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Planta de maconha cultivada para uso medicinal em Denver, no estado de Colorado, EUA
Talvez o aquecimento global venha a contestar ligeiramente aquele clássico adesivo hippie visto em tantas carrocerias de caminhonetes: “Chuva ácida: é uma pena que ela não seja tão divertida quanto parece”. O que acontece é que o aumento das temperaturas pode intensificar as propriedades medicinais e psicoativas de algumas plantas, incluindo a maconha.
As mudanças climáticas também poderão tornar altitudes elevadas mais receptivas ao cultivo clandestino de maconha, prática que coloca cada vez mais pressão sobre ecossistemas já fragilizados. Alguns dizem que leis mais brandas relacionadas ao cultivo de maconha podem exacerbar o problema, aumentando o número de produtores; outros argumentam que a regulamentação e a vigilância eventualmente levarão a práticas de cultivo mais responsáveis.
Para Lewis Ziska, pesquisador especializado nos padrões migratórios das plantas diante das mudanças climáticas, os pés de maconha, plantados em ambientes abertos, eventualmente se tornarão mais fortes e precisarão de menos água.
“Se você voltar para a época em que as plantas evoluíram na terra, os níveis médios de CO2 (dióxido de carbono) eram de 1.000 partes por milhão; hoje, eles estão em torno de 400”, diz Ziska, que é fisiologista vegetal do Serviço de Pesquisa Agrícola do Departamento de Agricultura dos EUA.
Cerca de 4% das espécies de plantas se adaptaram a níveis mais baixos de CO2, em sua maioria gramíneas subtropicais como o sorgo, o milho e o painço. No entanto, a maioria das plantas – incluindo a maconha – ainda se sente privada dos níveis perfeitos de CO2 presentes na atmosfera quando de seu surgimento.
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A pesquisa de Ziska sugere que as plantas que se sentem privadas se beneficiarão dos níveis crescentes de CO2, já que ainda não se adaptaram totalmente aos níveis inferiores. A sua própria pesquisa, assim como a de outros cientistas, indica que as qualidades medicinais destas plantas poderão ser reforçadas pelo aquecimento global.
James Duke, etno-botanista aposentado do Departamento de Agricultura dos EUA, diz que quando as plantas estão sob estresse, como em condições de seca, por exemplo, tendem a apresentar mais propriedades medicinais.
Duke observou o fenômeno em seu “Jardim da Farmácia Verde” (“Green Farmacy Garden”, em inglês) em Fulton, Maryland, que abriga mais de 300 espécies nativas e não-nativas de plantas medicinais utilizadas tradicionalmente e/ou pesquisadas para o uso na medicina moderna.
“Aprendemos, no jardim, que quanto mais estresse é colocado sobre uma planta – calor, frio, doença ou simplesmente agressão física – aumentam suas propriedades medicinais e elas se tornam menos comestíveis”, diz Duke.
A ciência explica o fenômeno, diz ele, já que o estresse converte proteínas, carboidratos e gorduras em metabólitos secundários que protegem a planta.
A maconha não produz compostos psicotrópicos como o THC para que as pessoas possam fumá-la, explica Ziska. O THC é um repelente de pragas. “As plantas não se movem, não podem se levantar e sair andando, por isso precisam produzir estas substâncias químicas que as ajudam a se livrar de pestes e doenças”.
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À medida que estados norte-americanos, particularmente Colorado, Califórnia e Washington, relaxam a proibição da maconha, grandes produtores entram no negócio, utilizando-se para tanto de terras do Estado sem se preocupar muito com a legislação ambiental.
Em agosto de 2011, o Centro para Jornalismo Investigativo e o centro público de mídia KQED San Francisco entrevistaram autoridades policiais na Califórnia que alegaram que os produtores de maconha já não são mais hippies da região, mas, cada vez mais, traficantes armados, muitos dos quais cidadãos mexicanos suspeitos de ligações com quartéis do outro lado da fronteira.
“O relaxamento da legislação está trazendo cada vez mais gente para o negócio, e a coisa está cada vez mais difícil”, diz um produtor de maconha veterano do norte da Califórnia, que chamaremos de Bill, já que pediu para não ser identificado. “Há mais gente no mercado e, por isso, os preços diminuem, embora todos os custos aumentem”.
