Enquanto a atenção do Brasil está voltada para a catástrofe que atinge o Rio Grande do Sul há mais de duas semanas, outros países vivem tragédias semelhantes.
Indonésia, Afeganistão e Quênia são exemplos de nações que vêm sofrendo com chuvas torrenciais e enchentes há dias, deixando centenas de mortos e centenas de milhares de desabrigados. Segundo especialistas em meio ambiente, esses fenômenos são agravados pelo mesmo fator: as mudanças climáticas e as ações do homem.
A diretora de clima e energia da ONG WWF Espanha, Mar Asunción, explica que “episódios específicos” como o do Brasil não podem ser vinculados exclusivamente à mudança climática porque “os desastres naturais são influenciados por outras características locais”, como o desmatamento e a degradação dos ecossistemas, e até mesmo internacionais, como o aquecimento do Oceano Pacífico equatorial oriental fenômeno conhecido como El Niño.
No entanto, segundo ela, “o que as mudanças climáticas fazem, e isso já foi mais do que demonstrado, é transformá-las em uma tendência, aumentando a frequência e a intensidade desses episódios extremos, e é isso que estamos vendo em diferentes partes do planeta, onde, por serem mais repetitivos, seu impacto é consequentemente maior”.
Fernando Valladares, pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas da Espanha, acrescentou que esses eventos se devem principalmente ao fato de que os oceanos não são mais capazes de armazenar o calor que chega e é produzido pela Terra e sua troca com a atmosfera, o que favorece fenômenos meteorológicos globais “que estão além dos modelos e das previsões científicas habituais”.
São verdadeiras “bombas de calor para as quais já alertávamos no ano passado” e que neste ano se somam a outras circunstâncias, como erupções vulcânicas, e “não é um problema que possa ser resolvido em um dia”, pois “é um estágio mais prolongado que afeta especialmente as regiões equatoriais e tropicais”.
Enchentes na África
Na África, Quênia, Burundi, Tanzânia e Somália foram afetados por volumes de chuvas sem precedentes, atingindo quase um milhão de pessoas. Muitas delas tiveram que abandonar suas casas, em meio a danos significativos em moradias, escolas e infraestruturas, bem como perda de colheitas e gado.
Várias famílias foram forçadas a buscar refúgio em estruturas improvisadas ou abrigos. A situação agravou ainda mais a vida das mulheres e das crianças, que já enfrentam elevados níveis de discriminação no acesso a serviços e recursos de proteção, bem como vulnerabilidade à violência, ao abuso e à exploração.
Ao longo da última década, as alterações climáticas intensificaram as condições meteorológicas extremas na África Oriental e Austral, como a seca prolongada no Quênia, na Etiópia e na Somália de 2020 a 2023, seguida de graves inundações desde o final do ano passado.
Na Somália, mais de 160 mil pessoas foram afetadas pelas últimas cheias, dois terços das quais são crianças.
No Quênia, as enchentes deixaram quase 300 mortos, 75 desaparecidos e 190 feridos, além de cerca de 285 mil pessoas afetadas, de acordo com o Ministério do Interior do país africano.
Na Tanzânia, ao menos 155 pessoas morreram nos últimos dias devido a inundações e deslizamentos de terra.
A longa estação chuvosa na África Oriental, de março a maio, foi intensificada pelo El Niño e, embora as previsões apontem para uma redução gradual das chuvas, o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (Ocha) lançou um alerta para o risco de novas inundações devido aos altos níveis de umidade.
Enchentes na Ásia
No Afeganistão, segundo o Ministério de Refugiados do regime Talibã, o número de mortos pelas inundações é de 350, além de mil pessoas feridas no desastre. Mais de 8.800 construções foram total ou parcialmente destruídas nos últimos dias em um país particularmente vulnerável a eventos climáticos extremos, após décadas de conflito armado.
Na Indonésia, as autoridades estimam em mais de 50 o número de mortos nas recentes enchentes, que também deixaram cerca de 20 pessoas desaparecidas em Sumatra Ocidental, no oeste do arquipélago, onde enchentes e deslizamentos de terra também já haviam causado 26 mortes e deixaram quase 79 mil desabrigados em março.
As últimas inundações causadas por chuvas fortes foram agravadas pela liberação de lava fria do vulcão Marapi, que entrou em erupção em dezembro do ano passado, matando outras 23 pessoas.
No Oriente Médio, os Emirados Árabes Unidos têm sofrido com temporais desde abril, que vêm afetando a receita petrolífera. As chuvas também atingem a vizinha Arábia Saudita, deixando carros submersos, pessoas ilhadas, estradas bloqueadas e aulas suspensas.
No Rio Grande do Sul, o número de mortos pelas enchentes chega a 148, e 124 pessoas seguem desaparecidas. Mais de 1,4 milhão de pessoas foram diretamente afetadas, com mais de 500 mil desalojados (hospedados nas casas de parentes ou amigos) e mais de 80 mil em abrigos.