'Brasil me escolheu': escritora sul-africana quer quebrar barreiras linguísticas com a literatura
Fã de Conceição Evaristo, Zukiswa Wanner esteve em São Paulo e fez paralelo entre a violência policial dos EUA e no Brasil: 'nos descredibilizam'
“O Brasil me escolheu”, respondeu sorridente Zukiswa Wanner a Opera Mundi sobre o porquê de realizar um encontro literário no país. A jornalista e escritora nascida na Zâmbia, de pai sul-africano e mãe zimbabuense, ganhou o público com sua simpatia no encontro Vozes Africanas Contemporânea na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, abordando temas sobre a violência contra jovens negros, condição da mulher negra e os dilemas éticos da diplomacia cultural global.
“Foi uma combinação de coisas interessantes que aconteceram”, acrescentou. A romancista explicou que, durante a pandemia, participou de um evento online com diversos escritores. Em um debate sobre o assassinato de George Floyd, em 2020, enquanto escrevia uma carta de solidariedade, Wanner descobriu que, no Brasil, a polícia mata mais jovens negros do que nos Estados Unidos. “Por conta da barreira de língua, nós não temos esse conhecimento”, ressaltou Wanner.
A partir daquele momento, os escritores que, a princípio, escreveriam uma carta em solidariedade a um caso isolado, decidiram olhar também para outros países que retaliam a população negra. “O Brasil tem a maior diáspora africana”, disse ela, recordando que foi também um momento de descobrir novos autores — como Conceição Evaristo, de quem é fã — e de olhar para lugares “que não falam inglês”.
Sendo um dos nomes mais proeminentes da literatura africana contemporânea, Zukiswa Wanner escreve histórias ficcionais que retratam questões reais e urgentes. Seus livros são modernos, não ocidentais e feministas. Ao ser questionada pela mediadora sobre como é ser uma mulher negra na África do Sul, Zukiswa respondeu: “é igual no Brasil”, traçando paralelos, principalmente, em como a cor da pele faz com que as pessoas “nos descredibilizem”.

Jornalista e escritora Zukiswa Wanner participou de evento literário em SP
Tabitha Ramalho
Pró Palestina
A escritora também falou sobre o simbolismo da medalha Goethe, recebida em 2020 do governo alemão pelo conjunto de sua obra e contribuição ao diálogo cultural internacional. Em 2024, no entanto, Wanner decidiu devolver a honraria em protesto contra a postura do governo da Alemanha no atual cenário de conflitos internacionais, especialmente sua posição sobre a guerra em Gaza.
Durante a palestra, a autora leu um trecho do seu livro Relatos da Vida Palestina Sob Estado de Apartheid, obra que veio após a participação de Zukiswa no PalFest, o Festival de Literatura da Palestina — onde vivenciou a segregação causada pelos checkpoints instalados pelos israelenses que impedem a livre circulação dos palestinos.
O livro é considerado o testemunho de Wanner sobre os assentamentos ilegais, o genocídio e “um mundo condenado por se negar a escutar as reinvindicações para que uma Palestina livre, do rio ao mar”. A jornalista recebeu uma salva de palmas ao ler uma frase impactante do epílogo retratando que “perder esperança é o mesmo que perder todas as vidas que se foram”.