Paulo Pinto / Fotos Públicas
Manifestação em frente à prefeitura de São Paulo em 28 de janeiro
Boletim da falta d’água em SP, 17 a 23/02/15*:
– Em outubro de 2014, Alckmin dizia: “não falta água, não vai faltar água em São Paulo” (http://vimeo.com/109652047). Enquanto isso, faltava água em escolas (http://bit.ly/1suoPlI), unidades de saúde (http://bit.ly/1suoPlI), estabelecimentos comerciais (http://bit.ly/1ue6lnr), bebedouros públicos (http://bit.ly/1pfj1J3), estações de metrô (http://bit.ly/1DhbXUK), hidrantes (http://glo.bo/1xM5kbs) e nas residências de 60% dos paulistanos (http://bit.ly/1rmXz4U). Agora, o discurso mudou. Alckmin diz: “não há nenhuma previsão de rodízio de água em São Paulo” (http://goo.gl/u3Cuny). Enquanto isso, a Sabesp já faz cortes em 40% da rede (http://goo.gl/i4PnS6). Não “redução de pressão”: cortes (http://goo.gl/sQgAZF). Note-se que o discurso passou marotamente de “não falta nem faltará água” para “não há nem haverá rodízio”, sem fazer uma escala no “OK, gente, na verdade falta água em São Paulo sim”. Façam suas apostas sobre a próxima coisa que “não estará acontecendo” em São Paulo.
***
– Vamos aos fatos: as chuvas no sistemas Cantareira e Alto Tietê ultrapassaram a média histórica e o nível dos dois sistemas subiu, para -18,68% e 18,3% respectivamente. A porcentagem negativa é para manter o mesmo critério de cálculo que a Sabesp usava antes da crise, e indicar que ainda estamos longe de recuperar o volume morto que consumimos até agora. A fórmula para calcular o nível do sistema Cantareira é a seguinte: basta pegar o que saiu no site da Sabesp (e que a imprensa reproduz diariamente), e subtrair 29,28%. A explicação matemática para esta conta está aqui: http://goo.gl/iUMPpA
– Apesar das chuvas acima da média – há 9 anos não chovia tanto no Cantareira –, a vazão do sistema está 46% abaixo da média para o mês de fevereiro (http://goo.gl/12bhjf). Quer dizer: uma coisa é o tanto que choveu (“pluviometria”); outra bem diferente é, desse tanto que choveu, o quanto de água de fato sobrou para entrar no sistema (“vazão”), porque parte da água da chuva é, por exemplo, evaporada ou absorvida pelo solo seco (http://bit.ly/1CyamvM – ver p. 51). Por que a vazão está tão baixa? Segundo a matéria d’O Estado, trata-se do efeito esponja. Faz sentido: quanto mais volume morto captamos, maior a área de solo seco que fica exposta e mais lenta fica a recomposição do sistema (http://goo.gl/2ZQn5R).
– Uma vez estabelecido que, apesar das chuvas de fevereiro, o Cantareira ainda não está “funcionando” normalmente e que temos pouquíssima água disponível, cabe perguntar: 1) como/para quem esta água está sendo distribuída atualmente; 2) se essa distribuição é socialmente justa; 3) se é a mais eficaz para a recuperação das represas.
1) Lembremos, em primeiro lugar, que a Sabesp tem contratos de demanda firme com cerca de 500 clientes: grandes consumidores que têm direito a abastecimento ininterrupto e desconto progressivo sobre o consumo de água (i.e. quanto mais consomem, menos pagam –http://goo.gl/M5M4uy). Por outro lado, lembremos também que, na prática, os pobres são os mais atingidos pelo racionamento não-oficial (http://abr.ai/1CxVta7).
2) Quanto à justiça da forma como a água vem sendo distribuída, limito-me a citar Marcos Augusto Gonçalves: “Temos na prática um quadro em que os cidadãos são submetidos a um regime desigual de sacrifícios, arbitrado de maneira opaca, para não dizer às escuras, pelo governo do Estado, que se recusa a retirar o rodízio do armário e explicitar seus critérios (…). Tal como a coisa está colocada, cria-se a aparência de que o racionamento é um problema que está por vir, quando já está instalado de maneira assimétrica e inapelável” (http://goo.gl/csj0k5).
