Artesãos indianos acusam a Prada de apropriação cultural
Marca de luxo apresentou nova coleção em Milão com calçados iguais às sandálias Kolhapuri, trajes tradicionais na Índia
Durante a temporada primavera/verão 2026 da Semana de Moda de Milão, que aconteceu em junho, a coleção masculina da Prada surpreendeu ao exibir as clássicas sapatilhas de couro com tiras em “T”, um dos calçados mais populares na Índia. A nota de apresentação da grife italiana não mencionou qualquer relação com as sandálias Kolhapuri, que são utilizados em casamentos, festivais e trajes tradicionais locais. Kolhapur é uma cidade em Maharashtra que dá nome às sandálias.
Na semana passada, uma delegação de fabricantes reuniu-se com o ministro-chefe de Maharashtra, Devendra Fadnavis, para se posicionar. Dhananjay Mahadik, parlamentar do distrito de Kolhapur, pertencente ao partido governista Bharatiya Janata (BJP), manifestou apoio e declarou que os fabricantes de sandálias estão ingressando com uma ação judicial no Tribunal Superior de Bombaim contra a Prada.
O parlamentar solicitou ao ministro que “protegesse a herança cultural de Maharashtra” e reiterou que se trata de uma “grave violação da identidade cultural e dos direitos dos artesãos”. A Câmara de Comércio, Indústria e Agricultura de Maharashtra (MACCIA) também escreveu a Patrizio Bertelli, presidente do Conselho de Administração da Prada, expondo as preocupações dos fabricantes de sandálias.
“O design autêntico é algo raro e único”, disse o artesão Kurade, afirmando que, mesmo que a Prada tentasse imitar a estética das sandálias, não conseguiria replicar os padrões feitos à mão, dominados pela comunidade Dalit no sul de Maharashtra e em algumas partes da vizinha Karnataka. “Nem mesmo as lojas da cidade de Kolhapur podem tê-los.”
O design das sandálias são do século XII, com mais de 20 mil famílias locais que continuam participando do artesanato. A família Kurade, por exemplo, está no negócio há mais de 100 anos.
“Eles [Prada] roubaram e reproduziram nosso trabalho artesanal, mas estamos muito felizes”, disse Kurade, segundo a emissora catari Al Jazeera. “Hoje, os olhos do mundo estão voltados para nossas chappals [sandálias em hindi] de Kolhapuri”.
A marca italiana respondeu dois dias depois, reconhecendo a inspiração nas peças indianas e falando da “importância cultural” do artesanato do país. “Observe que, por enquanto, toda a coleção está em estágio inicial de desenvolvimento de design, e nenhuma das peças está confirmada para produção ou comercialização”, declarou a Prada.
A empresa acrescentou que continua “comprometida com práticas de design responsáveis, promovendo o engajamento cultural e abrindo um diálogo para uma troca significativa com comunidades de artesãos indianos locais, como fizemos no passado em outras coleções, para garantir o devido reconhecimento de seu ofício”.

Sandálias ‘Kolhapuri chappals’ são utilizadas em casamentos, festivais e trajes tradicionais locais
Wikimedia commons
Apropriação cultural
Não é a primeira vez que marcas de luxo se envolvem em polêmicas por apropriação cultural ou estereótipos de peças locais. Em 2015, a estilista britânica nomeou um vestido solto de “kimono”, ignorando as complexas regras sociais e históricas do traje japonês. O mesmo aconteceu com a marca de lingerie da socialite Kim Kardashian em 2019.
Em 2018, a Prada foi acusada de racismo devido à coleção de chaveiros “Pradamalia”, que apresentava elementos caricatos e lábios vermelhos exagerados. Após a repercussão negativa, a marca italiana retirou os produtos das lojas e emitiu um pedido público de desculpas.
No mesmo ano, a italiana Dolce & Gabbana foi acusada de racismo e xenofobia em uma campanha publicitária na China. Na produção, uma modelo tentava comer pizza e espaguete com hashis, cena considerada ofensiva e estereotipada pela cultura chinesa. Outro caso inclui a Gucci, foi criticada por usar turbantes Sikhs como acessórios de moda em modelos não-Sikhs.
A francesa Christian Dior recebeu, em 2019, críticas por incorporar elementos inspirados no traje tradicional das “mulheres charro” mexicanas em sua coleção Cruise, sem reconhecimento formal ou colaboração.
Já a coleção de outono de 2020 da Comme des Garçons, marca japonesa, também foi alvo de controvérsia após modelos brancos desfilarem com perucas de tranças “cornrows”, tradicionalmente associadas à cultura negra.