“Quando se viaja pela primeira vez como mochileiro, cresce um sentimento e uma necessidade de liberdade muito grande. E essa liberdade exige um desapego material, o único que você tem é a sua mochila”, diz Vanessa Siebert, primeira brasileira a participar da expedição Ruta Inka, em 2008, experiência que voltaria a repetir em 2010.
Este sentimento de liberdade e desapego já foi provado por centenas de universitários que se aventuraram ao longo de nove expedições realizadas pelo projeto Ruta Inka, que aposta numa forma de viagem pouco convencional para aproximar jovens do mundo da cultura dos povos originários da América Latina.
Durante a travessia um grande grupo formado por estudantes, acadêmicos e artistas tem a oportunidade de visitar comunidades indígenas, sítios arqueológicos e cerimoniais, museus e parques naturais, além de receber palestras sobre temas relacionados com a história e cultura dos povos ancestrais do continente.
Vitor Taveira/Opera Mundi
Como atividade de integração, participantes da Ruta Inka jogaram futebol com comunidade de Famaillá, na Argentina
Com um percurso diferente a cada edição e a proposta de servir como universidade itinerante e embaixada cultural dos povos indígenas, a expedição visitou o Brasil pela primeira vez em 2013, finalizando uma viagem de 70 dias por seis países. Este ano foram 130 jovens de mais de 20 países, que participaram em duas etapas de 35 dias cada.
O grupo de jovens é autogerido, experiência aprovada pela professora Flora Mejía, da Universidade Nacional Autônoma de Honduras (UNAH), que participou do programa como acadêmica da área de biologia. “É uma metodologia fantástica, que permite uma verdadeira vivência em comunidade. Porém, para funcionar perfeitamente, necessita de uma seleção rigorosa para que todos os participantes sejam realmente comprometidos com o tema, o que nem sempre ocorre”, pondera.
Vitor Taveira/Opera Mundi
Equipes de finanças, medicina, comunicação, logística, recreação, e de atividades culturais e acadêmicas são formadas pelos próprios estudantes, de acordo com suas afinidades e habilidades. As condições são bastante modestas e o sucesso da expedição depende do envolvimento dos próprios viajantes.
[“Ruteiros” em Famaillá, na Argentina]
Para a colombiana Alejandra Martínez, recém-graduada em Turismo, a principal diferença é que a viagem é completamente grupal, o que envolve entender e conviver com pessoas que nunca havia visto antes. “Os lugares visitados também estão fora do circuito turístico, fomos a comunidades que nunca haviam recebido estrangeiros. Além disso, algumas universidades oferecem um apoio especialmente na parte educativa, o que também enriquece a experiência pessoal e profissional de cada um em sua área de estudo”, considera. “A forma de viajar é diferente de tudo que eu já tinha feito antes”.
Desde o manejo do dinheiro até a compra e preparação da comida, tudo fica a cargo do próprio grupo. A Ruta Inka recorre aos conceitos ancestrais indígenas para explicar seus conceitos. Ela busca funcionar como uma “minka”, sistema de trabalho coletivo realizado pelas comunidades andinas para alcançar um bem comum. A comunidade, neste caso, é um grupo heterogêneo de jovens de várias culturas e áreas de estudo. O bem comum é o trabalho para conhecer e divulgar a cultura, sabedoria e modo de vida das comunidades indígenas.
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Palavras de aventureiros
Entre participantes de mais de 20 países da América, Europa e África, a Ruta Inka 2013 contou com a presença de uma expedicionária de origem indígena. A jovem Neila Cuaspud é da etnia pasto, do sul da Colômbia, e foi a primeira de sua comunidade a realizar uma viagem internacional. “O mais importante de toda a experiência é que aprendi como os povos indígenas têm mais semelhanças que diferenças, apesar das grandes distâncias. O olhar das pessoas das comunidades me transmitia o olhar de meus avós e me davam uma grande confiança. Era como chegar em casa”, relata a indígena, que é estudante de direito.
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Participantes da Ruta Inka em um vulcão de Tacna, no Peru
Apesar das dificuldades com o idioma espanhol, o holandês Boudewijn van Eerd foi dos mais deslumbrados com a viagem. Estudante de relações internacionais, ele diz que a Ruta Inka o ajudou a decidir a direção que quer dar a seus estudos. “Pretendo fazer meu trabalho de graduação sobre a política internacional de divulgação da quinoa, alimento tradicional dos indígenas andinos”.
Outro que se destacou foi o espanhol Fernado Enríquez, estudante de Medicina e História, que mostrou grande espírito de liderança durante a viagem e se tornou um dos monitores do grupo. “O intercâmbio cultural, de valores e de formas de ver o mundo é uma das experiências mais enriquecedoras que alguém pode ter. E fazer isso ao mesmo tempo em que se busca revalorizar culturas e povos que estavam esquecidos, é incrível. É algo pelo que vale a pena lutar”, diz Enríquez.
Para a brasileira Geinne Monteiro, que estuda geografia na USP, a experiência também tem um tanto de autoconhecimento. “Aprendi muito sobre outras culturas, mas também sobre a minha cultura e sobre mim. Tudo é muito intenso, em um mês de viagem você pode fazer amizades para toda a vida, mesmo que as pessoas morem do outro lado do oceano”, diz. Ela conta que pretende usar o aprendizado da viagem em suas pesquisas na área de geografia e no grupo artístico do qual participa.
Passado e futuro
Em 2013, a Ruta Inka passou por Chile, Perú, Bolívia, Argentina, Colômbia e Brasil, iniciando no povoado chileno de Visviri no dia 21 de junho e terminando em Manaus no dia 30 de agosto. Foram duas etapas de 35 dias cada uma, com dois grupos distintos que no total somaram 130 pessoas.
O criador da expedição, o peruano Rubén La Torre, prepara um roteiro em outra parte do continente. Ele está organizando a segunda edição da Ruta Maya, que deve acontecer na América Central em 2015. La Torre espera que, daqui para frente, os jovens assumam definitivamente a liderança da expedição para que a Ruta Inka passe a ser totalmente organizada por expedicionários que já participaram da viagem em edições anteriores.