3) Por fim, resta perguntar: continuar com esse racionamento dentro-do-armário é mesmo nossa melhor opção? O especialista em recursos hídricos José Tundizi afirma que o rodízio ou racionamento deveria ser adotado ainda que as previsões sejam as mais otimistas. Ele acrescenta: “Em nenhum dos locais em que houve uma recuperação de lagos, represas ou rios se obteve sucesso sem a participação da população. (…) não pode se confiar só nos elementos físicos, mas (…) se tem que confiar na parte humana e social no planejamento” (http://goo.gl/1kRXa4). E por falar em “previsões otimistas”, não custa lembrar que o cenário atual – sim, mesmo com as chuvas das últimas semanas – não corresponde nem mesmo à previsão mais pessimista que a Sabesp fazia para esta época em outubro de 2014 (http://goo.gl/kT0faE).
(- Outra coisa: Tundizi diz que a água da Billings pode ser tratada sim e a curto prazo, mas ele não explica por qual método. O de flotação, como vimos semana passada, não se revelou adequado, segundo esta tese de doutorado: http://goo.gl/1bTGnB).
***
– Uma curiosidade: até mesmo o ex-presidente da Sabesp que instituiu os contratos de demanda firme, Gesner Oliveira, é a favor de sua revisão dada a atual crise (http://goo.gl/MCjB49). Por outro lado, ele é contra a oficialização do racionamento/rodízio, alegando que os mais pobres seriam os mais prejudicados: os ricos se viram, mas 4 dias sem água seria muito tempo para quem não tem condições de comprar Perrier. A ironia é que, nesta entrevista ao El País Brasil, Gesner concede a entrevista de um táxi, dirigido por um motorista que passou os cinco dias de Carnaval sem água em casa. Ou seja: o racionamento já acontece e pessoas como esse taxista já passam 4 (ou 5) dias sem água sem que isso sequer seja reconhecido pelo governo do estado. Tornar o racionamento oficial não equivale (ou não deveria equivaler a avisar à população “galera agora é 4×2 hein, boa noite & boa sorte”, mas 1) elaborar estratégias de abastecimento para aqueles que não têm condições de armazenar água e 2) garantir o abastecimento de serviços essenciais. Em vez disso, o governo prefere fingir que esses problemas não existem, que essas coisas não estão acontecendo – o que, vamos reconhecer, é uma excelente forma de não ter que lidar com eles.
NULL
NULL
– 1) As pessoas mais vulneráveis à falta d’água e que não têm condições de armazená-la são os moradores de rua (http://goo.gl/Ne48Wr). Segundo denúncia do Padre Júlio Lancelotti na Comissão Extraordinária de Direitos Humanos (http://goo.gl/GCS1cm), estabelecimentos comerciais e até mesmo igrejas têm se recusado a dar água para essas pessoas. Infelizmente, não fico surpresa: como alerta o Chamado à Ação da Aliança pela Água, situações de escassez de água tendem a despertar o egoísmo nas pessoas (http://goo.gl/Sr5ZDa). Volto a repetir: urge criarmos uma campanha de solidariedade, complementar a (e indissociável de) uma campanha de economia de água.
– 2) A situação dos moradores de rua ilustra a necessidade de se garantir o abastecimento aos serviços essenciais. O programa De Braços Abertos da Prefeitura e um Centro de Acolhida já estavam sem água para atender os usuários, e o Padre Júlio Lancelotti afirma – ou melhor, reitera, pois isso não é novidade – que o mesmo ocorre em UBSs (http://goo.gl/Ne48Wr). A Sabesp afirma que ainda precisa de um mês para concluir as obras que, em caso de racionamento oficial, garantiriam o abastecimento ininterrupto de, no mínimo, hospitais e presídios (http://goo.gl/Vf9dbN).
***
– A reportagem mais interessante da semana foi da revista Época, apontando as diferenças de gestão nas crises hídricas de São Paulo e da Califórnia em 2014 (http://goo.gl/3c12WA). Apesar de terem climas muito diferentes, os dois estados têm em comum o fato de terem visto seus reservatórios secarem em um ano eleitoral. A seguir, retomo e complemento algumas das diferenças de gestão apontadas pela reportagem:
– Em janeiro de 2014, o governo da Califórnia decretou estado de emergência, pediu à população para reduzir o consumo de água em 20% e interrompeu obras públicas que consumiam muita água. Em São Paulo, a captação de água do Cantareira prosseguia nos mesmos níveis (http://goo.gl/C9bmEuhttp://goo.gl/NVNM39).
