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O Projeto B e as agências de publicidade que organizaram o golpe de 64

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Documentos mostram como órgãos de marketing atuavam junto ao Ipês, instituto golpista que trabalhou para desestabilizar o governo Jango, pautando veículos da imprensa brasileira no pré-golpe

Joana Monteleone

2014-12-15T15:34:00.000Z

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O Ipês seria o “ovo da serpente” do golpe de 1964, sendo capaz de produzir uma notável campanha, que integrou importantes órgãos da imprensa e do entretenimento, produziu peças de teatro, programas de rádio e de TV, livros e, principalmente, 14 filmes curta-metragem que foram exaustivamente veiculados nas favelas, em sindicatos, universidades e empresas, durante os horários de almoço, em pracinhas das cidades do interior, clubes e nos cinemas da rede do empresário Severiano Ribeiro, antes da exibição dos filmes principais.
[Relatório final da CNV, vol. 2, pág. 307]

Leia também: Sistema da Volkswagen para vigiar funcionários na ditadura foi criado por criminoso nazista

A agência de publicidade CommonWealth enviou, em 1964, com certo atraso, um relatório de análise da situação do país a um dos seus maiores clientes, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, o Ipês. O conteúdo era secreto e relatores mencionavam o êxito do Projeto B. Dizia o texto:

O Projeto B teve grande êxito sob o aspecto de relações públicas, fator que influiu junto à opinião pública no exato momento em que desencadeavam os acontecimentos dos últimos dias de março. É de se registrar a reação de forças contrárias, que contra o projeto lançaram mão de falso noticiário, anulado por nossa campanha de divulgação.

No mesmo relatório, na sessão “projetos especiais” outro trecho que mencionava o Projeto B:

Nosso staff planejou e executou um programa de divulgação no setor da imprensa, rádio e TV de acordo com o Projeto B. Seus resultados foram bastante compensadores. Outro auxílio por nós prestado, nos termos do mesmo projeto, diz respeito aos convites a várias autoridades, trabalho que exigiu ininterrupto empenho de todo nosso pessoal de mais alto nível.

Assim, ficamos sabendo de como atuou, nos bastidores, uma poderosa máquina de divulgações das ideias contrárias ao governo João Goulart. Não é segredo que o Ipês trabalhou incansavelmente desde 1961 para que se articulassem as forças que viriam a dar o golpe militar em 1º de abril de 1964. Quando o Ipês fazia contato com a agência CommonWealth seus escritórios ficavam na Rua Brigadeiro Luiz Antonio, 54, 16 andar, pertinho da Faculdade de Direito da USP, um prédio que abriga até hoje diversos escritórios de advogados ilustres.

Leia mais sobre o conteúdo do relatório final da CNV:
Operação Condor usou esquadrões da morte para assassinar opositores
CNV classifica como 'efetiva' participação dos EUA no golpe de 1964


Clique aqui para ler todas as matérias do especial 'À Espera da Verdade'

Sabe-se que o instituto pagou por propagandas da agência de Jean Mazon, a mais importante da época, fazendo severas críticas ao governo. Sabe-se das listas de comunistas (que seriam usadas depois do golpe) elaboradas por um dos diretores do Ipês, o general Golbery do Couto e Silva, fundador, na ditadura do SNI (Sistema Nacional de Informações). Sabe-se da ação conjunta com o Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) para a compra de deputados nas eleições de 1962. O que não se sabia era como o Ipês se articulava com as agências de publicidade e relações públicas e com os jornais para criar um clima favorável aos golpistas. Agora, com este documento, cedido pelo CPDOC da FGV (Fundação Getúlio Vargas), no Rio de Janeiro, isso ficou claro [leia entrevista com a pesquisadora Martina Spohr, coordenadora do setor de documentação do CPDOC/FGV].

O Ipês paulista, com o dinheiro de empresários, pagava a uma agência de publicidade e relações públicas para organizar as pautas e criar o forte clima de instabilidade do governo de João Goulart. Esta agência era a CommonWealth, situada à praça Martinico Pardo, 33, conjunto 1105, em meio às primeiras agências brasileiras de publicidade. Era uma empresa brasileira, filiada à PR International, que ficava no centro das agências americanas, na Park Avenue, 445, Nova York. Seu diretor era Sebastião Annunciato, hoje nome de uma bucólica rua no Jardim Celeste em São Paulo. Na época, Sebastião ajudou os diretores do Ipês a depor o governo de Jango.

[Artigo de 1964 da revista norte-americana 'Fortune' traz foto de Júlio de Mesquita Filho (centro), diretor-proprietário do 'Estadão']

As pautas eram resolvidas com os diretores do Ipês responsáveis pela divulgação do movimento: o secretário executivo, o general Moacyr Gaya; o empresário Paulo Ayres Filho, do Laboratório Pinheiros; o publicitário José Roberto Whitaker Penteado; e o médico Antonio Carlos Pacheco e Silva estavam na linha há de frente dos conspiradores de São Paulo. Os temas eram os mais variados presentes na agenda norte-americana do pós-guerra, da resistência feroz à reforma agrária à defesa do papel da Igreja no Estado. Falava-se também muito da corrupção do governo e da perda dos valores democráticos.

