Os dois ex-policiais que confessaram o assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, foram condenados nesta quinta-feira (31/10). Ronnie Lessa, que admitiu ter disparado 14 vezes contra as vítimas, foi sentenciado a 78 anos e nove meses. Élcio de Queiroz, que confessou ter dirigido o carro da fuga, teve pena de 59 anos e oito meses.
Ambos também terão de pagar, juntos, uma indenização de R$ 705 mil a cada um dos cinco familiares mais próximos das vítimas: Ágatha Arnaus, viúva de Anderson; Luyara Franco, filha de Marielle, Mônica Benício, sua viúva; e a mãe de Marielle, Marinete Silva.
Os entendes de Marielle e de Anderson, ao ouvirem o veredito, se abraçaram e choraram.
A então vereadora do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) no Rio de Janeiro, Marielle lutava pelos direitos dos excluídos, contra a corrupção e contra a violência policial. Seu assassinato, em março de 2018, foi o crime de maior repercussão na história recente do Brasil e sua investigação escancarou os vínculos entre o crime organizado, políticos e milicianos na cidade carioca.
“Sentença dirigida aos muitos ‘Lessas'”
“Esta sentença é dirigida aos réus aqui, mas também aos muitos Lessas e Queirozes que existem no Rio e continuam foragidos. O júri é uma democracia, a democracia que Marielle Franco defendeu”, disse a juíza do caso, Lúcia Mothé Glioche, do 4o. Tribunal do Júri do Rio de Janeiro.
A juíza também disse que a Justiça “às vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torna, mas ela chega, mesmo para os que, como os acusados, acham que jamais serão atingidos por ela.”
Presos desde 2019, os dois assassinos assinaram acordos de delação premiada, que levaram à prisão dos supostos mandantes do crime, em março passado: dois políticos (os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão) e um ex-chefe de polícia (Rivaldo Barbosa).
Em contrapartida, Lessa e Queiroz terão redução de pena, mas Lessa terá que cumprir ao menos 18 anos em regime fechado. Ambos participaram do julgamento por videoconferência, desde as prisões onde estão.
“O que aconteceu aqui hoje é apenas parte da resposta que esperamos. Quando assassinaram minha irmã, com quatro tiros na cabeça, eles não poderiam imaginar a força com que este país e o mundo se levantariam. As pessoas precisam parar de normalizar tantos corpos caindo pelo país. A Justiça começou a ser feita hoje”, disse Anielle Franco, irmã de Marielle e atual ministra da Igualdade Racial do Brasil, logo após a divulgação da sentença.
A filha de Marielle disse que a sentença era uma “vitória para a democracia brasileira”. Mas frisou que “ainda há muitos passos pela frente nesse caso e continuaremos lutando”
Única sobrevivente da noite do assassinato, a amiga e assessora de imprensa de Marielle, Fernanda Chaves, também testemunhou por videochamada. Ameaçada, ele teve que abandonar o Brasil nos meses seguintes ao crime e mora fora do Rio desde que retornou.
Mandantes serão julgados pelo STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) será o responsável por julgar os acusados de encomendar a morte de Marielle. Os irmãos Brazão, por terem foro privilegiado, ambos serão julgados pela Corte, que declarou a intenção de tentar fazê-lo o mais breve possível.
Também está preso à espera de julgamento o delegado Barbosa. Acusado de ajudar a planejar o crime, ele era chefe da Polícia Civil na época do atentado e foi o responsável inicial pelas investigações. A delação de Lessa revelou que, já antes do crime, ele instruiu os assassinos sobre como agir para evitarem serem incriminados. Depois, sabotou o trabalho dos investigadores até a Polícia Federal entrar no caso, o que só ocorreu quando Jair Bolsonaro deixou a Presidência.
Investigações posteriores mostraram que ele tinha um longo histórico de encobrir os sicários do crime organizado.
Desdobramentos com dezenas de prisões
Outros desdobramentos do caso Marielle foram as investigações que mostraram como o dinheiro do jogo do bicho financiou a arregimentação, treinamento e financiamento do chamado Escritório do Crime. O grupo, a serviço do crime organizado, é especializado em assassinatos por encomenda.
Dezenas de policiais e chefes do jogo do bicho foram presos e o alcance da rede de corrupção ainda não está totalmente desvelado.
Segundo revelou Lessa, Marielle foi morta porque estava atrapalhando os interesses de poderosos grupos imobiliários responsáveis pela grilagem de terras no Rio de Janeiro. Barbosa disse o encargo de matar a ex-vereadora lhe renderia até US$ 20 milhões.
O assassinato de Marielle foi o crime de maior repercussão na história recente do país. Teve ampla cobertura de veículos internacionais e até no Parlamento Europeu. A condenação dos culpados foi noticiada por diversos veículos estrangeiros, como o britânica Guardian, agências EFE e Reuters, além do francês Le Monde e do espanhol El País.