– Em julho de 2014, pouco antes da eleição, o governador da Califórnia aprovou leis impopulares como multa para usos supérfluos, como lavar carros e calçadas. Além disso, o governo impôs limites no fornecimento de água para os grandes consumidores urbanos. Para completar, o governador de lá pagou, com dinheiro da própria candidatura, anúncios de TV em que pedia economia de água. Já em São Paulo, em pleno debate eleitoral (outubro/2014), o governador Geraldo Alckmin afirmava que não faltava nem faltaria água em São Paulo (http://vimeo.com/109652047). O governo de São Paulo cogitou aplicar multas por excesso de consumo em abril, mas desistiu da ideia (relembre aqui: http://bit.ly/1xbHEyX) e só veio a aplicá-la de forma irregular, sem decretar racionamento, em dezembro (relembre aqui, parte 2: http://goo.gl/7LQqQq). Além disso, o governo não só não impôs restrições aos grandes consumidores de água como até hoje a sociedade não tem acesso à totalidade dos nomes desses clientes preferenciais da Sabesp. Em suma: não tem água para os moradores de rua atendidos pelo De Braços Abertos nem para pacientes renais que precisam de hemodiálise (http://goo.gl/QakYcg) – mas água para Bradesco, Globo, Igreja Universal (http://goo.gl/Rx6CVI), tem à vontade e por um precinho camarada.
– A campanha de economia de água e conscientização da Califórnia foi enorme e envolveu a participação de uma celebridade de peso, Lady Gaga. No Brasil, temos até agora apenas a campanha Guardiões da Água da Sabesp, que sempre me deixa meio nostálgica pois remete aos Fiscais do Sarney da minha infância (http://goo.gl/cT4Jv6).
– Placas nas estradas da Califórnia alertavam a população para o fato de que o estado passava por uma seca. Em São Paulo, a Sabesp tem em sua página uma gracinha de gráfico, segundo o qual há mais água no Cantareira hoje do que havia no ano passado (http://goo.gl/3SZkRo). Não há outra palavra para caracterizar esse gráfico: trata-se de uma mentira.
– Na Califórnia, há incentivos econômicos para quem compra produtos com selo de eficiência hídrica. Em São Paulo, algumas pessoas que já não têm mais água em casa estão sendo cobradas pelo ar que passa pela tubulação (http://goo.gl/leP0ik), como já era esperado desde dezembro (http://goo.gl/zu1ZXM). Além disso, a Sabesp provavelmente aumentará – de novo – a tarifa da água (http://goo.gl/U9MhfB).
***
– Para finalizar: Ricardo Rodrigues, pesquisador da Esalq, estima em R$195 milhões o custo da recuperação de parte das matas ciliares do sistema Cantareira (http://goo.gl/Rn3HWN). A título de comparação, eis alguns outros preços: transposição do Paraíba do Sul – R$ 830 milhões (http://bit.ly/1yIEQJ9http://goo.gl/AmnZQR).
– Só não vale plantar eucaliptos, que consomem 30 litros de água por dia e geram “desequilíbrio hídrico” (http://goo.gl/0NsdOl). Segundo o defensor público Wagner Giron de La Torre, até hoje “não se consolidou [no estado de São Paulo] nenhum mecanismo de controle dos danos socioambientais” da plantação industrial de eucaliptos.
***
AGENDA movimentadíssima esta semana <o/ o> o/
– 24/02 às 18h no vão livre do MASP, Aula Pública Água: Crise, Soluções e Mobilização Social (http://goo.gl/851qEW)
– 25/02 e 26/02 na Procuradoria Geral da República, seminário “Crise Hídrica: alternativas e soluções” (http://goo.gl/3iKpbg)
– 26/02 às 17h saindo do Largo da Batata, Marcha pela Água em SP (http://goo.gl/1D1JrG)
E esse foi o boletim de 17 a 23/02/15. Pode entrar em pânico que segunda que vem tem mais.
*Este e todos os boletins passados estão disponíveis no boletimdafaltadagua.tumblr.com