Francisco nomeou 108 dos 133 eleitores do próximo conclave; entenda como a eleição funciona
Fase prévia à votação contará pela primeira vez na história com a participação de uma mulher, mas ela não terá direito a voto
Desde a morte do papa Francisco, na última segunda-feira (21/04), o Vaticano se prepara para um novo conclave, o processo no qual 133 cardeais se reúnem a portas fechadas até que se decida quem será o próximo pontífice. O tempo da votação é indefinido, podendo durar dias ou até, como foi no processo da escolha do papa Gregório 10º, que durou 34 meses, o mais longo da história.
O dia exato da votação ainda não foi definido, mas deve acontecer entre 15 e 20 dias após a morte do pontífice, de acordo com o teólogo Wagner Lopes Sanchez, doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e vice-coordenador do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciência da Religião na mesma casa de estudos.
“A previsão é que o conclave tenha início em alguma data entre 6 e 11 de maio, mas isso pode mudar, vai depender dos resultados das congregações que os cardeais realizarão previamente”, frisou Lopes Sanchez a Opera Mundi.
As congregações são uma série de pelo menos três grandes reuniões que antecipam a formação de um conclave. O primeiro desses encontros já aconteceu, na última terça-feira (22/04), e reuniu apenas uma pequena parte dos cardeais. “Apenas o que já estavam em Roma quando se soube da morte de Francisco, a maioria deles europeus”, disse o teólogo.

Fotos Públicas/Tânia Rego
Três grandes temas
As congregações prévias ao conclave têm a missão de abordar diferentes aspectos que pautarão a eleição do novo papa, e entre eles há pelo menos três grandes temas. A primeira delas tem como tema principal a apresentação dos assuntos mais relevantes para a Igreja Católica dentro de cada continente. Nesse sentido, um dos nomes que aparece com destaque nessa reunião é a do cardeal Jaime Spengler, arcebispo metropolitano de Porto Alegre, na qualidade de presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (CELAM).
A segunda grande reunião tem como objetivo definir os principais desafios para o próximo pontificado, pautados em parte pelos temas apresentados na congregação anterior, mas observando também os rumos da Igreja a nível global e abordando outros temas mundiais não necessariamente ligados ao Vaticano, mas podem exigir um posicionamento da comunidade católica.
Finalmente, a terceira abordará o perfil que deve ter o próximo papa para enfrentar os desafios levantados nos encontros anteriores. “Costumam ser pelo menos três grandes congregações, mas pode haver mais, caso os cardeais decidam que há outros temas importantes que merecem ser aprofundados”, explicou Lopes Sanchez.
Outra regra importante das congregações é que os participantes são obrigados a assinar um termo de confidencialidade. Caso seja comprovado algum vazamento de informações, o envolvido pode sofrer pena de excomunhão.
Primeira mulher
Não são somente os cardeais que participam das congregações, outras figuras importantes dentro da hierarquia católica podem ser convidadas às reuniões, e as deste ano contam com uma novidade histórica: pela primeira mulher a se envolver em um processo de eleição papal.
Trata-se da freira italiana Simona Brambilla, prefeita do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica. Ela também é a primeira mulher a ser nomeada prefeita em um dicastério, por decisão do papa Francisco, oficializada em janeiro passado.
Porém, sua participação no processo se resumirá às congregações. Ela não participará do conclave, onde estarão apenas os cardeais.
Fumaça branca com 90 votos
A palavra “conclave” é uma derivação de “com chave”, e é justamente isso que acontece a partir do início da eleição em si: os 133 cardeais estarão trancados em um salão, sem nenhum tipo de contato com o mundo exterior, e realizarão diferentes votações, até que algum dos candidatos receba dois terços das preferências, condição obrigatória para ser eleito.
Considerando o atual colegiado, será preciso obter 90 votos para alcançar os dois terços exigidos.
Para completar essa equação, é preciso dizer que 108 dos 133 cardeais que participarão do conclave foram nomeados pelo papa Francisco. Os outros 25 foram escolhidos por seu antecessor, Bento XVI. Segundo Lopes Sanchez, “em cada voto, os cardeais deverão escrever o nome de seus preferidos de uma forma que sua letra não seja identificada”.