"O Projeto B" e a imprensa

Todos os meses os relatórios mencionavam os órgãos de imprensa que haviam reproduzido os conteúdos “divulgados” pela CommonWealth. No ano que antecedeu o golpe militar, este passou a possuir um código secreto para a agência, “projeto B”. Pelo teor do relatório, o Projeto B referia-se claramente ao golpe militar em andamento, já que fala-se do sucesso de divulgação das marchas da família e, depois de março, da chamada "Revolução" de 1964.

Praticamente todos os grandes jornais do país seguiam a agenda proposta pela agência, reproduzindo artigos, entrevistando personagens “sugeridos”, dando livros de debates alinhados com as pautas da conspiração civil-militar.

A agência centralizava em São Paulo as ideias para dar aos jornais. A Gazeta Esportiva, o Diário Popular, o Jornal do Comércio, o Diário do Comércio, a Gazeta Mercantil, O Globo, O Dia, A Tribuna são alguns dos nomes dos veículos impressos mencionados mensalmente nos relatórios secretos da CommonWealth ao cliente Ipês. Rádio e televisão seguiam a mesma linha: Repórter Esso, Diário de São Paulo na TV, Grande Jornal Falado da Tupi e Noticiário Ford foram programas mencionados muitas vezes. Jornais menores e em regiões distantes do país recebiam releases que eram copiados literalmente e impressos sem maiores apurações ou checagens. No relatório de março de 1964 a agência menciona que foram 64 recortes de notícias distribuídas pela CommonWealth.

O jornal Estado de S. Paulo foi um caso à parte. Seu principal dirigente Júlio de Mesquita Filho estava abertamente a favor do golpe, pedindo intervenção militar em diversos editoriais e contribuindo com dinheiro e trabalho para ajudar os militares e empresários.  Lembrava os anos de luta de São Paulo em 1932, que considerava “heroicos”.

Pagar as contas do golpe

A CommonWealth também estava contratada para fazer algo essencial para os conspiradores contrários ao governo democrático de João Goulart. Eles precisavam arrumar dinheiro entre os empresários paulistas para fazer uma espécie de “caixinha” que ajudava a apagar o golpe e as contas do instituto. O dinheiro arrecadado era usado em viagens que pediam apoio de políticos e governadores locais ao golpe em andamento, na impressão de livros, no pagamento da própria agência, nos serviços de espionagem e grilagem ilegais de Golbery, no pagamento de deputados contrários ao governo.

O marechal Cordeiro de Farias, um dos principais nomes do golpe, costumava dizer que sem o dinheiro, a mobilização paulista no golpe de 1964 não seria efetivada. Todos os meses a agência enviava cartas pedindo contribuições e fazia reuniões com empresários do mais diversos setores. Em abril de 1964, já depois do golpe, por exemplo, a agência conseguiu a promessa de contribuição de Bernardo Golfarb, proprietário das lojas Marisa, bem como da Munck do Brasil, das gráficas Ipiranga e da Samab, segundo seus relatórios.

Naturalmente, alguns órgãos de imprensa foram procurados, como a editora Abril de Victor Civita. No relatório de março de 1964, a reunião foi descrita como extremamente cordial. “Imbuiu-se a CommonWealth RP de entrevistar-se com vários contribuintes em potencial, entre os quais o presidente da Editora Abril, uma das mais destacadas do país. Ofereceu-se o sr. Victor Civita para imprimir livros e materiais editorais do Ipês a preço reduzido, o que equivale a razoável contribuição indireta”.

Outras vezes, foram alguns jornais que procuraram a agência sabendo da força empresarial por trás da agência e do Ipês. Foi caso do jornal Diário de São Paulo, em 4 de outubro de 1963, quando o diretor Edmundo Monteiro enviou uma carta a Paulo Ayres Filho dizendo que sempre havia sempre defendido os ideais da livre-iniciativa e os princípios democráticos e pedindo a compra de “60 a 100 assinaturas do jornal”.  Paulo Ayres responde negando a compra de assinaturas.

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Análise

Patentes na OMC é uma derrota para os países do Sul Global

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Pandemia de covid-19 reativou a debate sobre a quebra de patentes para medicamentos e vacinas. Apesar de sua união em torno do tema, países subdesenvolvidos sofreram uma derrota

Alessandra Monterastelli

Outras Palavras Outras Palavras

2022-07-06T22:35:00.000Z

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No dia 17 de junho, saiu fumaça branca das chaminés da Organização Mundial do Comércio (OMC). A entidade, responsável pela regulação de patentes internacionais, anunciou que chegara a uma conclusão sobre as vacinas contra o coronavírus. Tratava-se do pedido de isenção do acordo TRIPS – sigla em inglês para Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Firmado na virada do século, tal compromisso obriga os países-membros da OMC a adotar padrões mais rigorosos de proteção patentária. Consequentemente, encarece o acesso às inovações tecnológicas, inclusive no setor farmacêutico. Mas a decisão final foi amplamente criticada por ativistas da saúde e movimentos populares em todo o mundo, já que a OMC rejeitou a isenção total do TRIPS. 

