O mundo vive um colapso climático, uma crise internacional de segurança, uma extensa crise do modelo econômico capitalista neoliberal e abalos profundos da democracia-liberal como instituição. Tal cenário internacional é fruto do caos promovido pela política externa dos Estados Unidos em tentativa de enfrentar e frear a já determinada queda hegemônica.
O governo Biden optou por reativar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e intensificar as zonas de tensão do mapa geopolítico. Foi essa movimentação que escalou a tensão entre Rússia e Ucrânia, levando a guerra que já dura mais de dois anos. Assim, para compreender a Guerra da Ucrânia, é necessário colocar na perspectiva de um conflito geopolítico de complexidade internacional.
Um momento importante a se destacar são os protestos de Euromaidan (2013-2014), quando em novembro de 2013, manifestantes pró-europeus ocuparam a Praça da Independência (Maidan Nezalezhnosti), em Kiev. Esse levante ocorreu após o então presidente ucraniano Viktor Yanukovych suspender um acordo de associação com a União Europeia e aprovar políticas em favor de laços mais estreitos com a Rússia. Ou seja, foi construído um cenário de disputa de influência entre Rússia e Ocidente.
É importante lembrar que o território da Ucrânia historicamente sempre esteve em disputa, em especial com a Polônia. O país se tornou completamente independente em 1991, após a dissolução da União Soviética, e passou a ter o território atual.
Outro ponto importante é que os protestos de Euromaidan se somam a outros levantes no mundo, inclusive ao nosso conhecido Junho de 2013. Por isso, devemos compreender essas desestabilizações como resultados de políticas imperialistas dos EUA, que utilizaram plataformas digitais para inflamar e influenciar as pautas domésticas de importantes países.
Nas regiões da Ucrânia, onde a população étnica russa é mais significativa, esses protestos evoluíram para conflitos armados entre forças ucranianas e separatistas pró-russos, como ocorreu em Donetsk e Lugansk.
O governo ucraniano acusou a Rússia de fornecer apoio militar aos separatistas. Em 2014 eclodiu de fato a guerra no leste da Ucrânia e marcou o início da tensão bélica e disputa de fronteira.
Já em 2022 ocorreram novas ameaças de movimentações das bases da OTAN para a Ucrânia, ameaçando a soberania territorial russa. Rapidamente as narrativas políticas escalaram e, em março do mesmo ano, a Rússia adentra o território ucraniano com a chamada operação especial militar de desnazificação.
Com amplo apoio internacional à Ucrânia, diversos países adotaram sanções contra a Rússia, movimento sem precedentes por parte da comunidade internacional. Entretanto, o Ocidente não conseguiu efetivar um bloqueio econômico e de forma rápida a Rússia reorganizou seu comércio internacional e inclusive suas formas de pagamento internacional com moedas alternativas ao dólar.
Em setembro de 2022 a Rússia realizou referendos para anexação ao território russo em importantes regiões: Lugansk, Donetsk, Zaporíjia e Kherson. Grande parte dos países alinhados aos EUA não reconheceram esse processo e a imprensa internacional, sem provas, deslegitimou essa ação do governo russo. Mas o fato mais importante desse momento político foi que, a partir desse processo, essas regiões foram consideradas parte do território nacional da Rússia, portanto deixava de ser uma operação na Ucrânia, e passava a ser uma guerra entre os países.
Palestina: o colapso da humanidade e da teoria do Direito Internacional e Direitos Humanos
Além da guerra entre Rússia e Ucrânia, com grande influencia da OTAN, em 2023 o governo de extrema direita de Benjamin Netanyahu deu início a um explícito genocídio contra os palestinos, um assassinato em massa com objetivo de exterminar e eliminar territorialmente a Palestina. Analisando o conflito na perspectiva do cenário geopolítico internacional, é relevante lembrar que Israel representa a política externa dos EUA no Oriente Médio e mais uma vez, é responsável pelo envio de armas e dinheiro para sustentar esse conflito.
