Em meio à aprovação dos primeiros artigos para que a nova Constituição do Chile reconheça o país como um Estado Plurinacional, assumindo e abraçando os povos e nações originárias do seu território, o povo Yagán perdeu sua última falante nativa.
Por complicações associadas à covid-19, Cristina Calderón faleceu no Hospital Clínico de Magallanes na última quinta-feira (17/02). A província chilena onde Calderón estava hospitalizada decretou luto regional. “Minha mãe, Cristina Calderón, faleceu aos 93 anos de idade. Fico profundamente triste por não estar com ela no momento de sua partida. É uma triste notícia para os Yagán”, disse sua filha, Lidia González, nas redes sociais.
González também é descendente do povo Yagán e vice-presidente adjunta da Convenção Constitucional do Chile, eleita em 2021. “Tudo o que eu fizer no trabalho em que estou, será em seu nome. E nele também se refletirá o seu povo”, acrescentou a constituinte.
Conhecidos por sua tradição de canoístas, os Yagán povoaram os canais da Terra do Fogo e o arquipélago do Cabo Horn, que fica na ponta do território continental e é conhecido como “o fim da América”. Hoje, o povo Yagán tem cerca de 1,6 mil descendentes vivos, mas Calderón era a última falante nativa viva até então.
Chamada carinhosamente de “Abuela” (“avó”, em espanhol), Cristina não conheceu seu pai e perdeu sua mãe quando tinha apenas cinco anos de idade. Nascida em 24 de maio de 1928, se criou por conta própria em Mejillones, comuna da província de Antofagasta, localizada ao norte do Chile.
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Por complicações associadas à covid-19, a última falante nativa da língua Yagán faleceu aos 93 anos de idade
Calderón teve nove filhos, sendo Lidia a mais nova deles. Segundo uma de suas netas, Javiera Guenel, ao final de sua vida, Calderón morava na Villa Ukika e passava seu tempo tecendo e costurando meias e gorros de lã. “Ela estava muito orgulhosa do trabalho da minha mãe como constituinte”, acrescentou.
“Ai kur” (tradução de “eu te amo” no idioma Yagán) era uma das frases que Cristina mais falava para sua filha, disse Guenel. O Yagán é uma língua isolada, ou seja, sem parentesco com outros idiomas registrados, que, no entanto, Cristina Calderón aprendeu desde menina.
Com o domínio do idioma, produziu um dicionário da terminologia da etnia e editou uma compilação de contos e histórias intitulados Hai Kur Mamasu Shis, (“Quero contar uma história”), contribuindo assim para a memória e cultura de seu povo.
Homenagens e memória
O Plenário da Convenção Constitucional prestou uma homenagem à Cristina por seu trabalho na preservação e difusão da cultura e língua do povo Yagán. Os deputados realizaram um minuto de silêncio em sua memória.
O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, também lamentou a morte de Calderón e disse que “seu amor, ensinamentos e lutas do sul do mundo, onde tudo começou, viverão para sempre”.
“Um abraço gigante a toda sua família e à Villa Ukika. Vocês não estão sozinhos”, disse Boric, que assumirá a Presidência do país sul-americano em março.
Calderón recebeu o título de Tesouro Humano Vivo do Conselho Nacional de Cultura e Artes e foi escolhida como uma das 50 mulheres protagonistas do Bicentenário da República do Chile em 2010.
*Com TeleSUR