto na conta de água dos consumidores que utilizam sistemas de coleta. De acordo com a medida, terrenos com uma área de 2.000 m2 ou mais que tenham um sistema de coleta de água pluvial em funcionamento receberão um desconto de 10% na conta de água.
Déli também dá apoio financeiro para a implementação de sistemas de coleta a associações com fins sociais registradas, condomínios cooperativos e instituições por toda a cidade (exceto alguns lugares nos distritos noroeste, leste e nordeste). Com o fundo “My Delhi I Care” (“me importo com minha Déli”), a ajuda financeira chega a 50% do custo total das estruturas ou cem mil rúpias, o que for menor. Os sistemas de coleta de água pluvial também podem ser instalados com os fundos locais de desenvolvimento disponíveis com os membros da assembleia legislativa de cada área.
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Mas Vandana Menon, moradora da região leste da capital, diz que o processo para conseguir ajuda financeira não é simples. Os requerentes são obrigados a instalar um único design aprovado pela agência governamental, que muitas vezes não é apropriado para determinada área. Ela conta que sua comunidade usou o próprio dinheiro para implementar sistemas de coleta nos parques.
Com informações confusas sobre a implementação, as pessoas interessadas em coletar água pluvial em Déli vão de departamento em departamento para conseguirem as aprovações. “É necessário que haja uma única agência responsável, para tratar das permissões, ajudar no planejamento e na instalação e até aconselhar sobre o monitoramento do sistema de coleta”, diz Jain.
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Chuva em Chennai: com vontade política e engajamento da população, cidade tem conseguido implantar sistema de coleta da água da chuva
Enquanto Déli luta com vários processos para tornar a colheita de água obrigatória para a cidade, a cidade de Chennai, no sul da Índia, mostra o caminho. O estado de Tamil Nadu passou por uma grave seca entre 1999 e 2000, o que levou o governo a tornar a coleta de água de chuva obrigatória em todos os prédios em 2003. Até as estruturas que já existiam tiveram de desenvolver instalações para isso. Uma data limite foi afixada, e tanto a vontade política como a eficiência administrativa ajudaram bastante.
A Autoridade de Desenvolvimento Metropolitano de Chennai (CMDA) foi orientada a sancionar plantas de edifícios apenas se incluíam sistemas de coleta de água. O estado também tornou obrigatório aos seus moradores manterem as estruturas.
Chennai também definiu sanções rigorosas para punir os infratores. O abastecimento de água, por exemplo, é interrompido nos edifícios que não possuem estruturas de coleta de água pluvial.
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O Conselho de Abastecimento de Água e Esgoto de Chennai (CWSSB) também tomou outras iniciativas para promover a coleta de água pluvial na cidade, como campanhas educativas. O conselho trabalhou junto com comunidades para fazer a mudança acontecer; ONGs foram trazidas para motivar as pessoas a escolherem projetos de coleta. Hoje, quase 670 mil edifícios em Chennai estão coletando água pluvial com êxito, afirma o CWSSB.
Precipitação abundante em 2005 e coleta eficiente de água pluvial levaram a um aumento na oferta de água, diz o órgão. Em média, o lençol freático cresceu por toda a cidade. Na região de Tirumangalam, uma das áreas mais densamente povoadas no noroeste de Chennai, o lençol freático subiu de seis para três metros abaixo do nível do mar entre 2005 e 2013.
Em 2002, a sede em Déli da organização sem fins lucrativos Centro para Ciência e Meio Ambiente (CSE), em parceria com o Akash Ganga Trust, um grupo de ação de cidadãos de Chennai, lançou o primeiro centro de chuva da Índia para ajudar a informar a população sobre diferentes iniciativas de coleta de água. O centro teve um papel importante ao levar o movimento da teoria à prática. E, mesmo depois de 10 anos, o governo estadual ainda não perdeu a visão. Uma auditoria sobre a implementação da coleta será realizada em breve por uma agência não-governamental. A agência de água, por sua vez, lançou uma campanha neste ano para verificar a manutenção das estruturas de coleta antes da chegada das chuvas da monção nordeste. A agência multou moradores de 1.300 prédios residenciais que não tinham desassoreado as estruturas ou que as tinham danificado.
A execução eficaz é o motivo principal do sucesso de Chennai nas suas iniciativas de coleta. Este continua sendo o maior desafio para a capital indiana.
Tradução: Jessica Grant
Matéria original publicada na Down to Earth, revista indiana com foco em ciência, meio ambiente e tecnologia.