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Sociedade

O que eles não querem que você saiba sobre o 8 de março: a origem socialista do Dia das Mulheres

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Não mais flores. Não mais presentes! Urge a reconquista da data como marco da luta por mais direitos e fim da discriminação feminina

Vanessa Martina Silva

2017-03-08T17:15:00.000Z

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Flores. Bombons. Promoções em lojas de cosméticos. Publicidade exaltando qualidades consideradas femininas. O capitalismo se apropriou do 8 de março e o converteu em mais um dia de apostas consumistas. Pipocam pelas redes sociais mensagens com “parabéns” e felicitações por você, mulher, ser tão linda, maravilhosa e — frágil.

Nos meios de comunicação, diversas reportagens ressaltam a violência que ainda é praticada contra pessoas do sexo feminino por estas serem simplesmente mulher: mais uma demonstração de fragilidade e necessidade de proteção.

Esqueça isso. Não é sobre isso que se trata o 8 de março!

Flickr/CC/Romerito Pontes

Comemoração do Dia Internacional da Mulher em São Paulo (2015)

A versão consolidada sobre a origem da comemoração internacional da data reforça, em certa medida, o estereótipo desse lugar em que precisamos ser tutoreadas para que deixemos de ser vítimas do machismo e misoginia que hoje matam uma mulher a cada 90 minutos no Brasil. Vamos ao mito:

A história que eu e provavelmente você aprendemos na escola diz que no dia 8 de março de 1857, em Nova York, 129 tecelãs cruzaram os braços e paralisaram os trabalhos pelo direito a uma jornada de 10 horas (porque elas chegavam a trabalhar de 12 a 14 horas). Para reprimir a mobilização, os patrões teriam trancado as portas da fábrica e ateado fogo no local. Asfixiadas, todas teriam morrido carbonizadas.

Acontece que tal incêndio e greve nunca ocorreram. Já há extensa bibliografia contestando o episódio. Tal mito teria surgido do cruzamento de vários fatos, entre eles um incêndio real ocorrido na Companhia de Blusas Triangle, em 1911, também em Nova York, no qual 146 pessoas morreram, sendo 125 mulheres e 21 homens, de maioria judia. Outro fato que remonta à data é a grande greve das costureiras, que durou de 22 de novembro de 1909 a 15 de fevereiro de 1910.

Como a proposta de se comemorar o Dia Internacional da Mulher surgiu durante a 2ª Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, realizada em 1910, na Dinamarca, fica evidente que tal episódio não pode ter sido motivado pelo incêndio da Triangle (o único real) e sim das muitas lutas que as mulheres já travavam, sobressaindo-se o direito ao voto feminino. Além disso, inicialmente não havia sido definido um dia específico para essa celebração, tanto que cada país se organizou de forma diferente e as primeiras comemorações ocorreram, em sua maioria, no último domingo de fevereiro.

Outro evento fundamental desse período foi nada mais nada menos que a Revolução de Fevereiro, ou Revolução Russa.

Em, 1917, em meio à Primeira Guerra Mundial, as mulheres socialistas decidiram comemorar o Dia da Mulher em 23 de fevereiro — pelo calendário russo. No calendário gregoriano, no entanto, a data corresponde exatamente a 8 de março. Neste dia, as tecelãs e costureiras de São Petersburgo decidem iniciar uma greve, indo contra a decisão do Partido Comunista, que considerava aquele momento inapropriado para uma ação deste tipo.

Flickr/CC/Maria Objetiva

Manifestação pelos direitos das mulheres, por leis mais justas e contra a moralidade religiosa, em Belo Horizonte - MG (2013)

Pedindo pão e paz, as mulheres iniciaram a paralisação e diversos operários se uniram a ela. O episódio é considerado o estopim da Revolução Russa. Sobre o ocorrido, a escritora e líder revolucionária russa Alexandra Kollontai escreveu: “O dia das operárias, 8 de Março, foi uma data memorável na história. Nesse dia as mulheres russas levantaram a tocha da revolução”.

Fixação da data

A ideia de ter um dia da mulher surge nos Estados Unidos em 1908. A primeira celebração ocorre em 3 de maio e, por sugestão das norte-americanas, na segunda Conferência Internacional da Mulher Socialista, em 1910, é definido que as mulheres socialistas organizariam em seus paises de origem um dia das mulheres específico.

Em 1911, durante a primeira celebração do Dia das Mulheres Socialistas, Kollontai propõe que a celebração do dia seja realizado em 19 de março para homenagear um levante das mulheres proletárias da Prússia, no qual elas conseguiram a promessa, depois não cumprida pelo rei, de obter direito de votar.

O primeiro local onde a data foi celebrada em 8 de março foi na Alemanha, em 1914, e não há registro das motivações para a escolha.