Enquanto a Califórnia atravessa seu quarto ano de seca, a produção intensificada pesa sobre o já sobretaxado fornecimento de água. Um estudo de 2014 do Departamento de Pesca e Vida Selvagem da Califórnia sobre uma das quatro bacias hidrográficas da região chamada de Triângulo da Esmeralda (composta pelos condados produtores de maconha de Mendocino, Humboldt e Trinity) estimou que os produtores utilizem quase 240 mil litros de água por dia para irrigar 10.500 plantas de maconha cultivadas em ambientes externos. Isto equivaleria a quase 36 milhões de litros de água a cada temporada de cultivo extraídos de uma única bacia hidrográfica.
Fotografias aéreas tiradas para o estudo sugerem que a produção de maconha dobrou naquela bacia entre 2009 e 2012.
Biólogos que estudam a vida selvagem na região acreditam que o aumento das temperaturas possibilite o cultivo de maconha em regiões mais altas, ameaçando ecossistemas.
O biólogo Mourad Gabriel, junto de colegas da Universidade da Califórnia e do Centro de Pesquisa Ecológica Integral, uma organização sem fins lucrativos que ele ajudou a criar para proteger a flora, a fauna e os ecossistemas mais sensíveis, tem medido o impacto do cultivo de maconha sobre o meio ambiente.
A jornada começou quando ele detectou um declínio na população da marta pescadora – um pequeno mamífero carnívoro membro da família da doninha – devido ao veneno de rato usado pelos produtores de maconha para proteger suas plantas.
Produtores ao estilo “guerrilha” – isto é, os que cultivam em terras públicas, e não em sua propriedade – divergem grandes quantidades de água, interrompem ciclos e estabelecem seu negócio em ecossistemas silvestres frágeis, usando grandes quantidades de pesticidas, tanto aqueles permitidos quanto substância proibidas nos EUA, em concentrações não recomendadas e para aplicações inadequadas, diz Gabriel.
As mudanças climáticas podem piorar a situação, diz ele.
“Há uma ameaça crescente, com o aumento das temperaturas da água, às populações de salmões tão essenciais para a manutenção desses ecossistemas, para as populações nativas e para a indústria pesqueira”, disse Gabriel, sem esquecer os invertebrados aquáticos, outras populações de peixes, mamíferos aquáticos e pássaros.
Ele compartilha da preocupação de outros biólogos de que o clima mais quente tornará a área mais receptiva à maconha.
Os pesticidas são o fator mais preocupante. Bill – que cultiva em sua propriedade e segue à risca o axioma “99 e está tudo bem”, referente à tolerância da polícia com relação ao número de plantas – disse que ele espera pelo dia em que os produtores que plantam organicamente serão admirados pela idoneidade de seus métodos.
“Por que você usaria produtos carcinogênicos derivados do petróleo em uma planta medicinal?”, questiona.
O médico David Bearman, especialista em maconha medicinal, disse que há cada vez mais dispensários realizando testes para identificar, além dos níveis de canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC), os compostos que produzem efeitos psicoativos, a presença de fungos e pesticidas na erva.
“À medida que refinarmos nossas leis e estabelecermos [a produção de maconha] como um setor regulamentado da economia, será mais difícil que a maconha de má qualidade chegue ao mercado”, sugeriu Bearman.
“O problema está relacionado ao status legal da planta”, diz. “De 1854 a 1942, a maconha era legalizada para uso médico, nós não tínhamos cartéis de drogas e isso não era um problema”.
Se cientistas como Duke e Ziska estão certos, o aquecimento global aumentará a potência da maconha plantada em ambientes abertos. Alinhados à visão de Bearman, produtores como Bill poderão talvez conseguir manter suas operações a um nível modesto e ambientalmente responsável, fornecendo a erva tanto para o mercado medicinal quanto para o recreativo.
Tradução: Henrique Mendes
Matéria original publicada no The Daily Climate, site norte-americano que se dedica à cobertura das mudanças climáticas.