“No Brasil, as condições não melhoram. Os juízes argumentam que existe uma extradição aprovada e que, por isso, ele deve seguir em regime fechado.” As palavras de Laura Norambuena dão um bom resumo da situação do irmão dela, preso em 2002 pelo sequestro do publicitário Washington Olivetto.
Maurício Norambuena é um líder histórico da esquerda chilena e fez parte de um dos grupos que pegou em armas para lutar contra a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Membro da Frente Patriótica Manuel Rodríguez (FPMR), o 'comandante Ramiro', como é conhecido, já foi preso pela acusação de matar um aliado do ex-ditador – para depois fugir da cadeia de maneira espetacular. Em 1986, participou do atentado fracassado contra Pinochet. Já em 2001, comandou o sequestro a Olivetto, dono da agência W/Brasil (hoje W/McCann) e um dos publicitários mais conhecidos do país.
O planejamento do sequestro levou quase um ano e permitiu que os autores conhecessem a rotina de Olivetto. No dia 11 de dezembro de 2001, os sequestradores criaram uma falsa blitz policial na saída da agência do publicitário. O carro dirigido pelo motorista de Olivetto foi parado. O publicitário foi levado para um cativeiro no bairro do Brooklin, zona sul de São Paulo. O resgate serviria supostamente para financiar as atividades de uma fração do MIR (Movimento Esquerda Revolucionária) chileno. A libertação aconteceu mais de 50 dias depois, sem que se conseguisse o dinheiro.
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Assim, desde 2002, Norambuena está em um verdadeiro círculo vicioso jurídico. Condenado a 30 anos de cadeia – a pena máxima permitida pelas leis brasileiras -, está, hoje, no presídio federal de Mossoró (RN), depois de ter passado pelos de Porto Velho (RO), Presidente Bernardes (SP) e Catanduvas (PR), sempre em RDD (Regime Disciplinar Diferenciado) ou em situação análoga. A defesa pede, agora, que a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) interfira na situação para que ele seja, ao menos, transferido de presídio.
Já há um pedido de extradição de Norambuena aprovado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) desde 2004. Em 2007, o Ministério da Justiça decidiu pela expulsão, com base no Estatuto do Estrangeiro vigente à época (a lei foi alterada em 2017). No entanto, duas condenações à prisão perpétua, ainda em disputa na Justiça do Chile, impedem que a ida de Norambuena seja cumprida, dado que o Brasil não extradita estrangeiros que estejam condenados à morte ou à prisão perpétua em outros países.
A defesa do chileno entrou, então, com uma reclamação no STF, dizendo a expulsão determinada pelo Executivo era irregular. Segundo os advogados de Norambuena, já havia um pedido de extradição aprovado pelo próprio Supremo – que só não estava sendo cumprido por causa da pena a que ele havia sido condenado no Chile. O ministério, por sua vez, reconheceu a questão e sugeriu que Norambuena fosse expulso para um dos países do Mercosul – ou seja, uma terceira nação fora do imbróglio entre Brasil e Chile.
Para complicar mais a situação, Norambuena tem direito, desde janeiro de 2011, a progredir ao regime semiaberto e, desde 2014, ao aberto. Mesmo assim, a Justiça tem negado essa progressão. Em 2016, o juiz federal Walter Nunes da Silva Júnior não autorizou a mudança na pena. A justificativa é que “o preso poderia fugir” para um país sem acordo de extradição com o Brasil, por exemplo.
Reprodução/YouTube/AhoraTV
Mauricio Norambuena, em imagem de 2014: não consegue ser extraditado e, tampouco, obter progessão de pena
“Excepcionalidade da excepcionalidade”
Em julho de 2017, mais uma decisão do mesmo juiz renovou a prisão de Norambuena em um presídio federal – o próprio magistrado falou em “excepcionalidade da excepcionalidade” para manter o preso em uma instituição da União. Segundo Silva Júnior, “o preso é visto por boa parte da população chilena como herói nacional, que lutou contra Pinochet, o que exige cuidados especiais com a sua integridade física, a qual não há como ser minimamente assegurada no caótico sistema penitenciário estadual”.
