Back to the body / Facebook
Sessões de massagem auxiliam as participantes do retiro a entrar em contato com os próprios desejos
Aviso: esta matéria contém linguagem explícita.
No século 19, “histeria” era um diagnóstico médico corriqueiro, conferido a cerca de 75% das mulheres de classe média da época. Na lista de sintomas figuravam “desmaios, ansiedade, insônia, nervosismo e (meu favorito!) a tendência a criar problemas”, escreve a pesquisadora Rachel P. Mainer no livro The Technology of Orgasm: “Hysteria,” The Vibrator and Women's Sexual Satisfaction [“A tecnologia do orgasmo: ‘histeria’, o vibrador e a satisfação sexual das mulheres”, em tradução livre].
Os tratamentos indicados variavam entre a internação no manicômio ou – algo bem melhor – sessões de terapia semanais em que os médicos administravam “massagens pélvicas” até que a paciente atingisse o “paroxismo histérico”. Hoje sabemos que “massagem pélvica” era masturbação realizada pelo médico na paciente, e “paroxismo histérico” era o orgasmo.
O consenso geral hoje é que os tratamentos de nossos boçais ancestrais para a histeria eram tão eficientes quanto os tratamentos para o equilíbrio dos humores administrados na Antiguidade. Ainda assim… será que tinha alguma coisa ali? E se as mulheres de fato sofrem de maneiras insuspeitas quando seus desejos sexuais estão reprimidos ou não estão sendo preenchidos?
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Os retiros sensuais Back to the Body [“De volta ao corpo”, em tradução livre] da terapeuta norte-americana Pamela Madsen são bem parecidos com os antigos tratamentos para histeria, mas com um toque de sensibilidade e de “viva a mulheridade”. Madsen usa termos como “crise do desejo feminino”, “desconexão vaginal” ou “bucetas raivosas”, mas estamos falando sobre a mesma coisa: mulheres que não estão conectadas com seus desejos, com vergonha deles e/ou mulheres não expressando e não vivenciando seus desejos.
Os retiros, frequentemente realizados em cenários gloriosos como a Toscana, na Itália, oferecem sessões de “massagem sensual taoista”, workshops e exercícios para superar a vergonha do próprio corpo e explorar os desejos, assim como discussões coletivas sobre imagem corporal, a expressão dos desejos e como se abrir para o prazer no dia a dia (pelo menos é o que me contaram: os retiros são super caros, custando entre 4 e 5 mil dólares. Aguarde, daqui a pouco eu passo as dicas de como exercitar o contato com o desejo no conforto da sua casa).
“Um de nossos princípios básicos é que a sua buceta é a sua chama piloto. É o centro da sua energia vital”, diz Madsen.
Uma chama piloto apagada se manifesta de maneiras bem similares aos sintomas atribuídos à histeria no século 19. “A depressão é a primeira delas”, diz Madsen. “Basicamente, quando não vivenciamos nossos próprios desejos, nos tornamos inconscientes e nos voltamos para coisas que nos entorpeçam, nos distraiam. Quando insistimos compulsivamente em comer, fazer compras, fazer exercícios ou chafurdamos em nossos problemas, isso basicamente nos impede de estar intensamente vivas e de ser intensamente nós mesmas. Nós permitimos que nossas almas morram de fome até que não aguentemos mais.”
Madsen começa o retiro ficando nua e subindo em uma mesa para uma demonstração ao vivo. “Trabalhadores sexológicos” manipulam seu corpo enquanto as participantes observam, presumivelmente vivenciando diferentes níveis de constrangimento.
“Eu fico excitada, eu tenho orgasmos, eu rio, eu brinco, eu grito, eu choro. Sabe lá que porra eu faço lá em cima, porque cada sessão é diferente”, diz a terapeuta. “Eu as ensino sobre como nos mover em nossos próprios corpos quando o prazer é sobre nós, e não sobre o parceiro ou a parceira. Sou uma mulher de 52 anos, tamanho 48 e já fiz uma cesariana. É muito diferente de pornografia – aqui você vê uma mulher de verdade sentindo prazer. Muitas delas nunca fizeram isso antes e ficam intimidadas.”
Madsen acredita que a autonegação do prazer em mulheres começa muito cedo e está relacionada com a comida. “Uma das experiências mais sensuais e eróticas que uma criança pode ter é comer, e as meninas são ensinadas a não querer comer demais. É nos desejos do próprio corpo que nós somos fodidas. Somos criadas com essa ideia de que nossos corpos podem nos trazer problemas e não devemos entrar em contato com nossos desejos porque eles são maus. Já com relação a sexo, somos ensinadas a não querer. As mulheres têm tetos de prazer: a elas só é permitida uma cota.”
“Vemos um padrão de mulheres que aparecem aqui se sentindo com raiva e com suas bucetas dormentes, e então vemos o que acontece quando elas se permitem explorar os próprios desejos sem nenhuma vergonha. Não importa se elas têm 22 ou 75 anos, se são tamanho 36 ou se são obesas; a cura é extraordinária. Elas descobrem que não estão quebradas e que não são sujas e que seus corpos são incríveis instrumentos de luz, inspiração e prazer.”
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Timothy Krause / Flickr CC
Vulvas felizes vão mudar o mundo, acredita a terapeuta Pamela Madsen
Os retiros têm sempre as vagas esgotadas e há uma taxa de retorno de 98%. As mulheres claramente curtem muito, embora não fique claro se é porque elas finalmente libertam seus desejos e têm um ou dois orgasmos extraordinários ou se é apenas um efeito dos cinco dias de relaxamento na Toscana.
Se você não tem cinco mil dólares sobrando ou a disposição para cantar a sua canção vaginal em uma sala cheia de mulheres, há outras maneiras de entrar em contato com seu desejo.
Tente a meditação Lotus Lift, criada por Madsen, ou a yoga orgásmica (diferente da meditação orgásmica, que também funciona). As duas parecem uma mera sessão de masturbação, mas são menos orientadas para o objetivo final e mais voltadas para a consciência do processo. “Faça perguntas: quem sou eu? O que eu quero? E o que está me atrapalhando nessa missão?”, indica a terapeuta.
“Eu gosto que as mulheres toquem – muito – suas bucetas e se conectem com este lugar de prazer em seus corpos”, diz Madsen. Olhe para ela, sinta-a, coloque sua mão nela e a acaricie. (Madsen observa: “Eu uso a palavra ‘buceta’ porque ela é simpática e eu quero que mulheres a acariciem, mas você pode usar ‘vagina’ ou ‘vulva’ – o que mais te apetecer.”)
Flerte com o mundo
Sinta a sua sexualidade e se divirta com ela. Embora pareça um conselho idiota saído de uma revista “para mulheres”, balance um pouco mais seus quadris enquanto caminha, para se lembrar de que você é uma criatura sexual. Tenha uma queda por alguém. “Uma paixonite não necessariamente deve se consumar. Muitas vezes, é melhor até deixá-la no domínio do imaginário. Mas cultivar uma quedinha por alguém pode aumentar seus níveis de excitação”, recomenda a terapeuta.
Chame de histeria ou de vulvas tristes, parece que Madsen encontrou algo aí. “Quando as mulheres encontram aquilo que querem e de que precisam, quando você as ajuda a encontrar sua autonomia sexual, seus desejos, você cria um mundo de bucetas felizes que apoiam outras mulheres. Acho que isso vai curar o mundo”, diz ela. “E essa é uma porra de uma afirmação poderosa!”
Matéria original publicada no site AlterNet.