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Eleitor nigeriano com o título que lhe dará acesso às eleições que começam no próximo sábado, 28 de março
Há eleições e ELEIÇÕES. O pleito que está para ser realizado na Nigéria merece letras maiúsculas. Não apenas por se tratar da maior democracia africana, com 68.883.476 eleitores. Não apenas porque estas eleições determinarão a direção a ser tomada pela maior economia africana – embora, com sua dependência do petróleo e com tudo o que tem acontecido com os preços do produto, esta posição esteja sob ameaça, e a primeira tarefa do presidente eleito será resgatá-la. Não apenas porque o que ocorre na Nigéria inevitavelmente se reflete nos países da região e em toda a África.
É por tudo isso junto. E também porque estas eleições, diferentemente das eleições nigerianas anteriores, são genuinamente imprevisíveis. O Partido Democrático Popular ganhou todas as eleições desde 1998, e parecia que de fato nunca viria a perder. Agora, os tempos são outros. Desta vez, mudanças reais são possíveis, assim como agitação popular. Os partidos de oposição se uniram sob uma mesma bandeira, e o eterno segundo lugar Muhammadu Buhari está tirando do armário seu vestido de noiva.
Espera aí: não houve um ditador militar chamado Buhari? É a mesma pessoa?
Sim. Eis a questão. Buhari foi um general do Exército que fez parte de um grupo de oficiais que derrubaram o presidente democraticamente eleito da Nigéria às vésperas do ano novo de 1983. Ele se tornou um regente militar, embora não particularmente bem-sucedido. Ficou apenas 20 meses no poder e foi tirado à força. Mas ele mudou! Ou pelo menos é o que diz. Ele agora acredita na democracia, na Constituição e em todas essas coisas boas, embora não seja um homem lá muito arrependido: “Se você fizer uma boa pesquisa, descobrirá a razão pela qual o Supremo Conselho Militar da época tomou aquelas decisões”, disse recentemente, referindo-se a algumas das controvérsias de seu breve governo, como a execução sem julgamento de suspeitos de tráfico de drogas e a censura à imprensa – incluindo, incidentalmente, a proibição de qualquer discussão sobre o retorno a um regime civil democrático.
Apesar de seu passado tenebroso – ou, o que é mais provável, por causa dele – Buhari voltou como chefe do Congresso dos Progressistas (All Progressives Congress – APC). Trata-se de uma aliança dos maiores partidos de oposição nigerianos, que finalmente perceberam que nunca conseguiriam vencer as eleições sozinhos. A aliança tem se mantido bastante estável, atraindo até mesmo ex-membros famosos do PDP. Será que eles conseguiriam ganhar? Eles certamente têm chances – tanto que estas eleições foram atrasadas em seis semanas, supostamente para lidar com questões de segurança, mas mais provavelmente para dar ao Presidente Goodluck Jonathan um tempo extra para sua campanha.
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O candidato do Congresso dos Progressistas (APC, na sigla em inglês), Muhammadu Buhari, em comício em janeiro
E funcionou?
É difícil saber. Não há muitas pesquisas de intenção de votos confiáveis na Nigéria, de modo que as previsões são quase sempre especulativas. Mas Jonathan provavelmente ainda ocupa o primeiro lugar, apesar do frisson em torno de Buhari. Ele conta com todos os benefícios de já integrar a situação, e uma organização partidária bastante astuta – que já levantou uma enorme quantidade de dinheiro em prol de sua campanha. A base de apoio de Jonathan é composta majoritariamente por cristãos do sul do país, enquanto Buhari consegue votos no norte muçulmano (e esta é, evidentemente, uma análise bastante simplista). Isto significa que os problemas de segurança atuais da Nigéria contribuem com a campanha de Jonathan. Com os recentes contratempos sofridos pelo Boko Haram – que Jonathan conseguiu capitalizar a seu favor – o grupo extremista ordenou que os eleitores do norte não votassem e ameaçou com violência os que ousassem votar. Isto provavelmente terá um impacto sobre o resultado, prejudicando Buhari.
Jonathan é uma figura ambígua. Não era para ele ter sido presidente, mas o destino interveio: quando o Presidente Umaru Yar Adua morreu, em 2010, Jonathan era seu vice e assumiu o poder. A maioria das pessoas achou que ele deixaria o posto ao fim do mandato de Yar Adua, mas estavam subestimando a determinação de Jonathan. Ele concorreu como presidente, rompendo com a delicada política de rotatividade entre candidatos do sul e do norte de seu partido e enfurecendo figuras poderosas, o que acabou por contribuir para o surto de crescente popularidade dos oposicionistas do Congresso dos Progressistas.
Como está a situação da segurança no país? E o que aconteceu com as meninas sequestradas pelo Boko Haram?
Na mesma época em que as eleições foram proteladas, a estratégia para lidar com o Boko Haram foi alterada. Primeiro, o governo da Nigéria admitiu ter um problema com o qual não conseguia lidar sozinho, convidando outros países a ajudar. Camarões, Chade e Níger atenderam ao pedido, e a União Africana enviou forças auxiliares. Setores da iniciativa privada sul-africana também estão envolvidos. Todos estes esforços parecem estar fazendo alguma diferença.
O Boko Haram está sendo expulso de parte do território que controla, e aparentemente parou de se expandir. Por outro lado, o grupo se aliou ao Estado Islâmico e recorreu a ataques suicidas em áreas urbanas como tática.
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Comício em prol de Goodluck Jonathan, atual presidente candidato à reeleição pelo Partido Democrático Popular (PDP)
O progresso, no entanto, ainda é lento; o Boko Haram não será derrotado tão rapidamente, se é que isso será possível. Será difícil desmantelá-lo assim que tiver se retraído completamente de volta às suas bases, no nordeste do país.
O destino das meninas sequestradas permanece um mistério. Elas não foram trazidas de volta, e parece pouco provável que venham a ser. Este é apenas um incidente no vasto catálogo de atrocidades do Boko Haram, como o massacre em Baga, em que centenas de civis foram mortos.
Com todas essas incertezas, devemos esperar mais violência?
Todos os ingredientes para um conturbado período pós-eleições estão presentes. Um sistema eleitoral caótico, passível de manipulação; uma corrida apertada pela presidência, com muita coisa em jogo; antigas divisões religiosas, étnicas e políticas.
Ainda assim, o histórico recente da África nesse quesito é positivo. Ao longo dos últimos anos, várias eleições pareciam ter tudo para descambar em violência, mas isso não ocorreu: pense no Quênia e no Zimbábue em 2013, no Maláui, no ano passado, ou mesmo no pequeno Lesoto, em fevereiro. É um padrão que pode ser seguido na Nigéria.
Ainda há o Boko Haram, no entanto. Parece pouco provável que o grupo extremista vá deixar esta oportunidade passar em branco. Eleitores próximos ao território do Boko Haram, ou em cidades importantes como Abuja e Kano, exercem seus direitos democráticos sob imenso risco.
Tradução: Henrique Mendes
Matéria original publicada no site sul-africano Daily Maverick.