O maior gesto revolucionário de Inês Ettiene Romeu (1942-2015) foi ter sobrevivido. E sobrevivido para denunciar seus torturadores e a ditadura militar.
Inês era bancária em Minas Gerais quando ingressou na Vanguarda Popular Revolucionária, de Carlos Lamarca. Presa e torturada por meses, foi a única sobrevivente da Casa da Morte, de Petrópolis (RJ). Sua prisão acabou, ao contrário do que ocorria com muitos no período, sendo formalizada, graças ao empenho da família e dos advogados, e ela foi deixada viva porque os militares acreditaram que, após meses de tortura, ela “quebrara”, como se diz na gíria militante.
Estavam enganados. Inês Ettiene usou a memória, a inteligência e a coragem para denunciar um dos capítulos mais perversos da ditadura militar. Após a anistia de 1979, com apoio da Ordem dos Advogados do Brasil e da Associação Brasileira de Imprensa, Inês denunciou a existência da Casa da Morte, algo até então não publicado pela imprensa, como também a atuação do médico torturador e ex-militar Amílcar Lobo, conhecido nos porões por “Doutor Carneiro”, que teve o registro cassado pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro.
Não apenas, conseguiu formar-se historiadora e tornou-se uma arquivista profissional, sendo uma das responsáveis pela organização dos arquivos relacionados à ditadura militar no Arquivo do Estado de São Paulo, entre outras atividades.
Inês Etienne Romeu morreu no dia 27 de abril de 2015 em sua casa em Niterói (RJ), em decorrência de um infarto. Ela é a nova carta do baralho Super-Revolucionários, que Opera Mundi publica desde 2019. Com concepção e texto de Haroldo Ceravolo Sereza e imagens do artista plástico Fernando Carvall, a série é uma homenagem a homens e mulheres que estiveram na linha de frente pela luta por um mundo melhor.
Já foram publicadas cartas de Pierre-Joseph Phroudon, Mikhail Bakhunin, Friedrich Engels, Emma Goldman, Paulo Freire, Florestan Fernandes, Pagu, Zuzu Angel, Miriam Makeba, Hugo Chávez, Rosa Parks, Lênin, Clara Zetkin, Ernesto Che Guevara, Antonio Gramsci, Fidel Castro, Liudmila Pavlichenko, Luís Carlos Prestes, Frida Kahlo, Alexandra Kollontai, Bela Kun, Nelson Mandela, Mao Zedong, Simone de Beauvoir, Stálin, Marina Ginestà, Ho Chi Minh, Leon Trotsky, Olga Benario, Karl Marx, Salvador Allende, Tina Modotti, Carlos Marighella, Rosa Luxemburgo, Malcolm X e Franz Fanon.
Assim que alcançarmos um número suficiente de cartas, vamos montar um jogo inspirado no conhecido Super Trunfo e publicar um livro com os cards e informações sobre esses heróis da resistência e da transformação.
As avaliações são provisórias e estão sujeitas a modificação.
REBELDIA: 7
Inês Ettiene Romeu iniciou sua militância no movimento estudantil. Aluna do curso de Sociologia e Política da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), onde ingressou em 1961, integrava as fileiras do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Empregada do Banco Mineiro de Produção, frequentou o Sindicato dos Bancários e teve contato com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Em 1965, depois de um período fora da universidade, retornou à UFMG para cursar História.
DISCIPLINA: 9
Após o golpe de 1964, Inês integrou-se à Organização Revolucionária Marxista Política Operária – Polop e acompanhou o grupo do qual participava nas sucessivas divisões e fusões, participando também dos movimentos de resistência armada Comando de Libertação Nacional (COLINA), a Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares (VAR-Palmares) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Na VPR, foi dirigente, integrando o Comando Nacional ao lado de Carlos Lamarca e Hebert Daniel.
TEORIA: 7
A militância de Inês Ettiene não se limitou à denúncia que fez da existência da Casa da Morte, que conseguiu fazer graças a um esforço de memória: durante a prisão no local, conseguiu guardar um número de telefone e, a partir desse número, já depois de sua prisão, conseguiu localizar a Casa da Morte, situada à rua Arthur Barbosa, no 668, em Petrópolis (RJ).
POLÍTICA: 7
Etienne foi uma das responsáveis pela manutenção o organização de documentos do regime militar no Arquivo do Estado de São Paulo, um dos locais que guardam um grande volume de informações sobre o período. Também atuou nas secretarias de Cultura da cidade de São Paulo e de Desenvolvimento Econômico do Estado, sem jamais abandonar a luta pelos direitos humanos. Em 2002, participou do projeto de pesquisa para a criação do Memorial do Cárcere, embrião do atual Memorial da Resistência da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. Em 2003, num episódio não esclarecido, sofreu um ataque em seu apartamento, em São Paulo, após receber a visita de um marceneiro que contratara. O ataque resultou num traumatismo cranioencefálico e deixou sequelas até o fim da sua vida. Ainda assim, em 2014, ajudou a Comissão Nacional da Verdade (CNV) a identificar, por meio de fotografias, seis agentes do Estado que atuaram na Casa da Morte de Petrópolis.
COMBATIVIDADE: 9
Inês foi acusada de participar do sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, ocorrido meses antes de sua prisão, no Rio de janeiro. Passou 96 dias em cárcere privado sendo torturada e estuprada. Simulou um acordo com os agentes da repressão e saiu da tortura pesando pouco mais de 30 quilos. Em 1975, cumprindo pena, transformou seu casamento com o também preso político Jarbas Silva Marques numa crítica ao regime: seu vestido era preto, bordado com flores, e Jarbas usou uma camisa vermelha e uma calça azul, em homenagem às cores do exército revolucionário do Vietnã e de Cuba.
INFLUÊNCIA: 7
A importância da Casa da Morte de Petrópolis no relatório da Comissão Nacional da Verdade demonstra toda a força da denúncia que Inês Ettiene Romeu fez no final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Os depoimentos do delegado Cláudio Guerra e do coronel Paulo Malhães acabaram por confirmar e trazer detalhes ainda mais cruéis de um dos maiores centros de tortura e assassinato de opositores da ditadura militar.