O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse que “vai lutar” contra a decisão de um juiz federal do Texas de suspender a pílula abortiva mifepristona em todo país, no mais recente episódio da batalha judicial contra os direitos reprodutivos.
Para Biden, a decisão trata-se de “uma tentativa sem precedentes de negar às mulheres liberdades básicas”.
“A minha administração vai lutar contra esta decisão”, disse o presidente norte-americano, em uma declaração divulgada pela Casa Branca.
Na sexta-feira (07/04) o juiz federal Matthew Kacsmaryk emitiu uma decisão que derruba a aprovação da mifepristona em nível nacional. Kacsmaryk ordenou a anulação da aprovação concedida ao medicamento no ano 2000 pela Food and Drug Administration (FDA), órgão similar à Anvisa. Na prática, a medida impede a prescrição do medicamento.
No entanto, Kacsmaryk, nomeado pelo governo conservador de Donald Trump, deu às autoridades federais uma semana para recorrerem da decisão.
Uma hora depois, um juiz escolhido na gestão do democrata Barack Obama no estado de Washington emitiu uma decisão ordenando que o acesso à droga fosse preservado em 17 estados. Desta forma, é provável que a questão seja levada à Suprema Corte dos Estados Unidos.
O Departamento de Justiça dos EUA anunciou já na sexta-feira que vai recorrer da decisão de Kacsmaryk. Segundo o secretário da Justiça, Merrick Garland, o governo “discorda veementemente desta decisão”, alegando que ela afeta todo o país, incluindo os estados que protegem o direito ao aborto.
O que alega o juiz
O juiz federal do Texas Matthew Kacsmaryk alega que a FDA violou o procedimento adequado ao aprovar a mifepristona e não considerou o “impacto negativo” do medicamento sobre a saúde das pessoas que o tomam.
“A FDA falhou completamente em considerar um aspecto importante do problema ao omitir qualquer avaliação dos efeitos psicológicos do fármaco ou uma avaliação das consequências médicas a longo prazo do fármaco”, escreveu o juiz no documento.
A decisão acata argumentos de uma ação movida por grupos antiaborto que alegam que a segurança da droga nunca foi devidamente estudada.
Kamala critica decisão
A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, disse que a decisão do tribunal estabelece um “precedente perigoso”.
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Decisão é o mais recente episódio da batalha judicial contra os direitos reprodutivos
“É contrário à boa política pública permitir que os tribunais e os políticos digam à FDA o que fazer”, disse Harris a repórteres no Tennessee, de acordo com a imprensa local.
A Planned Parenthood, maior rede de clínicas de serviços reprodutivos dos EUA, repudiou a decisão em comunicado, afirmando que se trata de uma “medida sem precedentes e profundamente prejudicial”.
“A decisão tomada por um juiz no Texas de bloquear a aprovação da mifepristona pela FDA é um ultraje e revela como o sistema judicial está sendo utilizado como arma para restringir ainda mais o aborto em nível nacional”, disse a presidente da Planned Parenthood, Alexis McGill Johnson.
Por outro lado, a organização conservadora Aliança em Defesa da Liberdade, que apresentou o processo que conduziu à decisão, enalteceu a iniciativa como uma “grande vitória” para médicos e associações médicas que se opuseram à aprovação da FDA.
“Ao aprovar ilegalmente medicamentos abortivos perigosos, a FDA colocou mulheres e meninas em risco, e está na hora de responsabilizar a agência pelas suas ações imprudentes”, comunicou a organização.
Aborto medicado
A mifepristona tem sido amplamente utilizada nos Estados Unidos desde 2000 e não há qualquer precedente para um juiz anular sozinho as decisões médicas da FDA. Em média, cerca de 500 mil mulheres usam a pílula anualmente.
Juntamente com o misoprostol, os dois medicamentos são conhecidos como aborto medicado. De acordo com o relatório do Instituto Guttmacher, os abortos medicados representaram 54% de todos os abortos realizados no país em 2022.
Os dois medicamentos são usados em conjunto. A mifepristona interrompe a gravidez, enquanto a segunda droga, o misoprostol, esvazia o útero. Inicialmente, eram permitidos nos EUA até a sétima semana de gestação. Em 2016, o uso foi estendido para 10 semanas de gravidez.
Novo golpe nos direitos reprodutivos
Em junho, o Supremo Tribunal dos EUA, profundamente reformulado por Trump, concedeu uma vitória histórica aos opositores do aborto ao retirar o direito constitucional de interromper uma gravidez, dando assim a cada estado a liberdade de legislar sobre a matéria.
Desde então, cerca de 15 estados já proibiram o aborto. Por outro lado, aumentou o uso do “abordo medicado”, de acordo com dados do Instituto Guttmacher.