“Tragédia”, “feminicídio”, “violência sem sentido”: o mundo do atletismo e da defesa das mulheres na África Oriental reage com indignação à morte, no Quênia, da maratonista ugandesa Rebecca Cheptegei, queimada viva por um homem apresentado como seu companheiro. Esta foi a terceira morte de atletas no país em três anos.
Rebecca, de 33 anos, participou da maratona dos Jogos Olímpicos de Paris e morreu na última quinta-feira (05/09) às 5h30 (hora local), quatro dias depois de ser atacada. Com “mais de 80%” do corpo queimado, “as esperanças de recuperação eram mínimas” e ela sucumbiu à “falência de múltiplos órgãos”, explicou Kimani Mbugua, médico responsável pela unidade de cuidados intensivos do Hospital Universitário e de Referência de Moi (MTRH) em Cidade de Eldoret.
Rebecca foi hospitalizada no domingo (01/09) depois de ter sido encharcada de gasolina e incendiada em casa pelo suspeito, identificado como Dickson Ndiema Marangach, depois de voltar da igreja com os filhos. A maratonista vivia com a irmã e as duas filhas, de 9 e 11 anos, segundo o diário queniano The Standard, em uma casa que construiu em Endebess. Foi nesta cidade, no oeste do Quênia e a 25 quilômetros da fronteira com Uganda, que ela treinou e se preparou para a maratona olímpica.
Um boletim de ocorrência descreveu a atleta e o suspeito como “um casal que tinha discussões domésticas constantes”. Segundo o pai de Rebecca Cheptegei, o ataque resultou de uma disputa pelo terreno que sua filha comprou para construir sua casa.
‘É feminicídio’
O anúncio da sua morte suscitou imediatamente uma forte emoção em Uganda e no Quênia.
“Esta tragédia é um lembrete forte de que devemos fazer mais para combater a violência baseada no gênero na nossa sociedade, que surgiu nos círculos esportivos de elite nos últimos anos”, disse o ministro dos Esportes queniano, Kipchumba Murkomen, em um comunicado à imprensa.
O presidente do Comitê Olímpico do Uganda, Donald Rukare, denunciou, em uma mensagem no X, “um ato covarde e sem sentido”, afirmando: “Condenamos veementemente a violência contra as mulheres”.
“Rebecca Cheptegei está morta. Pronunciamos seu nome da terra dos vivos. Descanse em paz. Sim, é feminicídio. Devemos acabar com os feminicídios”, reagiu também no X Njeri Migwi, cofundadora da associação “Usikimye” (“Não fique calado” em suaíli), abrigo para vítimas de violência sexual e de gênero.
Esta morte soma-se a de muitas outras mulheres no Quênia, onde foram registados 152 feminicídios em 2023 pela organização Femicide Count Kenya, que sublinha que “o número real é certamente superior” porque não tem conhecimento de todos os casos no país. O mundo do atletismo no Quênia foi particularmente atingido por estes crimes nos últimos anos.
Agnes Tirop, a ‘gatilho’
A atleta romena de origem queniana Joan Chelimo disse estar “profundamente chateada e indignada com (este) ataque horrível”, em uma mensagem no Instagram. “Esta violência sem sentido tem de acabar. Como atleta e ativista contra a violência de gênero, o meu compromisso de sensibilizar e trabalhar para um futuro onde todos possam viver sem medo da violência permanece inabalável”, acrescenta a vice-campeã europeia das meia-maratonas, que cofundou a associação Tirop’s Angels, criada no Quênia por atletas para lutar contra a violência contra as mulheres após a morte de Agnes Tirop.
Em outubro de 2021, o assassinato desta promissora atleta de 25 anos, bicampeã mundial de bronze nos 10.000 m (em 2017 e 2019) e quarto lugar nas Olimpíadas de Tóquio nos 5.000 m, abalou o mundo do atletismo no Quênia, fã do esporte.
A jovem foi encontrada morta a facadas em sua casa em Iten, um famoso campo de treinamento para corrida cross-country nos planaltos do Vale do Rift. O marido dela, Emmanuel Ibrahim Rotich, está sendo processado por assassinato e nega as acusações.
Em abril de 2022, outra atleta do Bahrein de origem queniana, Damaris Mutua, foi encontrada morta em Iten. Seu companheiro é suspeito de tê-la matado.