Otávio Nogueira / Flickr
Cultivo de melão na Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte
A nova composição do Congresso Nacional e a chegada de Kátia Abreu ao Ministério da Agricultura estão deixando alguns pesquisadores da área da saúde e do meio ambiente “preocupadíssimos”. Entre eles, Fernando Carneiro, da Associação de Saúde Coletiva – Abrasco, que atualmente coordena o GT de Saúde e Meio Ambiente da instituição. Segundo ele, as recentes mudanças no quadro político indicam que “as perspectivas de uma desregulamentação na legislação dos agrotóxicos são enormes”. Entre as alterações prováveis, ele menciona a possibilidade de “que se quebre todo o marco regulatório para favorecer a entrada de agrotóxicos no Brasil” e “de que se retire o papel da Anvisa e do Ibama para concentrá-los no Ministério da Agricultura, que já tem o comando do agronegócio”.
Fernando Carneiro possui experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em saúde e ambiente e saúde no campo, atuando principalmente junto aos movimentos sociais na luta por melhores condições de vida. Foi consultor do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Saúde. Atualmente Coordena o GT Saúde e Ambiente da Abrasco e o Observatório da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, Floresta e das Águas – Teia de Saberes e Práticas (OBTEIA), e é pós-doutorando do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em Portugal.
Na entrevista a seguir, Carneiro comenta as reações de resistência da sociedade civil ao uso de agrotóxicos no país. De acordo com ele, “a resistência mais organizada está se dando através da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e pela Vida. Trata-se de uma resistência interessante, uma grande novidade, porque além de reunir movimentos sociais, reúne ONGs e órgãos de Estado como a Fiocruz e o Incra. Essa é uma grande força em termos de uma grande campanha da sociedade civil”.
Existe resistência da sociedade civil aos agrotóxicos? Ela é representativa?
Fernando Carneiro: Existe uma resistência que é histórica do movimento de agricultura alternativa, que foi bastante representativa nos anos 1980, e que gerou a lei de agrotóxico do Brasil, considerada moderna para os parâmetros atuais. A resistência mais organizada está se dando através da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e pela Vida, que foi lançada no Dia Mundial da Saúde há três anos, e reúne mais de 200 entidades. Trata-se de uma resistência interessante, uma grande novidade, porque além de reunir movimentos sociais, reúne ONGs e órgãos de Estado como a Fiocruz e o Incra. Essa é uma grande novidade em termos de uma grande campanha da sociedade civil.
Por que, mesmo com tal resistência, o país permanece líder no consumo de agrotóxicos?
Existe uma escolha por parte dos últimos governos, principalmente dos federais, pela opção do agronegócio. Na medida em que prioriza que a balança comercial seja equilibrada pela exportação de commodities, o governo acaba fazendo uma opção pela reprimarização da economia. Isso aconteceu e vem crescendo desde o fim do governo Fernando Henrique e nos governos Lula e Dilma. Esse é um processo muito perigoso, porque há uma desindustrialização e um incentivo a commodities minerais e agrícolas, que têm um valor muito menor na relação de trocas do comércio internacional. Então, o Brasil ficou dependente desse modelo, que é baseado no grande uso de insumos químicos. A própria monocultura é um sistema desequilibrado, que exige muito agrotóxico. Mas muitas pessoas estão ganhando com a implantação desse modelo. Como você pode ver, a presidente da Confederação Nacional da Agricultura hoje é a Ministra da Agricultura. Isso demonstra que pessoas ligadas ao agronegócio já controlam o aparelho do Estado e os financiamentos, e aí fica uma luta entre Davi e Golias.
Como compreender a escolha de Dilma pelo nome de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura?
É uma escolha parecida com a que Lula fez quando escolheu seu primeiro ministro, Roberto Rodrigues. A diferença é que Kátia Abreu é uma liderança com um trânsito político e ela tem projetos que passam desde a privatização da Embrapa até a negação da reforma agrária como pauta para o país. À medida que temos uma ministra que tem colunas em jornais, ela passa a ter uma capacidade de influência maior do que tinha o ministro anterior, que também era ligado ao mesmo setor. Nos últimos anos a agricultura no Brasil tem sido atrelada ao agronegócio, mas agora chegou ao poder a representante mais poderosa do agronegócio no Brasil.
Ainda há falta de informação sobre os danos causados pelos agrotóxicos, que levam a uma maior disposição a aceitar os riscos de seu uso tanto por produtores quanto por consumidores? Como as campanhas agem para resistir ao agrotóxico?
Circula pouca informação sobre os riscos que os agrotóxicos podem causar. O máximo que já vi na televisão foram orientações sobre lavar as frutas e verduras antes de consumi-las. Mas sabemos que existem agrotóxicos que são sistêmicos e somente a lavagem dos vegetais não é suficiente para eliminar as substâncias tóxicas.
Não há, em contrapartida, por parte do Estado brasileiro, um investimento em campanhas de informação. Quando chega o carnaval, há uma série de campanhas sobre os riscos da Aids, mas nunca existiu uma campanha sobre os riscos do uso de alimentos contaminados por agrotóxicos pelo Ministério da Saúde.
A novidade para este ano é o lançamento de uma cartilha informativa sobre os riscos dos agrotóxicos. Acabei de participar da revisão técnica dessa cartilha do Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos. Esse programa faz parte do Plano Nacional de Agroecologia e quem está conduzindo a elaboração da cartilha é a Articulação Nacional de Agroecologia. A Abrasco e a Fiocruz também estão apoiando esse processo de divulgação da cartilha, que será amplamente distribuída no país.
A cartilha será divulgada para toda a população, ou somente entre agricultores?
Inicialmente a tiragem é da ordem de dez mil cartilhas, e o público inicial serão os agricultores, mas acreditamos que posteriormente ela possa ser distribuída para os profissionais de saúde. À medida que conseguirmos mais apoio, pretendemos ampliar a distribuição.
Por que o governo, e especialmente a Anvisa, demoram e resistem tanto para banir substâncias que já são proibidas em outros países?
Essa situação deixa qualquer cientista indignado. As patentes recebem um registro que é eterno, e mesmo quando começam a se levantar evidências de que os agrotóxicos podem causar danos à saúde, as empresas criam dificuldades para dificultar o processo de reavaliação dos produtos. Quando a Anvisa proíbe o uso de alguma substância, as empresas entram na Justiça contra o órgão, ou seja, judicializam os processos, o que os torna ainda mais morosos. Essa tem sido a postura das empresas, o que tem dificultado o trabalho de órgãos como a Anvisa.
Para você ter uma ideia, depois que a Anvisa proíbe o uso de agrotóxicos, o órgão ainda tem de dar um tempo para as empresas acabarem com o estoque dos produtos no Brasil. É um contrassenso: se o agrotóxico foi proibido, como é possível permitir que ele ainda seja utilizado no país durante um tempo?
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