Matéria atualizada no dia 17 de junho de 2024, às 18h27, com a resposta da diretora do CEJ
Duas organizações divulgaram nesta terça-feira (11/06) notas acusatórias contra a entrevista publicada no dia anterior pelo Centro de Estudos Judaicos (CEJ), ligado à Universidade de São Paulo (USP), com o ex-parlamentar e ex-ministro israelense Ze’ev Begin, representante da extrema direita em seus país.
Os comunicados foram difundidos pela Rede Universitária de Solidariedade ao Povo Palestino e pelo Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino da USP.
As duas notas de repúdio se referem à entrevista com Begin que foi ao ar no Youtube nesta segunda-feira (10/06), em uma realização do CEJ, com apoio da Academia Judaica e da Congregação Israelita Paulista (CIP), com o título “Terror Fundamentalista Islâmico: Ameaça Letal à Democracia”, o que foi considerado pelas organizações de apoio à causa palestina como uma proposta “racista e islamofóbica”.
Segundo a nota de repúdio da Rede Universitária de Solidariedade ao Povo Palestino, o título do vídeo do CEJ da USP “gera um medo infundado ao islamismo e aos muçulmanos que vivem integrados e de forma pacífica no Brasil.
“Definitivamente, os muçulmanos não representam qualquer ameaça à democracia brasileira. No entanto, o título enseja a ideia de ‘medo maior’ que supostamente paira sobre todos nós”, acrescentou a nota.
Já o Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino da USP afirmou que “o caráter islamofóbico e racista” do evento é “notório e evidente pelo próprio título”, declarando que reforça a “mentira propagada pela propaganda sionista sobre o ‘direito de defesa’ de Israel, taxando qualquer resistência palestina como ‘terrorismo’”.
Entrevistado polêmico
As principais críticas, contudo, foram sobre a escolha do entrevistado: Ze’ev Begin foi ministro de Estado israelense em três ocasiões – a última delas em 2015 – e é filho de Menachen Begin, que foi premiê de Israel entre 1977 e 1983, mas que também é recordado por ser um dos líderes do grupo paramilitar de extrema direita Irgun, nos anos 40.
Sob a liderança de Menachen Begin, o Irgun cometeu “atentados utilizando métodos considerados como terroristas, de inspiração nazi e fascista”, segundo uma carta aberta publicada pelo jornal The New York Times no dia 4 de dezembro de 1948, que foi assinada por diversos intelectuais judeus, incluindo Albert Einstein e Hannah Arendt.
Para o Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino da USP, Ze’ev Begin foi um político sionista e se afirma um sionista nacionalista liberal, “favorável a que o Estado racista de Israel mantenha o controle sobre a Palestina ocupada”. “Portanto, sua palestra é propaganda sionista que taxa a resistência palestina para defender suas vidas, suas terras e o direito de retorno como terrorismo”, diz a nota.
A entrevista com Begin foi conduzida por Suzana Chwarts, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, além de diretora do CEJ. O vídeo contou com uma tradução simultânea das declarações do convidado – no entanto, vários trechos da entrevista, que foi realizada em videoconferência, ficaram sem tradução devido a problemas de áudio, segundo a própria mediadora.
Entre os trechos traduzidos se destacam o momento em que ele menciona uma suposta entrevista de um líder do Hamas de anos atrás, a tradução simultânea afirma que seria uma fala para “um canal russo que transmite em idioma árabe”, mas não especificou qual seria este canal, no qual esse suposto líder do Hamas teria afirmado que o objetivo do grupo é “a aniquilação de Israel”.
Declarações polêmicas
Durante a entrevista (link aqui para assistir na íntegra), em uma de suas primeiras intervenções, Begin diz acreditar que “estas organizações terroristas fundamentalistas são 0,1% do que seria o mundo islâmico, portanto nós deveríamos evitar o nome usado por muitos políticos, de que seriam terroristas islâmicos, isso está errado porque uma parte dos muçulmanos não fazem parte desses movimentos, eu prefiro falar sobre o terror exercido por muçulmanos fundamentalistas”.
Entretanto, e apesar da tradução simultânea estar bastante cortada, percebe-se que boa parte das declarações posteriores de Begin busca criminalizar práticas islâmicas, no que parece ser uma forma de demonstrar certa barbárie dos dogmas religiosos muçulmanos – ou de determinados grupos muçulmanos. Não fica claro o porque e nem o áudio original é completamente compreensível nem a tradução é clara o suficiente.
Em um desses relato (a partir do minuto 29), o político israelense narra uma suposta cena em que um grupo islâmico promove o apedrejamento até a morte de uma mulher que teria sido acusada de adultério e que teria dito concordar com a punição sofrida antes de ser submetida a ela. Segundo depois, ele faz alusão a que uma lei desse tipo é considerada aceitável no Irã.