Quatro anos depois, em Moscou, Kollontai lidera, em 8 de março, as comemorações pelo Dia Internacional da Mulher e consagra a data em lembrança à greve do ano anterior, em São Petersburgo. Em 1921, durante a Conferência das Mulheres Comunistas, a 3ª Internacional resolve adotar o dia 8 de março para celebrar a luta das mulheres.  

Porém, com a efervescência política que atingiu o mundo após os anos 1920, a data entrou no esquecimento, sendo retomada apenas com o movimento feminista dos anos 1950/60 e se consolida, já com o mito das mulheres queimadas de 1857, com as resoluções da ONU e da Unesco em 1975 e 1977, respectivamente.

Tá, mas e o título do artigo?

Sem entrar no mérito da discussão — essencial —, me incomoda que o dia da Mulher seja reduzido (quando não tratado como relatei no começo deste texto) ao dia em que a mídia lembra que existe a Lei Maria da Penha e a relatos de como a violência machista nos afeta, nos mata. Isso coloca a mulher justamente no lugar de cuidado, de fragilidade, de vítima.

Voltando: o 8 de março não é sobre isso. Ou melhor, o 8 de março não é somente sobre isso.

Quando se apaga a origem extremamente combativa de todas as lutas das mulheres no fim do século 19 e começo do 20, fosse pelo direito ao voto, a jornadas de trabalho menores ou a salários iguais aos dos homens, e se opta pela história das mulheres queimadas, reforçamos o estereótipo de que precisamos ser homenageadas, como que em memória daquelas que morreram naquela fábrica.

Elas não morreram, mas muitas outras sim. Morreram e seguirão morrendo por diversos motivos ligados à violência machista. Mas, tão importante quanto isso é que outras tantas lutaram, lutam e seguirão lutando. É disso que se trata o 8 de março.

A história do Dia das Mulheres é uma história de luta. Ele foi pensado por mulheres socialistas para ser um marco das lutas por conquistas, por direitos, por melhores condições. Foi criado por mulheres à revelia dos homens comunistas que consideravam que o direito ao voto feminino, a jornadas de trabalho reduzidas ou a salários iguais eram divisionismo e tirava o foco da causa que realmente importava: a construção do socialismo e a formação da consciência de classe.

Por isso tudo dizemos: Não mais flores! Não mais presentes! Não mais “parabéns”. Aliás, parabéns por quê?

Meu direito ao voto, meu direito a estudar e exercer uma profissão, meu direito de receber salário igual aos homens veio do sangue e suor das mulheres que me antecederam. E ainda faltam muitas coisas, muitas conquistas que nós queremos deixar para as gerações que vão nos suceder: o direito a um aborto legal e assistido; a creches; a divisão das tarefas domésticas; equiparação salarial (que ainda não é uma realidade); fim da cultura do estupro e nós, mulheres negras, temos ainda outras temáticas com que nos ocupar, como o fim do genocídio da população negra que vitima diariamente nossos filhos, irmãos, primos e amigos nas periferias; uma saúde pública que contemple nossas especificidades e o fim de uma cultura racista que nos oprime, nos deprime e nos isola.

Bibliografia:

BLAY, A. Eva. 8 de Março: Conquistas e controvérsias. São Paulo, 1999.

GIANOTTI, Claudia Santiago e GIANOTTI, Vito. A origem socialista do Dia da Mulher. Rio de Janeiro, 8. Edição, 2016.

Filme

SHE is Beautiful when She is Angry. Direção: Mary Dore. Nova York - EUA, 2014. 1h 32m.

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Análise

Patentes na OMC é uma derrota para os países do Sul Global

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Pandemia de covid-19 reativou a debate sobre a quebra de patentes para medicamentos e vacinas. Apesar de sua união em torno do tema, países subdesenvolvidos sofreram uma derrota

Alessandra Monterastelli

Outras Palavras Outras Palavras

2022-07-06T22:35:00.000Z

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No dia 17 de junho, saiu fumaça branca das chaminés da Organização Mundial do Comércio (OMC). A entidade, responsável pela regulação de patentes internacionais, anunciou que chegara a uma conclusão sobre as vacinas contra o coronavírus. Tratava-se do pedido de isenção do acordo TRIPS – sigla em inglês para Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Firmado na virada do século, tal compromisso obriga os países-membros da OMC a adotar padrões mais rigorosos de proteção patentária. Consequentemente, encarece o acesso às inovações tecnológicas, inclusive no setor farmacêutico. Mas a decisão final foi amplamente criticada por ativistas da saúde e movimentos populares em todo o mundo, já que a OMC rejeitou a isenção total do TRIPS. 

