No programa SUB40 desta quinta-feira (06/05), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou Manuela D’Ávila, que foi vereadora, deputada federal e estadual pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), chegando ao segundo turno das últimas eleições à Prefeitura de Porto Alegre pela legenda, além de candidata a vice-presidente em 2018.
Com uma larga trajetória na política, que se iniciou quando ela ainda estava na faculdade, D’Ávila se converteu em uma das vozes mais fortes do feminismo, inclusive gerando atrito entre a própria esquerda, que classifica pautas de gênero e raça como sendo identitárias.
Ela explicou que o rechaço que recebia por ser feminista vinha de um senso comum equivocado de que “era a causa da das pautas que defendia, que se eu parasse, os problemas iam desaparecer”.
“Esse acho que é o maior equívoco do nosso campo, tratar as pautas relacionadas às mulheres, negros e negras como identitárias. A desigualdade brasileira é estruturalmente construída pela questão de classe, mas, no caso brasileiro, a partir da questão de raça e gênero”, defendeu.
Portanto, para ela, “não é possível pensar num projeto de emancipação social ou de desenvolvimento nacional sem imaginar a emancipação das mulheres, negros e negras”. D’Ávila ressaltou políticas como o Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, que já apontam nessa direção, por colocarem as mulheres mães no centro de sua execução.
“O feminismo liberal não entra nesse espaço, porque, para mim, não tem como imaginar um feminismo que não seja popular”, diz.
Por defender essa linha de pensamento, D´Ávila contou que sofre violência verbal desde seu tempo como deputada federal, herdando a “a misoginia dirigida a Dilma”. Quando concorreu à Prefeitura de Porto Alegre, ela foi alvo de 99,4% dos ataques machistas feitos durante toda a campanha, dentre todos os candidatos, segundo um relatório da revista AzMina.
Bolsonarismo sem Bolsonaro
“Acho que tem a ver com o fato de que eu sou uma mulher que não abaixo a cabeça para eles, como são as mulheres do nosso campo político. Existe um bolsonarismo sem Bolsonaro e aí acho que a possibilidade de que uma mulher jovem comunista como eu chegue a um segundo turno faz com que eles intensifiquem esses ataques”, ponderou.
Apesar de tudo, ela afirma que hoje se sente mais segura para fazer política sendo mulher, “seja pela nova organização de mulheres ou pela velocidade com a que a gente pode denunciar violências, eu me sinto mais protegida hoje, mesmo no governo Bolsonaro”.
Sobre o governo Bolsonaro, D’Ávila analisou sua chegada ao poder como resultado do pensamento das elites neoliberais e violentas, mas argumentou que, ao mesmo tempo, ele foi um “acidente”.
“A elite brinca de fragilizar a democracia e as instituições para poder criar espaço para voltar, mas perderam a mão e veio Bolsonaro, que eles não puderam controlar. Nesse sentido, acho que Bolsonaro não foi programado por eles”, justificou, dizendo que se surpreendeu quando a direita resolveu lançar e apoiar a candidatura do atual presidente.
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Manuela D’Ávila foi a entrevistada desta quinta-feira (06/05) no SUB40
“Eu convivi com Bolsonaro por oito anos. Essa incapacidade ou problema de interdição psíquica é algo que para mim é nítido desde 2008. Pensava que não era possível a elite brasileira de São Paulo votar em alguém que não flertava nem minimamente com os códigos que a burguesia ‘letrada’ criou para si”, confessou.
Polarização Lula e Bolsonaro
“Eu sempre tento refutar a ideia de que existe um confronto entre dois polos, porque não somos um polo oposto simétrico a Bolsonaro como a elite tenta criar para justificar seu voto no centro”, discorreu D’Ávila, sobre o confronto político que vem surgindo desde a reabilitação eleitoral de Lula.
Para ela, o retorno do ex-presidente representou um avanço significativo no sentido de uma vitória nas eleições de 2022. Para derrubar Bolsonaro nas urnas, a ex-deputada defende uma unidade de esquerda: “Espero que nosso campo trabalhe para construir uma unidade que encante o Brasil”.
Isso inclui dialogar com Ciro Gomes, segundo ela. O ex-governador do Ceará tem se colocado ao centro, criticando tanto Bolsonaro quanto Lula e o Partido dos Trabalhadores.
“Acho Ciro muito capaz. Ninguém acertou a vida inteira, todos temos diferenças, mas nossa obrigação, a minha, do Lula, do Ciro, da Marina, é pensar qual é o melhor caminho para derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo, e garantir a reconstrução do Estado brasileiro. Realmente torço para que ele se reencontre na defesa da unidade que precisamos”, reforçou D’Ávila, mostrando-se otimista diante da possibilidade de um diálogo entre Lula e Ciro.
Além da construção de uma unidade, a ex-deputada falou sobre mobilizações sociais com o intuito de enfraquecer Bolsonaro, comparando a realidade brasileira com a colombiana. Desde o dia 28 de abril, após o anúncio de uma reforma tributária pelo presidente Iván Duque, vêm sendo convocadas manifestações massivas em defesa dos direitos da população colombiana, apesar da pandemia.
“No Brasil, além das altas taxas de mortalidade, temos uma política de Estado de construção da morte, então temos que entrar em defesa da vida. Mas também é verdade, a partir da leitura de classe, que a maioria do povo brasileiro não está em casa, não porque não quer, mas porque precisa trabalhar. Então aqui entra a combinação de saber estimular os cuidados corretos, defender as medidas de isolamento, garantindo testagem e vacinação, mas também estimulando mais espaços de luta”, refletiu.