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Reunião de emergência da secretaria de meteorologia de Maryland durante a passagem do furacão Sandy, em outubro de 2012
Matéria original publicada na Yale Environment 360, revista online de opinião, análise, relatórios e debate sobre questões ambientais.
Como uma grande tubulação no céu, a carregada massa tropical de ar avançava a 1.600 metros de altura sobre o Oceano Pacífico, na direção da costa da Califórnia. Este “rio atmosférico”, uma longa e estreita faixa de vapor d'água concentrado, carregou uma quantidade de água equivalente a cerca de quinze rios Mississippi, o segundo mais longo dos Estados Unidos. Quando aterrissou, descarregou uma quantidade enorme de chuva sobre a área densamente povoada que vai de São Francisco a Los Angeles, deflagrando enchentes, causando deslizamentos de terra e cortando o fornecimento de eletricidade a centenas de milhares de casas e empresas.
Os rios atmosféricos alimentam algumas das tempestades invernais mais intensas e destrutivas da região oeste da América do Norte, e este, que atingiu a Califórnia em dezembro de 2014, foi bem grande. No entanto, apesar de a água ter chegado a 30 centímetros de altura em alguns lugares, o dano foi consideravelmente menor do que poderia ter sido, graças ao serviço de previsão do tempo que anunciou a tempestade com uma semana de antecedência, dando à população tempo para se preparar.
“A previsão foi um sucesso”, disse Mike Dettinger, pesquisador em hidrologia do Centro de Pesquisas Geológicas dos EUA (USGS, na sigla em inglês) e do Instituto Scripps de Oceanografia, em La Jolla, Califórnia, que se dedica ao estudo de rios atmosféricos. “É assim que achamos que as previsões devem funcionar a partir de agora”.
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Avisos prévios quanto a condições climáticas extremas serão cada vez mais importantes nos próximos anos, à medida que as temperaturas aumentam em razão do aquecimento global. Um planeta mais quente libera mais energia na atmosfera, o que desencadeia ondas de calor mais fortes, secas prolongadas, tempestades intensas e outros “eventos de alto impacto” que causam danos materiais, caos econômico e mortes. Eventos climáticos extremos mais frequentes poderiam também dar início a surtos epidêmicos e comprometer a disponibilidade e a qualidade de alimentos e de água, levando até mesmo à instabilidade política e a agitações civis.
A previsão do tempo avançada pode ajudar a antecipar desastres, dizem os cientistas, que estão desenvolvendo capacidades computacionais, aperfeiçoando modelos matemáticos e inventando novos métodos de observação a fim de fornecer previsões melhores e de maior alcance para os tempestuosos tempos que estão por vir.
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Tempestade de neve em Nova York em fevereiro de 2014
“Melhorar nossa capacidade preditiva é extremamente importante”, diz Paul Higgins, cientista e diretor de políticas da Sociedade Meteorológica Norte-Americana. “Há o potencial de melhorar o monitoramento e conseguir identificar quando os problemas podem ocorrer. Isto ajuda a proteger vidas e propriedades, e permite que reduzamos os riscos enfrentados diante de condições climáticas de alto impacto”.
A maioria das previsões mais precisas hoje pode ser feita apenas com poucos dias de antecedência. Tudo depende da performance de modelos computacionais que assimilam a observação feita por fontes como satélites, radares e estações meteorológicas em simulações numéricas executadas para predizer condições futuras. A precisão é afetada por discrepâncias e variabilidades em modelos, por erros na observação e pelas complexas características físicas do clima. Um modelo pode ser capaz de predizer uma chuva torrencial com dez dias de antecedência, por exemplo, mas não apresenta resolução suficiente para determinar com precisão o local onde a tempestade ocorrerá, exceto três dias antes do evento, o que dificulta o preparo das comunidades afetadas.
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Ainda assim, pequenos erros no começo da previsão podem levar a conclusões erradas no fim, o que foi uma das razões pelas quais a previsão de uma gigantesca nevasca em Nova York em janeiro desse ano foi exagerada. A previsão foi distorcida também pela ausência de consenso quanto aos dois mais usados modelos meteorológicos: o desenvolvido pelo Serviço Climático dos EUA e o do Centro Europeu para Previsões Meteorológicas de Médio Prazo. Precisando tomar uma decisão rápida à medida que a tempestade passava, os meteorologistas utilizaram o modelo europeu, tendo em vista seus melhores resultados na previsão do furacão Sandy, que arrasou Nova York em outubro de 2012, e de outros eventos recentes. Desta vez, no entanto, o modelo norte-americano foi mais preciso.
Para fornecer mais tempo para decisões complexas e preparações diante do aumento das ameaças meteorológicas, cientistas procuram agora uma forma de previsão de médio prazo, capaz de prever eventos de alto impacto com uma ou duas semanas de antecedência. Para isso, estão desenvolvendo novas ferramentas e tecnologias, a fim de aperfeiçoar sua percepção do clima. Elas incluem o uso de supercomputadores na manipulação de algoritmos complexos; a previsão entre 7 e 14 dias de antecedência de ondas de calor e vendavais; modelos de alta resolução com uma rede de dados mais densa para cada local, altitude ou tempo; e melhor computação de elementos incertos.