Em 2020, diante da disseminação do novo coronavírus, África do Sul e Índia protocolaram a proposta de isenção do Acordo, que obteve amplo apoio dos países em desenvolvimento e de baixa renda – com exceção do Brasil. A nova decisão foi saudada pelo Secretariado da OMC e por representantes de países ricos como um resultado sem precedentes, mas ativistas condenam que, na prática, a decisão não atende as necessidades mínimas da maior fatia do mundo. “Houve um esvaziamento da proposta pelos países mais ricos. O texto perdeu totalmente sua força, não trouxe nada novo”, explica Felipe Carvalho, Coordenador Regional da Campanha de Acesso do Médicos Sem Fronteiras ao Outra Saúde.

A conclusão do órgão concedeu uma exceção temporária à restrição das quantidades de vacinas que podem ser exportadas sob licença compulsória; diagnósticos e tratamentos não estão incluídos e devem obedecer ao limite de exportação durante o tempo de licença compulsória – decretada durante emergências sanitárias, como é o caso da pandemia. Além disso, a concessão vale apenas para responder à covid-19 e não tem validade diante de outras crises de saúde. O acordo final não inclui o compartilhamento de segredos comerciais e know-how de fabricação, o que prejudicará a produção de vacinas com tecnologia avançada por países de baixa renda – como é o caso dos imunizantes de RNA.

Carvalho conta que o problema é abordado com frequência em reuniões escpecais da OMS e da ONU.  “Existe um consenso entre especialistas e órgãos multilaterais de que as patentes causam constantes crises de acesso e inovação na saúde”. Em maio, o The Guardian divulgou que a Pfizer lucrou 25,7 bilhões de dólares só no início de 2022 – mais da metade do valor está relacionado à venda de vacinas contra a covid-19. Tim Bierley, ativista do Global Justice Now, denunciou ao jornal britânico que apesar do apelo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outras organizações, a farmacêutica seguia se recusando a compartilhar a tecnologia de produção do imunizante. O diretor da OMS, Tedros Adhanon, afirmou em 2021 que a pandemia estava sendo prolongada por uma “escandalosa desigualdade” diante do acúmulo de doses de imunizantes por países ricos enquanto países pobres não conseguiam avançar em sua meta de vacinação em massa. 

“Desde a criação do acordo TRIPs nós temos um cenário de constantes crises de acesso a medicamentos essenciais”, conta Felipe. Ele relembra o caso emblemático da epidemia de HIV/AIDS, na década de 1990. “Em 1996 surgiu a primeira terapia para a doença. As pessoas pararam de morrer e passaram a conviver com o vírus. Mas essa terapia não chegou nos países onde o cenário era mais grave”, explica. O ano de 1996 foi também quando o acordo TRIPS entrou em vigor, após sua criação em 1994 e preparação em 1995. “A partir daí se criou uma coalizão na sociedade civil, da qual fazemos parte, chamada Movimento de Luta pelo Acesso a Medicamentos. A pergunta era: por que os preços eram tão altos e o tratamento se tornava inacessível para milhões de pessoas? Nos aprofundamos no sistema de patentes e entendemos que o monopólio era a causa”, relembra.

Apesar do TRIPS possuir cláusulas que permitem flexibilizações, elas são de difícil utilização devido a dois fatores principais: sua não-incorporação completa em leis de países-membros e a pressão que as farmacêuticas exercem sobre as decisões da OMC. Na década de 1990, diante da grave situação vivida na África do Sul – país com maior número de mortes pela AIDS na época – o governo então liderado por Nelson Mandela aprovou uma das medidas previstas no TRIPS para importar genéricos. Na ocasião, Mandela sofreu o processo de 39 farmacêuticas que se opuseram à decisão tomada para conter a crise de saúde pública. Apesar da derrota das corporações na justiça, “esse é um exemplo de como essas empresas e seus países-sede tentam barrar as normas legítimas existentes no TRIPS”, exemplifica Carvalho.

A OMC é uma instituição formada por 164 membros e opera com base na tomada de decisões por consenso. “A OMC falhou em fornecer uma isenção. O acordo coloca os lucros à frente das vidas e mostra que o atual regime de propriedade intelectual falha em proteger a saúde e promover a transferência de tecnologia. Essa não-renúncia estabelece um mau precedente para futuras pandemias e continuará a colocar vidas em risco” declarou Lauren Paremoer, médica e integrante do Peoples’ Health Movement na África do Sul. 

A Health Action International, referência no trabalho para expandir o acesso a medicamentos essenciais, argumentou em nota que a decisão da OMC impõe obstáculos ao licenciamento compulsório, uma das poucas flexibilidades existentes no TRIPS, em troca de uma abertura tímida para a facilitação da exportação de vacinas. Outras entidades representantes da sociedade civil já denunciaram a atuação dos países ricos e vêm aumentando a pressão sobre os governos. O objetivo, segundo seus porta-vozes, é que sejam tomadas medidas concretas para desafiar as regras de monopólio farmacêutico da OMC e garantir mais acesso a medicamentos e tecnologias. 

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