A recém criada Comissão de Verdade e Reconciliação em Honduras já provoca um intenso debate no país centro-americano, cenário de um golpe de Estado que destituiu o presidente Manuel Zelaya em junho de 2009. O impasse reside sobre uma das cláusulas da iniciativa: todos os documentados coletados na investigação deverão permanecer sob segredo por 10 anos.
Instituída na terça-feira (13/4) por meio de decreto assinado pelo presidente Porfirio Lobo, a comissão será formalmente instalada em 4 de maio. O objetivo, segundo revela um trecho do documento, é o de esclarecer “os acontecimentos antes, durante e após o dia 28 de junho de 2009”, a fim de identificar as ações que levaram à crise que atualmente divide a sociedade hondurenha.
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A comissão ordenará livre acesso a informações de autoridades e instituições públicas e poderá solicitar entrevistas com pessoas que julgue convenientes. Dentre as responsabilidades está a “formulação de diretrizes para o estabelecimento de um método de pesquisa com todos os setores políticos, institucionais, da sociedade civil, pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras”.
A responsabilidade de “identificar e separar os documentos e materiais, numa base confidencial” ficará a cargo de uma entidade, que não poderá revelar o conteúdo por 10 anos e, quando o prazo for cumprido, os documentos passam a fazer parte da Biblioteca Nacional.
Reações contrárias
Para Agurcia Mery, coordenadora do COFADEH (Comitê de Familiares de Detidos Desaparecidos em Honduras), “a decisão é absurda e é a primeira vez que isso acontece durante o processo de instalação de uma Comissão da Verdade na América Latina”.
Em entrevista ao Opera Mundi Agurcia argumentou que não faz sentido esconder esses resultados por tanto tempo, “especialmente quando a Comissão pretende se apresentar como um grande passo para a reconciliação no país”, disse.
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“Essa comissão é letra morta, porque não contém o mínimo de princípios necessários”, disse ao Opera Mundi Bertha Oliva, também do COFADEH. “Que interesse poderia haver de esclarecer a verdade, colocando um prazo de 10 anos para o conhecimento dos resultados? É óbvio, nenhum”, afirmou Oliva.
Para a defensora dos direitos humanos, há uma grande diferença entre as palavras daqueles que fazem parte da Comissão e suas verdadeiras intenções, “porque eles são em sua maioria pessoas que não estão comprometidos com a defesa dos direitos humanos”. Além disso, não faria sentido formar uma comissão como essa “enquanto o país continua enfrentando uma situação de conflito generalizado e grave violação dos direitos humanos”.
De acordo com dados fornecidos pela COFADEH ao Opera Mundi, após a posse do presidente Porfirio Lobo cerca de 11 pessoas relacionadas com a resistência foram mortas por grupos paramilitares e há centenas de casos de violação dos direitos humanos.
“Essa comissão é mais uma tentativa de encobrir o que aconteceu no ano passado, e para lavar o rosto dos golpistas frente à comunidade internacional. Aqui não se busca a verdade, mas sim como justificar os atos de criminosos, e não podemos permitir isso “, concluiu Oliva.
“Não seremos inquisidores”
O ex-vice-presidente da Guatemala, Eduardo Stein, nomeado coordenador da Comissão da Verdade, disse a repórteres que a iniciativa “não pretende ser um órgão inquisitorial, mas sim esclarecer os fatos em torno da destituição do presidente (Manuel) Zelaya” e encontrar “elementos que reforcem a reconciliação.”
Ele também alertou que a Comissão “não vai submeter à avaliação pública os avanços atingidos”, pois somente será divulgado o relatório final, num prazo de oito meses, prorrogável se necessário.
Finalmente Stein informou que o relatório deveria fornecer “recomendações construtivas para fortalecer o desenvolvimento institucional e democrático”, bem como a defesa e garantia dos direitos humanos no país.
Além do ex-vice presidente da Guatemala, a Comissão será composta pelo ex-presidente da Corte Suprema do Peru, María Zavala Amadilia Valladares e o diplomata canadense Michael Kergin.
Além disso, duas personalidades de Honduras farão parte da comissão: o ex-reitor da UNAH (Universidade Nacional Autônoma de Honduras), Jorge Omar Casco e a atual reitora liderança Julieta Castellanos. Atuará como secretário técnico o sociólogo hondurenho Sérgio Membreño.
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