Em 2020, diante da disseminação do novo coronavírus, África do Sul e Índia protocolaram a proposta de isenção do Acordo, que obteve amplo apoio dos países em desenvolvimento e de baixa renda – com exceção do Brasil. A nova decisão foi saudada pelo Secretariado da OMC e por representantes de países ricos como um resultado sem precedentes, mas ativistas condenam que, na prática, a decisão não atende as necessidades mínimas da maior fatia do mundo. “Houve um esvaziamento da proposta pelos países mais ricos. O texto perdeu totalmente sua força, não trouxe nada novo”, explica Felipe Carvalho, Coordenador Regional da Campanha de Acesso do Médicos Sem Fronteiras ao Outra Saúde.

A conclusão do órgão concedeu uma exceção temporária à restrição das quantidades de vacinas que podem ser exportadas sob licença compulsória; diagnósticos e tratamentos não estão incluídos e devem obedecer ao limite de exportação durante o tempo de licença compulsória – decretada durante emergências sanitárias, como é o caso da pandemia. Além disso, a concessão vale apenas para responder à covid-19 e não tem validade diante de outras crises de saúde. O acordo final não inclui o compartilhamento de segredos comerciais e know-how de fabricação, o que prejudicará a produção de vacinas com tecnologia avançada por países de baixa renda – como é o caso dos imunizantes de RNA.

Carvalho conta que o problema é abordado com frequência em reuniões escpecais da OMS e da ONU.  “Existe um consenso entre especialistas e órgãos multilaterais de que as patentes causam constantes crises de acesso e inovação na saúde”. Em maio, o The Guardian divulgou que a Pfizer lucrou 25,7 bilhões de dólares só no início de 2022 – mais da metade do valor está relacionado à venda de vacinas contra a covid-19. Tim Bierley, ativista do Global Justice Now, denunciou ao jornal britânico que apesar do apelo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outras organizações, a farmacêutica seguia se recusando a compartilhar a tecnologia de produção do imunizante. O diretor da OMS, Tedros Adhanon, afirmou em 2021 que a pandemia estava sendo prolongada por uma “escandalosa desigualdade” diante do acúmulo de doses de imunizantes por países ricos enquanto países pobres não conseguiam avançar em sua meta de vacinação em massa. 

“Desde a criação do acordo TRIPs nós temos um cenário de constantes crises de acesso a medicamentos essenciais”, conta Felipe. Ele relembra o caso emblemático da epidemia de HIV/AIDS, na década de 1990. “Em 1996 surgiu a primeira terapia para a doença. As pessoas pararam de morrer e passaram a conviver com o vírus. Mas essa terapia não chegou nos países onde o cenário era mais grave”, explica. O ano de 1996 foi também quando o acordo TRIPS entrou em vigor, após sua criação em 1994 e preparação em 1995. “A partir daí se criou uma coalizão na sociedade civil, da qual fazemos parte, chamada Movimento de Luta pelo Acesso a Medicamentos. A pergunta era: por que os preços eram tão altos e o tratamento se tornava inacessível para milhões de pessoas? Nos aprofundamos no sistema de patentes e entendemos que o monopólio era a causa”, relembra.

Apesar do TRIPS possuir cláusulas que permitem flexibilizações, elas são de difícil utilização devido a dois fatores principais: sua não-incorporação completa em leis de países-membros e a pressão que as farmacêuticas exercem sobre as decisões da OMC. Na década de 1990, diante da grave situação vivida na África do Sul – país com maior número de mortes pela AIDS na época – o governo então liderado por Nelson Mandela aprovou uma das medidas previstas no TRIPS para importar genéricos. Na ocasião, Mandela sofreu o processo de 39 farmacêuticas que se opuseram à decisão tomada para conter a crise de saúde pública. Apesar da derrota das corporações na justiça, “esse é um exemplo de como essas empresas e seus países-sede tentam barrar as normas legítimas existentes no TRIPS”, exemplifica Carvalho.

A OMC é uma instituição formada por 164 membros e opera com base na tomada de decisões por consenso. “A OMC falhou em fornecer uma isenção. O acordo coloca os lucros à frente das vidas e mostra que o atual regime de propriedade intelectual falha em proteger a saúde e promover a transferência de tecnologia. Essa não-renúncia estabelece um mau precedente para futuras pandemias e continuará a colocar vidas em risco” declarou Lauren Paremoer, médica e integrante do Peoples’ Health Movement na África do Sul. 

A Health Action International, referência no trabalho para expandir o acesso a medicamentos essenciais, argumentou em nota que a decisão da OMC impõe obstáculos ao licenciamento compulsório, uma das poucas flexibilidades existentes no TRIPS, em troca de uma abertura tímida para a facilitação da exportação de vacinas. Outras entidades representantes da sociedade civil já denunciaram a atuação dos países ricos e vêm aumentando a pressão sobre os governos. O objetivo, segundo seus porta-vozes, é que sejam tomadas medidas concretas para desafiar as regras de monopólio farmacêutico da OMC e garantir mais acesso a medicamentos e tecnologias. 

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