No programa SUB40 desta quinta-feira (27/05), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou Camilo Vannuchi, jornalista e escritor, autor das biografias Marisa Letícia Lula da Silva (Alameda, 2020, R$ 68) e Vala de Perus, uma biografia (Alameda, 2020, R$ 60).
Filho de militantes, com o pai preso na ditadura militar, Vannuchi contou ter crescido com a memória daquele tempo e que, por isso mesmo, lhe provoca indignação que o Brasil tenha um presidente “que homenageia [o torturador Carlos Alberto Brilhante] Ustra, em que os torturadores até hoje não foram julgados”.
“A transição para a democracia foi incompleta até hoje. Nasci no ano da anistia e não valeu pro lado de lá. Cometeram-se crimes de lesa humanidade, imprescritíveis. Desaparecimento e ocultação de cadáveres são crimes até hoje. Isso são coisas que eu tenho como gavetas que não foram fechadas e isso talvez ainda me empurre a trabalhar com esses temas e querer batalhar pela memória e verdade”, refletiu o autor.
Além da influência da história familiar, a trajetória profissional de Vannuchi o levou a utilizar as biografias como seu instrumento de resistência. Sua primeira experiência no campo foi escrevendo as memórias de José Alberto Camargo, quando ainda era jornalista da revista IstoÉ.
Mas ele migrou definitivamente para “a biografia política” após sua experiência como membro da Comissão de Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo, em 2016. Vannuchi foi responsável por redigir o relatório de cerca de 500 páginas a partir do levantamento feito pelos membros sobre os crimes cometidos pela Prefeitura de São Paulo durante a ditadura militar.
“Foi uma experiência gigantesca que me ajudou a focar no tema. Depois de 2016 comecei a selecionar histórias que tinham a ver com resistência, memória e verdade”, ponderou.
Alguns de seus biógrafos preferidos e fontes de inspiração são Fernando Moraes, Rui Castro e Mário Magalhães.
“Mas gosto de biografias mais ‘curtas’. Quando a gente escreve uma biografia a gente pensa nela quase como uma obra definitiva, mas acho que as biografias são processos e vão se sobrepondo”, defendeu.
Marisa Letícia Lula da Silva
Durante a entrevista, Vannuchi falou sobre os bastidores de suas obras e como começou a escrevê-las. No caso do livro sobre a ex-primeira-dama brasileira, o jornalista contou que a biografia se deu graças a seu livro anterior, sobre as memórias de José Alberto Camargo.
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Jornalista e escritor Camilo Vannuchi foi o entrevistado desta quinta (27/05) do SUB40
“Em 2007, lançamos a biografia do Camargo e fizemos um evento em Brasília e a Marisa foi. Estávamos conversando eu, Camargo e ela e ela começou a perguntar para ele como foi fazer, no que Camargo propôs que ela fizesse um livro de memórias também”, rememorou o escritor.
No fim daquela conversa, entretanto, uma biografia de Marisa seguiu apenas como ideia. Ideia essa que Vannuchi seguiu propondo à então primeira-dama: “Em 2015, eu brinquei de novo, falando que a proposta ainda estava de pé, e ela me disse que havia conversado com os filhos, as amigas e Lula, e dessa vez aceitava”.
A ideia do autor era escrever suas memórias, “queria que ela me contasse”. No entanto, o plano precisou ser adiado devido aos compromissos de Vannuchi com a Comissão da Verdade de São Paulo.
“Foi passando o tempo e a gente achando que a Marisa estava ali e que em algum momento ia fazer aquilo. Mas em janeiro de 2017 veio a notícia do AVC. Achei que não ia mais rolar porque queria as memórias, queria sentar do lado dela e ouvi-la”, narrou.
Entretanto, ao ir ao hospital para visitar Marisa Letícia, “após a família já ter anunciado a doação dos órgãos”, Vannuchi se encontrou, por acaso, com o então presidente Lula.
“Ele me cumprimentou e perguntou onde estava o livro da Marisa. Eu disse que não tinha feito e ele sabia que eu não tinha feito. Nisso ele me respondeu: ‘Então agora eu que vou ter que te contar tudo o que ela ia te falar’”, relatou.
No fim, Vannuchi disse que escrever a biografia “foi uma loucura”. Precisou entrevistar dezenas de pessoas e o momento ainda coincidiu com a prisão de Lula, impedindo o autor de esclarecer suas dúvidas: “Escrevi o livro sem ela e sem ele”.
Margarida Genevois
Atualmente, Vannuchi está finalizando a biografia de Margarida Genevois, militante de direitos humanos de 98 anos, com quem passou o último ano reunindo-se semanalmente.
“Ela nasceu no Rio de Janeiro, de uma família de advogados. Tinha tudo para não precisar nem querer ter um envolvimento maior com direitos humanos, mas ela era muito católica e entrou em contato com a teologia da libertação. Acabou abraçando a igreja progressista e se tornou o braço direito de Dom Paulo Evaristo Arns. Foi a única mulher leiga a representar o cardeal de São Paulo”, contou o autor.
Genevois também foi presidente da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo. Hoje é presidenta emérita da Comissão Arns, de defesa dos direitos humanos.
“O título é Margarida, coragem e esperança, em homenagem ao que dizia Dom Paulo e como ele assinava seus textos”, comentou Vannuchi. O livro já está em pré-venda no site da editora Alameda (R$ 52), a mesma do livro sobre Marisa Letícia e de Vala de Perus, uma biografia.