Ou seja, a promoção de um conflito extremamente bélico mais uma vez aquece setores da economia que os EUA possuem um grande poder: o militar.
Dentro da perspectiva política e ideológica é preciso assumir que vivemos uma profunda crise dos direitos humanos e do direito internacional instaurada pela política genocida de Israel com apoio dos EUA. Dessa forma, os organismos multilaterais, como a ONU e o Conselho de Segurança, se mostram mais uma vez obsoletos sob as novas dinâmicas do mundo caótico de disputa hegemônica.
O presidente Lula tem sido um importante líder na denúncia do genocídio e alerta sobre a ineficiência da governança securitária global. Diversas operações militares não passaram pelo Conselho de Segurança da ONU (Iraque, Líbia, Síria e Gaza por algumas vezes), e foram impostas pelos governos dos EUA, o mesmo que trava os mecanismos de atuação do órgão.
É fundamental nos somarmos ao presidente Lula e defender a reforma do Conselho de Segurança da ONU, a criação de uma nova estrutura mais diversa e que promova a capacidade de articulação dos novos atores do sul global, dos até então excluídos do processo decisório da estrutura de poder internacional.
Também destacamos que será impossível harmonizar as assimetrias de uma nova ordem multipolar sem repensar na arquitetura financeira global, a arquitetura securitária e a política de ciência e tecnologia.
O novo mundo multipolar deve ser construído pela juventude
O atual cenário internacional é instável, belicoso e imprevisível, com diferentes atores e um cenário de disputa da realidade política futura do mundo. De um lado, existem os EUA e seus aliados, que buscam adiar a perda de poder hegemônico do mundo ocidental. De outro, nasce um mundo multipolar, com definições ideológicas em aberto, construída por países em ascensão econômica e com forte poder regional, como os atuais membros dos BRICS: África do Sul, Brasil, Rússia, Índia, China, Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã.
Esse mundo, em disputa hoje, promove uma guerra tradicional em completo impasse, um genocídio sob os olhos da comunidade internacional e diversos focos bélicos e desestabilização política como Taiwan, Essequibo e a criação da Aukus.
O tempo e a dinâmica desse mundo é ditado pela indústria bélica e especulação do capital financeiro. E qual o país que tem mais ganhado com isso?
União da Juventude Socialista/Twitter
A União da Juventude Socialista historicamente defende como um dos seus pilares a atuação internacionalista
Obviamente a resposta são os EUA, na sua incansável tentativa de desaceleração da perda de poder econômico e político. Não é por acaso que hoje os Estados Unidos são o maior fornecedor de petróleo bruto para a União Europeia (UE), antes a Rússia era o principal parceiro de petróleo do bloco, respondendo por até 31% das importações totais até o final de janeiro de 2022, segundo a Eurostat.
Além disso, conseguiu desarticular a aliança energética entre Alemanha e Rússia do gasoduto Nord Stream 2, de 1.200 quilômetros, um megaprojeto de US$11 bilhões que foi interrompido após ataques que destruíram sua estrutura.
É evidente que as atuais transformações do cenário internacional têm se escalado rapidamente e sido dominadas pela dinâmica bélica, militar e de segurança – essa tem sido a aposta do governo dos EUA. Porém, é preciso destacar que a queda hegemônica dos EUA não significa que ele deixará de ser um país de forte poder econômico, político e bélico, mas que deixará de ser o único país a deter e liderar todos os setores de poder político, ideológico, bélico e econômico, deixa de ser o único e disputa espaço com novos atores.
Na teoria de Relações Internacionais, a definição de hegemonia é a supremacia de um país nos principais poderes: econômico, militar e cultural. Com o início da guerra da Ucrânia e a imposição das sanções contra a Rússia, abriu-se caminho para o fim de um poder hegemônico determinantes dos EUA, o padrão-dólar. A tentativa de bloqueio econômico dos EUA contra a Rússia fracassou, pois o país conseguiu driblar este ataque e se aproximar de forma ainda mais profunda com a China, tanto economicamente, quanto politicamente.