No minuto 35, Begin fala de uma suposta citação do Alcorão – capítulo 23, 56, segundo a tradução simultânea – que, segundo ele, justificaria o estupro de prisioneiras por parte de membros de grupos islâmicos. A declaração serviu para sustentar que o Hamas estaria praticando violência sexual contra os reféns que o grupo capturou no dia 7 de outubro de 2023.
“Nós temos razões para acreditar que esses crimes aconteceram e continuam acontecendo, tudo sob esta lei islâmica fundamentalista”, afirma o entrevistado.
Pouco depois, o político sionista admitiu que “os judeus e os cristãos cometiam atrocidades como esta (apedrejamento de mulheres) no passado, mas nós já nos movemos para longe disso (dessas práticas)”. O trecho, ao menos como é traduzido, dá a entender que ele considera que o islamismo ou parte dele defende essas práticas.
Em uma das perguntas, a professora Suzana Chwarts afirma que “a linha entre civis, terroristas e jornalistas (que atuam em Gaza) está muito embasada”. Logo, ela afirma que um dos jornalistas que supostamente cobre o conflito teria abrigado reféns do Hamas.
Na resposta a essa pergunta, Begin justifica a ocupação israelense na Cisjordânia ao dizer que “não sei porque as pessoas preferem a ignorância (sobre a ocupação israelense em territórios palestinos), mas eu vou dizer da seguinte maneira: as pessoas acreditam que podemos simplesmente deixar a (região da) Judeia e Samaria (Cisjordânia) e fazer um acordo com os palestinos, com a autoridade palestina e com as pessoas, mas só há uma possibilidade, ou Israel vai ficar com a Judeia e Samaria (Cisjordânia) ou o Hamas e o Irã vão ficar com ela”.
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Ze’ev Begin, durante entrevista promovida pelo Centro de Estudos Judaicos da USP
Resposta de diretora do CEJ
A reportagem de Opera Mundi entrou em contato com o Centro de Estudos Judaicos da USP, e obteve resposta da própria diretora do CEJ, professora Suzana Chwarts.
Segundo ela, “o CEJ, como Centro Acadêmico da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, reúne professores, alunos e pesquisadores os mais diversos, cada qual com suas opiniões e visões. Por sua natureza acadêmica, o CEJ-USP não tem, nem poderia ter, qualquer tipo de posição. Por isso mesmo, ofereço-lhe a minha visão pessoal, no intuito de contribuir para o equilíbrio e objetividade da matéria”.
Em seguida, Chwarts afirma que “em minha opinião, temos em pauta dois assuntos urgentes: denunciar o fundamentalismo e diferenciá-lo do Islã. Um exemplo concreto, da vida real, distante dos desvarios teórico-ideológicos da Academia. Quando a professora doutora. Suah Saleh, da Universidade de Al-Azhar no Cairo, vem à rede de televisão egípcia Al-Hayat para pregar que o Islã permite aos homens muçulmanos estuprarem mulheres não-muçulmanas, prisioneiras de guerra em seu poder, deveríamos denunciá-la como fundamentalista?”.
“Ou deveríamos esperar até o Hamas colocar esse princípio em prática, quando, aos gritos de Allahu akbar, perpetraram as mais selvagens atrocidades sexuais contra moças indefesas em seu poder, em um festival de música, e quando continuam a abusar sexualmente de moças e rapazes mantidos cativos em seu poder até o dia de hoje em Gaza? Que o leitor seja o árbitro”, completou a acadêmica.
Leia a íntegra da nota publicada pelo Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino da USP:
Todo repúdio ao evento racista e islamofóbico da USP com um representante do sionismo!
Como denunciado pela juventude Sanaud, o evento promovido hoje (10/06/2024) pela Universidade de São Paulo intitulado “Terror fundamentalista islâmico: ameaça real a democracia”, contou com a presença de Ze’ev Begin, sionista e filho do miliciano terrorista Menachen Begin, um dos responsáveis por diversos massacres, crimes e assassinatos cometidos pela gangue sionista Irgun, e que chegou a ocupar cadeiras no Estado de Israel.
Ze’ev Begin foi político sionista, ocupou cadeiras como parlamentar no Knesset e ministérios, e se afirma um sionista nacionalista liberal, favorável a que o Estado racista de Israel mantenha o controle sobre a Palestina ocupada e à mentira do “direito de defesa” do ocupante e colonizador. Portanto, sua palestra é propaganda sionista que taxa a resistência palestina para defender suas vidas, suas terras e o direito de retorno como terrorismo. Já seu pai, Menachen Begin, foi primeiro-ministro do Estado terrorista e racista de Israel, cargo que ocupou continuando o papel que cumpriu como responsável por carnificinas, expulsões em massa e limpeza étnica pela milícia Irgun, na qual foi líder.
