Terça-feira, 13 de maio de 2025
APOIE
Menu

Brasil e Venezuela anunciaram nesta segunda-feira (28/04) a retomada dos voos diretos entre São Paulo e Caracas a partir de 5 de agosto. Ao todo, serão 4 voos semanais de ida e volta. A medida representa a retomada da conexão aérea entre os dois países depois de 8 anos.

A retomada foi celebrada pela diplomacia brasileira. Para diplomatas brasileiros em Caracas, a volta da conexão aérea representa não só uma melhoria nas relações comerciais entre os dois países, mas ajuda também nas relações políticas.

Para o advogado venezuelano Rodolfo Ruiz, especialista em direito aeronáutico, a retomada dos voos é uma medida “positiva” já que vai ampliar a conexão dos venezuelanos com outros países, especialmente na América do Sul.

Receba em primeira mão as notícias e análises de Opera Mundi no seu WhatsApp!
Inscreva-se

“A Venezuela tem hoje uma carência muito grande de conexão, principalmente com o sul do continente. Não temos voos para Argentina, Chile, Paraguai e Brasil, países com uma comunidade venezuelana muito grande. Isso leva a uma demanda expressiva que até agora estava reprimida. É uma medida muito positiva, porque São Paulo tem essa conectividade importante com esses outros países”, afirmou ao Brasil de Fato.

A Venezuela hoje é um dos destinos mais isolados do mundo. O país tem voos diretos para Cuba, Bolívia, Colômbia, Santa Lúcia, Curaçao, Turquia, Portugal, Espanha, Rússia e China.

Essa conexão foi impactada pelas eleições presidenciais do ano passado. Em julho, a Venezuela fazia cerca de 181 voos internacionais por semana, tanto de entrada como de saída. Depois do pleito que teve Nicolás Maduro como vitorioso para um terceiro mandato, passaram a ser 98 voos a menos, tendo um total de 83 voos por semana. Isso representou uma queda de 15 mil passageiros por semana. A companhia aérea Latam, que na época deixou de operar no país, voltou em 2025 a ter voos para Bogotá, o que fez a média de voos semanais subir para 100 em maio.

Depois das eleições, um bloco de 10 países governados pela direita criticou a divulgação dos resultados. Argentina, Costa Rica, Chile, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai passaram a emitir notas para contestar o pleito, o Ministério das Relações Exteriores venezuelano chamou essa articulação de “novo Grupo de Lima” e anunciou o rompimento das relações e a suspensão dos voos para esses países. 

A Venezuela cancelou esses voos por meio de um Notam (Notice to Airman, na sigla em inglês). A medida tinha validade de 1 mês a partir de 31 de julho e foi renovada no final de agosto. Em resposta, o Panamá também emitiu um Notam, mas com validade de 3 meses, até o final de novembro. Os voos entre os países ainda não foram retomados.

O Notam é uma mensagem que pode ser emitida pelas autoridades de aviação dos países para determinar mudanças temporárias nas operações aéreas. A restrição sobre voos é uma das medidas que pode ser usada por um país. Essas determinações são válidas por até três meses.

Para Ruiz, o retorno dos voos para o Brasil dá também uma sinalização para outras companhias aéreas que pretendem retomar os voos para a Venezuela. De acordo com ele, a Gol é uma empresa reconhecida fora do país, e a atuação no país dá “credibilidade e confiança” de que as operações podem ser feitas de maneira formal.

“Essa retomada passa uma mensagem positiva e isso incentiva outras companhias, já que as empresas acabam usando umas às outras como referência. Há uma restrição para um ou outro país ainda, mas, de resto, é uma medida que parte muito das companhias aéreas”, disse.

A retomada dos voos atende a uma demanda de venezuelanos que vivem no Brasil. Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, mais de 500 mil venezuelanos vivem em território brasileiro hoje.