Nesse momento, se acelera a configuração de um mundo multipolar, porém não há garantias de que esse mundo será pacífico e mais igualitário, é por isso que cabe a nossa juventude disputar os sentidos da multipolaridade.
Qual o papel da União da juventude Socialista do Brasil (UJS) no Festival Mundial da Juventude da Rússia?
A cidade de Sochi, na Rússia, receberá entre os dias 1 a 7 de março o Festival Mundial de Juventude, com a participação de jovens de 180 países e uma programação com discussões temáticas importantes para o futuro da nossa sociedade. Os temas como: diversidade, justiça social, igualdade e meio ambiente serão debatidos por milhares de jovens, com diferentes experiências e visões do mundo. Podemos interpretar que há uma vontade política russa em influenciar por meio do soft power (poder brando) a interpretação da juventude mundial do novo mundo multipolar.
A União da Juventude Socialista historicamente defende como um dos seus pilares a atuação internacionalista, um princípio estruturante para uma organização de caráter socialista como a nossa, pois compreendemos que entrelaçar a luta contra o imperialismo, capitalismo, as desigualdades, opressões e pela emancipação dos povos é uma necessidade que ultrapassa as fronteiras dos territórios nacionais.
A tarefa internacionalista também cumpre o papel de representação da política pacífica e diplomática do Brasil. Participar de uma delegação internacional é uma atuação política que podemos chamar de diplomacia de base: o internacionalismo dos movimentos populares.
Diplomacia representa o papel soberano de poder observar outro contexto político e ter um olhar crítico sobre qualquer evento e, por isso, defendemos que a autonomia é imprescindível para a tarefa internacionalista. E é sob esta perspectiva que nossa delegação atuará no Festival. Lembrando inclusive o auge da política externa brasileira com Celso Amorim e Lula: PEX altiva e ativa.
Somos a juventude anti-imperialista e socialista que acredita na necessidade da paz entre os povos e a criação de uma sociedade socialista alternativa ao capitalismo. Neste sentido, ao longo de nossa história nos organizamos para participar de diversos fóruns internacionais plurais com o objetivo de incidir sobre os debates realizados a partir da ótica que guia nossa atuação, a do internacionalismo socialista. Por este motivo, a UJS Brasil organizou uma delegação de jovens socialistas de diferentes estados brasileiros para participar do Festival Mundial da Juventude e opinar politicamente sobre aspectos que hoje são cruciais para a juventude e diversos povos do mundo.
É dever da nossa delegação representar o Brasil e observar a atual realidade da Rússia, tendo o privilégio de compreender as intensas mudanças políticas sem o viés da imprensa liberal. Participar do Festival vai ser uma oportunidade de construir uma diplomacia de base real com diversas juventudes que serão os principais atores de construção do mundo multipolar.
Hoje há um vazio de articulação política internacional de jovens em nível global, da juventude que busca a multipolaridade, pois, atualmente, o internacionalismo é ditado pelo poder dos Estados e agentes transnacionais de capital. O novo mundo multipolar tem que ser construído pela juventude do Sul Global, com o olhar da nossa juventude sob o futuro do mundo.
É necessário ainda demarcar a posição da América Latina, pois nos somamos as juventudes latino-americanas anti-imperialistas e revolucionárias na defesa da paz, construção de um mundo multipolar mais harmônico, menos hostil e belicoso. A integração da América Latina e Caribe e onde promova a paz entre os povos e guerra apenas entre as classes.
(*) Amanda Harumy é secretária executiva da Organización Continental Latinoamericana y Caribeña de Estudiantes, doutoranda do PROLAM, na Universidade de São Paulo (USP), e diretora de Relações Internacionais na Associação Nacional de pós-graduandos.
(*) Rafaela Elisiario é mestra em Memória Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e diretora de Relações Internacionais da UJS.