Ao final de cada votação, os votos são queimados em uma lareira junto com um objeto que padroniza a cor da fumaça produzida pela fogueira. Se a chaminé soltar uma fumaça escura, significa que nenhum candidato alcançou os dois terços naquela votação. Quando o quórum mínimo é atingido, a fumaça será branca, indicando que o novo papa foi eleito.
Esse processo não tem uma data limite, já que as normas obrigam a repetir a votação quantas vezes forem necessárias, até alguém receber dois terços dos votos.
“Os últimos 11 conclaves duraram entre dois a quatro dias, por isso se espera que este novo processo seja parecido, mesmo que dure alguns poucos dias a mais”, explica Lopes Sanchez. Ainda assim, o teólogo recorda que, na Idade Média, houve conclaves que chegaram a durar até três anos. O processo que elegeu Francisco, realizado em março de 2013, durou dois dias.
Quem pode ser papa
Inicialmente havia 135 cardeais habilitados para participar do próximo conclave, mas dois deles já anunciaram que não estarão presentes, por motivos de saúde. São os casos do cardeal espanhol Antonio Cañizares Llovera e do cardeal bósnio Vinko Puljic. Ambos têm 79 anos e estão entre os mais velhos do colégio eleitoral.
Com isso, serão 133 cardeais que terão direito a voto no conclave que escolherá o sucessor do papa Francisco – ao menos até o momento da publicação desta reportagem, e caso não aconteça outra desistência. Todos os eleitores também são elegíveis, não é preciso oficializar uma candidatura. Porém, a questão é mais complexa, já que pelas normas da Igreja Católica, qualquer homem católico pode ser votado.
“Claro que isso dificilmente irá acontecer este ano, mas as regras permitem sim que alguém que esteja fora do conclave, desde que seja um homem católico, seja votado. Na hipótese de isso acontecer, e caso seja algum bispo ou sacerdote de alguma diocese regional, essa pessoa teria que ser investida como cardeal e então chamada a participar do conclave. Se for um homem comum católico, o processo é mais longo, precisa ser ordenado dentro da Instituição, mas pode acontecer”, esclareceu Lopes Sanchez.
Favoritos
O teólogo Wagner Lopes Sanchez afirma que o conclave deste ano é um dos mais imprevisíveis dos últimos tempos, e acha prematuro apontar favoritos neste momento.
“Existe um ditado que costuma ser usado no Vaticano: ‘quem entra papa no conclave sai cardeal’. É algo que reflete algo que costuma ser real nesse processo, porque na dinâmica interna da instituição muitos rumores podem jogar contra um candidato, podem fazer com que algum nome que esteja repercutindo muito comece a ser mal visto pelos votantes”, comentou o acadêmico.
Nesse sentido, ele afirma que declarações recentes de figuras da extrema direita, como o empresário Steve Bannon e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre tentativas de influir no processo para favorecer algum candidato ultraconservador, podem ter justamente o efeito contrário.
“Se algum nome é defendido abertamente por alguém da política tradicional, independente de qual seja a corrente ideológica, isso costuma ter um efeito muito negativo entre os cardeais”, afirmou o especialista, que também é membro da diretoria do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (CESEEP) – entidade que desenvolve pesquisas sobre pluralismo religioso e sobre o Concílio Vaticano II, entre outros temas.
Homilia
O acadêmico acrescentou que a Missa de Exéquias de Francisco, que será realizada no próximo sábado (26/04), pode ser decisiva para indicar os reais favoritos ao cargo. O evento contará com a participação de diversos líderes mundiais, incluindo o próprio Trump, e também o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.
Para Lopes Sanchez, a homilia realizada durante o funeral pode indicar os parâmetros que definirão a escolha do próximo pontífice. “Em 2005, Ratzinger liderou a homilia de João Paulo II com grande destaque, e a partir dessa performance que ele conquistou o voto dos grupos mais moderados e se tornou o papa Bento XVI”, recordou o teólogo.
A homilia do papa Francisco será celebrada pelo cardeal italiano Giovani Battista Re, de 91 anos, que não será candidato no próximo conclave. “Mas suas palavras, as ideias que ele apresentar durante a cerimônia, podem nos dar pistas sobre o que teremos dias depois”, concluiu.