Outro ponto importante para a Venezuela é o impulsionamento do turismo. No caso brasileiro, os voos serão reabertos justo no período de alta temporada, agosto, férias escolares venezuelanas. Para o lado de Caracas, haverá como principal vantagem o recebimento de brasileiros que têm interesse em fazer viagens para o Caribe e a amazônia venezuelana.

Ruiz indica que, para isso, é preciso um trabalho mais forte do governo venezuelano em promover locais turísticos nacionais. Segundo ele, há uma visão muito negativa da Venezuela em outros países e o turismo não é visto como uma opção.

“A tendência é registrar um aumento no turismo, mas há um estigma muito forte em torno da Venezuela. As pessoas pensam que a situação do país é uma, mas a realidade é completamente diferente. Reverter essa ideia vai demandar muito trabalho do governo venezuelano, mas é importante e tem resultado no turismo”, afirmou.

Alguns destinos turísticos que antes eram muito frequentados por brasileiros vivem a expectativa de retomar esses voos. O arquipélago de Los Roques, no mar do Caribe, e o Parque Nacional de Canaima, na amazônia venezuelana, são dois dos roteiros mais visitados por turistas na Venezuela e podem aumentar a frequência com os brasileiros.

A ilha Margarita é um dos destinos com maior interesse e já teve uma forte presença de brasileiros no passado. Agora, o local recebe turistas russos e árabes, principalmente pela facilidade dos voos diretos que existem entre Moscou e Caracas.

As operações serão feitas pela companhia aérea brasileira Gol e os voos terão duração de 6 horas. No site da empresa, as passagens estão custando em média R$ 3.700 reais, ida e volta. Outro benefício para a Venezuela é a arrecadação de impostos. O aeroporto Internacional de Caracas cobra uma taxa para passageiros paga pelas companhias aéreas. Cada bilhete comprado para sair do país tem uma taxa extra de US$ 72 (R$ 400), incluídas nas passagens. Com 4 voos semanais, o valor arrecadado pelas empresas aéreas que fazem essa operação será maior.

Brasil e Venezuela anunciaram a retomada dos voos diretos entre São Paulo e Caracas a partir de 5 de agosto
Wikimedia Commons/Aeroprints.com

Histórico de voos

Os dois países tinham uma frequência de voos até 2016. Aquele ano ficou marcado pelo golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, que deu lugar para Michel Temer assumir. Com ele, as relações diplomáticas entre Caracas e Brasília foram rompidas. Maduro não reconheceu o governo de Temer e a tensão se agravou depois da eleição do chavista em 2018. O Brasil não reconheceu os resultados e fechou a embaixada brasileira em Caracas. Em resposta, o governo venezuelano também fechou a sua representação diplomática em Brasília.

Com isso, companhias aéreas como a Gol e a Latam, que já operavam poucos voos, suspenderam totalmente a conexão. A estatal venezuelana Conviasa manteve alguns voos para Boa Vista, a capital brasileira mais próxima da fronteira. Com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, a tensão entre os países aumentou e, no ano seguinte, os Estados Unidos aplicam sanções contra a Conviasa, o que dificultou ainda mais as operações internacionais da empresa.

A partir desse momento, as viagens do Brasil para a Venezuela passaram a depender de escalas no Panamá, Colômbia, Peru, Chile e até Estados Unidos a partir de empresas como a Copa Airlines e a Avianca. Depois da pandemia de covid em 2020, todos os voos foram interrompidos e a retomada parcial se deu em 2021.

A partir daquele momento, a Conviasa passou a operar voos que ligavam Puerto Ordaz a Manaus. Em 2023, o governo Lula retomou as relações com a Venezuela e colocou a retomada dos voos como um dos objetivos nas relações com Caracas. Naquele ano, a estatal venezuelana abriu voos de Caracas a Boa Vista, mas de maneira irregular, sem uma periodicidade.

Nos últimos dois anos, as opções foram voos para Peru, Chile, Panamá e Colômbia, que faziam uma ligação com Caracas.