A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou em 2022 uma resolução declarando 15 de março como dia internacional para combate à islamofobia. A violência contra muçulmanos entra no rol das violências na sociedade mundial. Países como França*, Índia e Estados Unidos estão no topo das violências sofridas pelos muçulmanos. Embora o tema tenha ganhado maior projeção a partir do 11 de setembro de 2001, o termo aparece escrito pela primeira vez na França na década de 1920 como “islamophobie” e reaparece na década de 1970.
O termo cunhado inicialmente para descrever disputas e diferenças dentro do Islam, acabou se configurando como repúdio aos muçulmanos e à sua religião.
Em 26 anos de pesquisa em comunidades islâmicas no Brasil fui acompanhando relatos de violências contra a comunidade, tendo destaque às mulheres que usam lenço (hijab). Foi possível identificar aspectos encontrados por Aziz (2022, p.4-5) sobre o processo de racialização dos muçulmanos e que vem ocorrendo de forma global, entre eles: 1) a supremacia branca/protestante 2) a xenofobia, 3) os orientalismos europeu e norte-americano, 4) e o imperialismo norte-americano em países de população majoritariamente islâmica.
E completo: 5) falta de conhecimento da religião no Brasil afeta a forma de transmissão pela mídia, escolas, etc. 6) violência online como estratégia de poder como vem explorando em estudo de doutorado de Felipe Freitas de Souza (UNESP).
Por se tratar de um tema sensível, o Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes* (GRACIAS), sob minha coordenação, considerou importante constituir um grupo de trabalho em 2019. A partir da formação desse grupo conseguimos produzir I Relatório de Islamofobia no Brasil* disponível gratuitamente na Editora Ambigrama e realizamos um evento importante em 2022 para lançamento do mesmo com a participação de pesquisadores internacionais*.
No Brasil, o relatório evidencia que são as mulheres que usam lenço (hijab) as mais agredidas principalmente em espaço público, seguido pelo espaço de trabalho, escola e casa (família). No entanto, a grande maioria não realiza boletim de ocorrência, subnotificando essas violências. Uma violência muito comum acontece dentro das casas de mulheres que se reverteram ao Islam é a não compreensão das famílias geram violências psicológicas e físicas nas mulheres que muitas vezes são expulsas de casa, abandonam o uso do lenço, ou apresentam depressão, etc.

ONU declarou 15 de março como Dia Internacional do Combate à Islamofobia
As situações como perda de emprego, puxões dos lenços em metrô, trem e outras violências físicas foram relatas por elas na pesquisa. Os homens, por sua vez, também apresentam várias outras violências como o constrangimento moral pelo pertencimento religioso, ou com o que chamamos de arabofobia, a associação de árabes muçulmanos à terroristas, é muito comum na nossa sociedade. Destaco ainda, a discriminação em concursos públicos ou vestibulares quando as mulheres muçulmanas usam lenço (hijab) essas passam por uma série de constrangimentos, a fim de realizarem suas provas.
A hijabfobia* também é outro termo que explorei, pois mulheres muçulmanas provocam imagem negativa em que estar coberta é sinônimo na nossa sociedade de opressão e não de escolha.
Em 2013 escrevi o texto: Diálogos sobre o uso do véu (hijab): empoderamento, identidade e religiosidade* para destacar que o uso da vestimenta islâmica deve ser analisado na perspectiva do empoderamento, da identidade e da religiosidade de mulheres muçulmanas. Isto não implica na separação desses conceitos, mas sim de um adensamento de perspectivas que ora misturam-se ou se separam dependendo dos sujeitos e interlocutores em questão. Há necessidade de sempre contextualizar de que mulheres estamos falando. Nem mesmo as mulheres muçulmanas desejam as mesmas coisas e tem as mesmas pautas. N entanto, é recorrente que a islamofobia ocorra sempre em relação ao uso do véu. Os sinais diacríticos sempre constituem o que chamamos de racialização das mulheres muçulmanas.
No nosso relatório apontamos que o enfrentamento da islamofobia no Brasil perpassa diversos pontos, não sendo suficiente apenas a realização de uma pesquisa que contextualize essas violências sofridas. A judicialização da islamofobia pouco resulta em algo positivo se não houver um trabalho de base em educação e divulgação da religião. É necessário parcerias entre pesquisadores, juristas, poder público, etc.
Não negar a existência da islamofobia no nosso país é um passo importante para construirmos um caminho para informar e formar melhor as pessoas sobre a religião e os muçulmanos. Se temos um dia de combate à islamofobia é porque chegamos em um momento muito delicado da comunidade muçulmana mundial.
O relatório destaca a necessidade de termos mais pessoas preparados e conscientes de que a islamofobia embasa crimes, como o discurso de ódio e a violência física, e que é necessário dar apoio às comunidades vulneráveis, principalmente às pessoas de classes sociais desfavorecidas (materialmente). Políticas públicas ligadas aos direitos humanos são fundamentais para que as crianças muçulmanas possam frequentar a escola sem ouvir, como seus pais, na infância, brincadeiras de homens bombas, terroristas, etc.
Um trabalho sistemático da mídia buscando pessoas muçulmanas para falarem sobre a religião, além de buscar pesquisadores da área de Islam para contribuir na formação de jornalistas. Questões muitas vezes perpassam um orientalismo/arabismo que não dizem respeito à religião e sim aos aspectos culturais que são diferentes de uma sociedade islâmica para outra.
Em novembro de 2023 lançamos o II Relatório de Islamofobia no Brasil*, a fim de mensurar o aumento da islamofobia pós 7 de outubro. Os dados são alarmantes e demonstram o quanto precisamos revitalizar a produção de conhecimento sobre o Islam e os muçulmanos. É impactante a revelação dada pelos muçulmanos que a mídia no geral não diferencia árabe, palestino e muçulmano. Da mesma forma que revela que qualquer evento externo que tenham muçulmanos ou árabes associados isso reverbera negativamente na nossa sociedade brasileira. A pesquisa demonstra que 25% das mulheres mudaram sua vestimenta por estarem sendo hostilizadas.
A data é um chamado ao enfrentamento de qualquer prática islamofóbica, a fim de que possamos promover o diálogo permanente com pessoas muçulmanas e suas diversas culturas imbricadas, sejam elas, asiáticas, africanas, árabes, brasileira.
Francirosy Campos é antropóloga, docente associada ao departamento de psicologia da FFCLRP/USP e do Programa de Pós em Psicologia e Antropologia da USP, coordenadora do GRACIAS – Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes, pós-doutora pela Universidade de Oxford.
* https://fra.europa.eu/sites/default/files/ar07p1_pt.pdf.
* https://www.instagram.com/grupogracias/ acesso em 14.03.23.
* https://www.ambigrama.com.br/_files/ugd/ffe057_6fb8d4497c4748f8961c92a546c5b3fc.pdf.
* https://www.youtube.com/watch?v=hM4L6ORg1Qc



* https://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/direitos-humanos/73848/hijabfobia-e-a-violencia-contra-mulheres-muculmanas-que-optam-por-usar-o-veu-islamico.
* https://periodicos.fclar.unesp.br/perspectivas/article/view/6617.
* https://religiaoepoder.org.br/artigo/islamofobia-no-brasil-no-contexto-do-conflito-israel-palestina-em-2023/?fbclid=IwAR0-_IGyfCDigBaI-fPsp6UcVWWsTloc0wcOBGXx3MqBwKMajklJVS6A6z4.