Eles vão para as ruas munidos com bandeiras da Alemanha, flores e cartazes. Neles, estão escrito coisas como: “feche as fronteiras, Merkel” e, entre os seus gritos, estão frases como “Somos o povo” (antigo slogan usado nos protestos que ajudaram a derrubar o Muro de Berlim, no final dos anos 80).
Bem vestidos e de classe media, eles são os membros da AfD (Alternative für Deutschland – Alternativa para a Alemanha) um partido politico eurocético, de direita, criado em 2013. O partido é chamado de nazista por seus oponentes mais radicais e é abertamente contrário à presença de imigrantes e refugiados na Alemanha. Junto com o Pegida (sigla do alemão para “Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente”, grupo de direita radical criado em 2012 no leste da Alemanha), eles se opõem à presença de imigrantes e refugiados no país.
Fotos: Nina Lemos/Opera Mundi
Nacionalistas do AfD fazem protesto em Berlim, em frente à sede da CDU, partido de Angela Merkel
No momento, quando o total de refugiados recebidos na Alemanha esse ano pode chegar a um milhão, eles estão mais fortes do que nunca. Praticamente todas as semanas, a AfD vai para as ruas de Berlim fazer um protesto. No dia 7 de novembro, ela colocou nas ruas mais de 5.000 pessoas. Mas, o que a AfD quer?
“Eu pago impostos!”
“Estou aqui para proteger meus filhos, sou mãe, eu pago impostos. Você pode olhar aqui em volta, somos todos trabalhadores. Estou preocupada com as crianças alemãs. O que é isso, vamos receber todos os refugiados do mundo? E as nossas crianças?”, a frase é de Ana (nome fictício), uma administradora de empresas de 34 anos presente em uma das manifestações da AfD.
Bem vestida, séria, ela prefere não dar seu nome nem a cidade onde mora: “escreve que é uma vila perto de Berlim.” A administradora, junto com seus companheiros de passeata, é completamente contra a entrada de refugiados no pais. “Não existe controle, todos falam que não tem documentos. Você acha mesmo que são todos refugiados de guerra? Não acha que existem infiltrados terroristas no meio?”
Cartaz na parede, de tom antifascista: “Sem lugar para racistas em Berlim: AfD no Spree!', diz texto
A manifestação onde Anna está presente, em frente à sede do CDU (União Democrata Cristã) em Berlim, o partido da chanceler Angela Merkel, é cercada por policiais que fazem uma barreira. Do outro lado da rua, atrás de uma grade para que não haja conflitos, estão os “gegen” (do alemão “contra”): ir contra a manifestação, se opor. Eles são representantes de grupos de apoio a refugiados e membros dos principais partidos da Alemanha: CDU, SPD (Partido Social-democrata da Alemanha), Piratas, Die Linke (A Esquerda), Grüne (Verdes) e antifascistas.
Os “gegen” estão presentes em todas as manifestações da AfD e do Pegida. Eles tentam gritar mais alto e, em alguns casos, impedir que os fascistas se manifestem. Na maior manifestação do AfD neste ano em Berlim, eles eram cerca de mil e gritavam a plenos pulmões: Nazis raus, nazis raus!” Say it loud, say it clear, refugees are welcome here” (Nazis fora, nazis fora! Diga alto, diga claro, refugiados são bem vindos aqui!).
NULL
NULL
Cercados pela polícia, que garante o direito de manifestação, os membros da AfD se empolgam e aplaudem os policiais. “Um, dois, três, viva os policiais!”. Do outro lado da barreira, o grito é mais forte: “Pegida e AfD, nacionalistas no Spree” (rio que cruza Berlim).
A Alemanha está dividida. E a esquerda (e os especialistas) olham assustados para números impressionantes, como a manifestação do Pegida que reuniu 25 mil pessoas em Dresden no mês passado.
Cartaz do AfD agradece à Hungria pela “proteção ao ordenamento jurídico europeu”; país barrou entrada de refugiados
“Eles estão usando o que se chama de ‘Crise dos Refugiados’ para crescer. Acontece que chamar de crise é produzir um escândalo para causar pânico na população. Fazer escândalo sobre a entrada de refugiados é uma estratégia, pois faz até pessoas que não são contra os refugiados ficarem preocupadas. E os políticos começam a levar esse medo a sério, com medo de perder votos. Mas o que há de sério sobre a ‘preocupação’ de que os refugiados da Síria podem estuprar nossas crianças? Isso não é sério. Isso é racismo”, diz o cientista politico Martin Fries, da Freie Universität (Universidade Livre de Berlim).
Clima nazista
“Eles estão abusando do direito da democracia, abusando”, diz, assustada, uma advogada de 65 anos presente a uma manifestação contra a AfD. Ela tem nas mãos um cartaz onde está escrito: “continue firme, Merkel!”. “Nunca pensei que um dia estaria aqui apoiando a Merkel, nunca na minha vida, nunca votaria no CDU. Mas estou aqui para defendê-la porque ela falou publicamente contra o Pegida e isso foi muito simbólico!” A advogada vê o aumento dos grupos de direita na Alemanha com extrema preocupação.
“Meu pai nasceu em 1918. Ele viveu o nazismo. Ele me contou o que aconteceu antes e é igual o clima que está acontecendo agora, estou apavorada! Como eles podem estar na rua propaganda o racismo?”, questiona.
Ao seu lado, a artista Judith Ensger concorda. Ela carrega um cartaz com a frase “With a litte help for my friends” (‘com uma pequena ajuda para os meus amigos’, inspirado pela música dos Beatles) feito por sua filha de 11 anos, presente com ela na manifestação. “Eu vim aqui com a minha filha para que ela aprenda desde cedo que a gente tem que defender a democracia e ser contra o racismo. Estou aqui para mostrar para ela que o racismo é inaceitável. E que aquelas pessoas lá do outro lado são racistas”, ela diz, apontando para os manifestantes da AfD.
Show de selfie
“Isso esta crescendo porque a Merkel fez essa palhaçada desse show, tirando selfies com refugiados, Essa foi a desculpa perfeita que eles precisavam para crescer”, diz uma ativista do movimento Woman Space, durante uma reunião do seu grupo. Enquanto discutia ações de educação para mulheres refugiadas na Alemanha, ela lamenta: “e o que acontece? As pessoas de esquerda na Alemanha, que apoiam os refugiados, estão muito ocupadas. Temos que ajudar os refugiados, brigar com o governo [que vem endurecendo as politicas de aceitação dos refugiados] e enfrentar os fascistas. É muito trabalho. Mas acho que temos que fazer uma manifestação grande, nossa, mostrar que temos força também.”
A AfD também se opõe a Merkel, mas por razões contrárias, por achar que ela não é forte o suficiente contra os refugiados e que, por isso não protege o país. Na última manifestação, eles levaram cartões vermelhos para pedir para Merkel parar de aceitar refugiados.
E o que a Alemanha pode fazer para conter o grito nacionalista? “No surgimento do Pegida, os políticos alemães fizeram a coisa certa, levaram eles a sério. E os chamaram do que são: racistas. Mas nessa época eles eram 8.000. Agora, são 25 mil. E temos também os 5.000 apoiadores da AfD. E os políticos estão levando isso a sério. Mas é um perigo. Eles podem implementar pensamentos racistas na sociedade civil de novo. Pensamentos que eram tabus até alguns anos atrás. Isso tem que ser levado muito a sério”, diz Martin Fries.