Em Mossoró, o chileno fica em uma cela de 3 x 2 metros e tem direito a duas horas de banho de sol. Os irmãos só podem visitá-lo por um período máximo de 3 horas e ele não tem acesso a jornais, revistas ou TV, tampouco contato com outros presos. O único vínculo que tem com o exterior são os livros (um por semana) que são autorizados a entrar no presídio após o aval da direção do local.
Dada a situação sem perspectiva, a defesa de Norambuena pediu à CIDH uma medida cautelar para que o preso seja, ao menos, transferido – para a Papuda, em Brasília, ou para uma penitenciária em Itaí (SP) na qual já estão outros estrangeiros presos. Ambos são de administração estadual. Se não for possível, diz o advogado Antonio Fernando Moreira, pede-se que Norambuena seja enviado a um presídio escolhido pela Comissão.
O órgão pediu informações ao governo brasileiro e deve tomar uma decisão quando as explicações de Brasília chegarem.
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“O objetivo é que Mauricio saia do regime cruel, inumano e degradante – já reconhecido pela ONU – em que está. Além disso, o STJ tem entendido que pelo simples fato de estar em presídio federal o preso não pode progredir de regime. Pois, se está em presídio federal, é de “alta periculosidade”, é uma ameaça a “ordem pública”, logo, não pode progredir de regime”, afirma Moreira.
Quem é 'comandante Ramiro'?
Norambuena é uma das figuras centrais da resistência à ditadura. Em 1983, o até então professor de educação física e militante do Partido Comunista do Chile ingressou na Frente Patriótica Manuel Rodríguez (FPMR), um braço armado da agremiação. Posteriormente, a frente passou a agir de maneira independente do partido.
Três anos depois participou do atentado de Cajón de Maipo, que, em 1986, tentou atingir Pinochet, sem sucesso. Acabou preso, no entanto, por outro motivo: o assassinato, em 1991, do então senador Jaime Guzmán, colaborador muito próximo do então já ex-ditador. O chileno foi considerado autor intelectual do ato.
Foi condenado, em 1993, a dupla prisão perpétua – uma pela morte, outra, por infrações à lei de armas, associação ilícita, falsificação de documentos públicos, terrorismo e uso de identidade falsa.
Em 1996, fugiu de maneira espetacular do Presídio de Segurança Máxima de Santiago. Um helicóptero, desviado de uma rota turística por membros da FPMR e integrantes do IRA (Exército Republicano Irlandês), entrou na cadeia e retirou Norambuena de lá, junto com outros frentistas.
O paradeiro posterior do chileno ainda é objeto de muitas especulações, mas informações apontam que ele passou por Cuba e Colômbia.
Reprodução/Chile24
Em 2016, TV chilena fez uma reportagem sobre a “Fuga do Século”, quando um helicóptero resgatou Norambuena no Chile; clique na imagem para ver o vídeo
Brasil
Em 2001, Norambuena estava no Brasil e participou do sequestro de Olivetto. Após mantê-lo em cativeiro por 53 dias, a operação foi desbaratada pela polícia e o chileno foi preso em um sítio em Serra Negra (SP). Apesar do componente político da ação, a Justiça brasileira analisou o caso como um sequestro comum.
Laura, a irmã de Norambuena, o visitou em Mossoró no último dia 10 de agosto. “Ele ficou muito chateado pelas notícias do Chile, de que seu caso não avança definitivamente. Tem como esperança os amigos que podem ajuda-lo no Brasil”, disse.
Na internet, os parentes dele montaram uma rede de solidariedade, que recebe depoimentos e relatos de apoio ao chileno. Além disso, arrecada recursos para ajudar na defesa.