O caráter islamofóbico e racista do evento transmitido é notório e evidente pelo próprio título, e que reforça a mentira propagada pela propaganda sionista sobre o “direito de defesa” de Israel, taxando qualquer resistência palestina como “terrorismo”. Instituições sionistas, como a Congregação Israelita Paulista (CIP) e a Academia Judaica, que representam diretamente o Estado de Israel, além do Centro de Estudos Judaicos da USP (CEJ), são corresponsáveis pelo caráter discriminatório do evento. Essa atividade por si só constitui uma normalização da barbárie contra os povos árabes (em especial o povo palestino), da perseguição religiosa, e representa o completo oposto do que uma universidade deveria produzir e disseminar como conhecimento.
Um evento como esse é repudiável em todos os níveis, passível de escracho, incabível para uma universidade que preza pela liberdade acadêmica, sem desconsiderar que racismo e preconceito religioso vão contra esse último preceito. Salientamos aqui também a insustentável comparação entre antissionismo e antissemitismo, acusação da qual comumente se utiliza para criminalizar aqueles que denunciam as atrocidades de Israel. É repudiável que a nossa Universidade assine como “realizadora” de um evento como esse. Exigimos que a USP se retrate imediatamente, e que abra uma investigação acerca do evento, para que os fatos sejam apurados e o ocorrido não volte a se repetir. É preciso que a USP rompa imediatamente os todos os seus convênios com as universidades israelenses, cúmplices do genocídio em curso através da produção de conhecimento e tecnologia que estão a serviço dessa barbárie, além da ocupação ilegal e colonizadora de territórios palestinos.
As universidades não podem ser lugar daqueles que apoiam massacres, racismo e discriminação religiosa. Não podem ser cúmplices de genocídio e apartheid. O Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino da USP (ESPP-USP) vem a público externalizar o repúdio a este evento e reafirmar que irá continuar travando a batalha dentro e fora dos muros da USP contra todas as formas de opressão, dentre elas o sionismo – esse sim, uma grave ameaça às liberdades democráticas e aos povos oprimidos e explorados do mundo, como temos visto continuamente nas últimas décadas, e em especial nos últimos meses.
USP EM DEFESA DO POVO PALESTINO!
POR UMA USP LIVRE DE GENOCÍDIO E APARTHEID!
Leia a íntegra da nota publicada pela Rede Universitária de Solidariedade ao Povo Palestino:
Com grave espanto e preocupação, recebemos a informação sobre a realização na USP de uma palestra, promovida pelo Centro de Estudos Judaicos, intitulada “TERROR FUNDAMENTALISTA ISLÂMICO: ameaça letal à DEMOCRACIA” (caixa alta no original, como mostra a imagem abaixo).
Fica evidenciado que o título desse evento promove a islamofobia na medida em que comenta uma identificação automática e indevida entre a religião islâmica, o fundamentalismo, e o terror, como se “terror” e “fundamentalismo” fossem características exclusivas do islamismo ou como se elas pudessem definir e resumir a “essência do Islã”. O título sugere ainda a ideia de “ameaça” desse mesmo “Islã” (“terrorista”) à “Democracia”, aqui formulada de forma abstrata, sem definir localidade, país ou contexto social.
Semelhante título gera, assim, um medo infundado ao islamismo e aos muçulmanos que vivem integrados e de forma pacífica no Brasil.
Definitivamente, os muçulmanos não representam qualquer ameaça à democracia brasileira. No entanto, o título enseja a ideia de “medo maior” que supostamente paira sobre todos nós.
A disseminação de estereótipos anti-islâmicos gera desconfiança e temor, contribuindo para isolar os muçulmanos brasileiros da comunidade brasileira em geral, gerar ódios, culpabilizações infundadas, e expor suas vidas a perigo.
Neste sentido, o título do evento nada tem de acadêmico. Deve ser, pois, veementemente denunciado pelo seu caráter islamofóbico e nefasto para a convivência pacífica entre os muçulmanos e demais brasileiros no Brasil.
Este episódio apenas revela a correção das iniciativas de membros da comunidade acadêmica da USP que defendem a ruptura de convênios dessa universidade com o Estado de Israel (jamais com os acadêmicos judeus!) até que este Estado aceite a autodeterminação do povo palestino e o fim do regime de apartheid em toda a região.
Finalmente, saudamos todas as atividades que reúnam pesquisadores muçulmanos e judeus, brasileiros, palestinos e israelenses, entre outros, em debates acadêmicos francos e críticos, na defesa dos direitos humanos e do direito à autodeterminação nacional do povo palestino.
Na defesa dos direitos humanos, contra a islamofobia, o antissemitismo e demais formas de ódio racial!
Pelo direito à autodeterminação nacional do povo palestino!