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Marcelo Camargo / Agência Brasil
Estragos causados por fortes chuvas em Itaóca, no sudeste de São Paulo, em janeiro de 2014
A previsão de médio prazo está ganhando força no mundo todo. A Organização Meteorológica Mundial, agência especializada da ONU, acaba de lançar seu Projeto de Meteorologia de Alto Impacto, uma missão multinacional prevista para durar 10 anos. Um dos objetivos é criar predições precisas, com até duas semanas de antecedência, para cenários climáticos que podem causar alagamentos urbanos, tempestades, incêndios e vendavais.
“Como consequência das mudanças climáticas, nós prevemos uma necessidade urgente de estender o conceito de previsão, de forma a abranger uma amplitude muito maior de fatores ambientais em um período de tempo prolongado”, disse Paolo Ruti, chefe da Divisão de Pesquisa Climática Mundial da organização.
No Reino Unido, a partir de setembro desse ano a Secretaria de Meteorologia irá passar a utilizar um novo supercomputador, habilitando predições detalhadas de eventos como alagamentos, ventos fortes e nevascas. O Departamento Meteorológico Dinamarquês, junto de um grupo de universidades e agências públicas, está trabalhando em pesquisas sobre previsão de precipitações chuvosas de médio e longo prazo na Dinamarca, Groenlândia e no Ártico. O Centro Europeu para Previsões Climáticas de Médio Prazo, um grupo independente que envolve 34 países europeus, continua a aplicar seu Sistema Integrado de Previsão. Outras empreitadas na previsão meteorológica avançada incluem o Modelo Espectral Global, da Agência Meteorológica do Japão, e o Modelo Ambiental Global Multiescalas do Canadá.
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Nos EUA, a Administração Atmosférica e Oceânica Nacional (NOAA, na sigla em inglês) está passando por uma grande atualização de seu supercomputador. Outro projeto norte-americano, uma colaboração entre NOAA, NASA, Scripps e outras agências, visando aprimorar as previsões de rios atmosféricos, está sendo realizado na Califórnia. Os rios atmosféricos, que têm em média 400 quilômetros de largura por 9.650 quilômetros de comprimento, são notórios indicadores de enchentes na América e na Europa, e novos estudos apontam seu envolvimento em eventos que abrangem desde o degelo na Groenlândia até os desmoronamentos de geleiras na Antártida. Rios atmosféricos são particularmente relevantes para a Califórnia, causando mais de 80% das enchentes graves no estado, mas também fornecendo cerca da metade de precipitação chuvosa anual na região.
“Eles enchem nossos reservatórios, trazem ciclos de anos úmidos e secos, sustentam nossos pântanos e a pesca, destroem nossos diques… São definitivamente importantes”, diz Dettinger. E seu impacto cresce. A análise de Dettinger de modelos climáticos prediz que, se a emissão de gases causadores do efeito estufa continuar a crescer, o período de tempestades derivadas dos rios atmosféricos na costa oeste dos EUA passará a durar não mais apenas 25 dias, mas 65, até o fim deste século. As temperaturas mais altas geram mais evaporação, e com mais água na atmosfera, as tempestades se tornarão mais pesadas e intensas e será mais provável que “estacionem” e provoquem enchentes.
Universidade de Wisconsin/SSEC/CIMSS
Animação mostra movimentação de rios atmosféricos pelo globo no início de fevereiro de 2015
Jason Cordeira, professor de meteorologia na Universidade Estadual de Plymouth, em New Hampshire, combinou estatísticas de um conjunto de 21 modelos meteorológicos para criar uma Ferramenta de Deságue para os rios atmosféricos. Um pré-teste coincidiu com o rio atmosférico de dezembro, e os resultados foram úteis.
“Por várias razões, o primeiro teste foi muito bem-sucedido”, disse Cordeira, que trabalhou com colegas da NOAA e do Scripps. “Vimos o potencial de formação de um rio atmosférico com 9, 10 dias de antecipação.” A resolução era tão clara que os pesquisadores puderam ver onde a tempestade se formaria uma semana antes do evento.
Saber quando e onde um rio atmosférico desaguará, quanta umidade ele contém e com que velocidade se moverá é vital para o controle de enchentes, para o planejamento de socorro em casos de emergência e para o fornecimento de água.
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“Em um clima em transformação, é realmente importante para a sociedade antecipar quanta água estará disponível no futuro, especialmente em um estado como a Califórnia”, disse Marty Ralph, pesquisador meteorologista da Scripps. “Nós realmente precisamos ter certeza de que os modelos climáticos estão lidando adequadamente com os rios atmosféricos”.
Previsões avançadas de outros impactos do aquecimento global também estão no projeto. Por exemplo, o Centro de Previsão Climática do Serviço Meteorológico Nacional dos EUA está desenvolvendo um boletim panorâmico com mapas que mostram áreas passíveis de sofrer com o extremo calor e a umidade, com 7 a 14 dias de antecedência. O boletim será lançado em 2016, e previsões de chuvas e ventos fortes serão adicionadas posteriormente, diz Jon Gottschalck, chefe do setor de predições operacionais do centro.
A demografia do século 21, com a população global chegando a 10 bilhões em 2100 e números cada vez maiores de pessoas vivendo nas regiões costeiras, torna o aperfeiçoamento das medidas de previsão climática necessário, dizem os meteorologistas. “Quando você combina o impacto das alterações demográficas com a possibilidade de cada vez mais eventos climáticos extremos”, diz Schneider, “o efeito é bastante assombroso, sinceramente”.
Tradução: Henrique Mendes