Hanin Zuabi é uma árabe-israelense (palestinos que permaneceram em Israel após a criação desse Estado) membro do Knesset, o Congresso israelense. Com 43 anos, ela é símbolo de uma nova geração de liderança política para os palestinos de Israel. É a primeira mulher árabe a ocupar tal posto e é hoje a mais popular. Parte do sistema político, ela se arrisca a falar contra o que lhe dá base: o caráter judaico do Estado.
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Hanin Zuabi, de origem palestina, conseguiu se eleger para uma vaga no parlamento israelense, onde luta pela libertação nacional
Até agora teve sucesso, mas seus dias no Knesset podem estar contados. Em seis meses, haverá eleições gerais em Israel e a direita já avisou que entrará na Justiça para que o Balad (Partido Nacional Democrático) não possa concorrer. Zuabi será um dos principais alvos. “O problema é o sistema legal discriminatório de Israel ser pouco abordado na arena internacional. O fato de não ter uma Constituição, de não ter fronteiras definidas, de ter 30 leis (como de união civil e confisco de terras) que legitimam um Estado de privilégio aos judeus”. O próprio Benjamin Netanyahu, em 2010, igualou aqueles que questionam o caráter judaico de Israel a uma ameaça tão perigosa quanto o Hizbollah e o Irã.
Além disso, ela esteve no Mavi Marmara, o barco de bandeira turca que tentou entrar em Gaza em 2010, mas foi interceptado pelo exército israelense e teve nove de seus membros mortos. O historiador Ilan Pappe dedicou as seguintes linhas a Zuabi em seu “Os palestinos esquecidos – a história dos palestinos dentro de Israel”: “O tempo dirá se a articulada e impressionante nova membra do Knesset Hanin Zuabi (…) representa o futuro devido a seu excelente hebraico e um conhecimento íntimo do que significa ser um israelense, ou então se ela também será derrotada por um Estado e um público que ainda acreditam, no século XXI, que é possível criar um Estado judeu em meio ao mundo Árabe”. Ela esteve em São Paulo como parte da divulgação do Fórum Social pela Palestina, que irá ocorrer em novembro, em Porto Alegre. Leia a seguir a entrevista do Opera Mundi com Hanin.
Hanin Zuabi: O problema é termos que ser leais a um Estado judaico. Somos como fantasmas. Metade dos palestinos está abaixo da linha de pobreza, somos 7,6% dos membros do governo e 2% dos funcionários públicos. Perfazemos 1% do setor privado e 0,5% de setores de alta tecnologia. O Estado israelense diariamente nega direitos de educação, de infraestrutura, de desenvolvimento, de ter seu emprego, os filhos estudando em universidades… A opressão faz com que se sinta palestino, pois você é oprimido por ser palestino. Israel confisca sua terra por ser palestino. Mas essa opressão não pode convencer você de que merece menos do que aqueles que migraram.
OM: Você é membro do Knesset israelense. Como palestina, o que você pode fazer, quais os limites do que pode ser feito?
HZ: Eles querem colocar um limite a isso, querem deslegitimar o que a nós é permitido, como falar da contradição entre sionismo e democracia. A direita disse que ter nosso partido (fundado em 1995) no Knesset foi um erro, ainda mais depois do Marmara. Eles acusam a Suprema Corte por ter nos deixado participar das eleições, mas dizem: “vamos corrigir este erro”. Se acontecer, vamos boicotar e pedir que todos os palestinos dentro de Israel boicotem a eleição. Se eles não querem o Balad, então não vão ter nenhum partido árabe no Knesset. E vamos ao mundo dizer que é um parlamento judeu puro.
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OM: Mas você não legitima o sistema? Israel argumenta que é uma democracia porque tem membros árabes no Knesset…
HZ: Eu preferiria não estar lá, mas estou porque devo usar todos os instrumentos que o sistema me dá. Eu acredito nos meios democráticos, ainda que não seja um Estado democrático. Hoje, posso dizer o que digo e ser tachada de inimiga do Estado. Mas os partidos sionistas irão tentar me desqualificar, ou seja, há limite na democracia israelense. Você tem liberdade de expressão desde que fale de igualdade sem desafiar a essência do Estado, o seu caráter judeu. Assim que você diz que Israel como um Estado judeu é excludente e privilegia os cidadãos judeus, viramos ameaças estratégicas ao Estado, como disse o chefe da inteligência de Israel em 2007. E disse: “vamos persegui-los”. Isso é um sinal de que há uma contradição entre a democracia e a definição judaica do Estado.
Reprodução/Knesset
OM: Em Israel, há uma pequena quantidade de organizações judaicas críticas ao Estado, algumas delas antissionistas. Há representatividade política destes grupos?
HZ: Não há partidos antissionistas. Nós podemos cooperar com os partidos da esquerda sionista contra a expansão de assentamentos, leis racistas, a favor do direito de trabalho de mulheres palestinas, em questão de igualdade econômica entre cidadãos judeus e árabes. Mas, quando falamos a eles que o racismo é parte da definição judaica do Estado, eles discordam. Dirão:“Israel pode ser judeu e democrático ao mesmo tempo”. Eles têm menos problemas com o Partido Comunista, até mesmo consideram a Coalizão Islâmica mais moderada do que o Balad.
(Foto oficial de Hanin Zuabi no arquivo do parlamento israelense)
OM: Você falou de “reconstruir o movimento nacional palestino”. Qual a conexão entre a luta dos palestinos em Israel e a dos palestinos nos Territórios Ocupados Palestinos?
HZ: Nos consideramos parte da luta nacional palestina. Durante a Segunda Intifada, nos identificamos com o que acontecia na Cisjordânia e a polícia israelense matou 13 palestinos durante protestos. Somos parte da luta contra a ocupação. Não é apenas uma luta por igualdade entre eu, como cidadã, e o Estado de Israel, mas eu como palestina e nativa da terra. Por isso fiz parte do Marmara, pois é nossa responsabilidade acabar com o cerco à Gaza. Não acredito que devemos dividir a luta, os palestinos de 48 (Israel) lutam por igualdade, os da Cisjordânia pelo fim da ocupação, de Gaza pelo fim do cerco e os refugiados pelo direito de retorno. Isso é surreal, é dividir o povo e acabar com nossa luta.
OM: Qual a luta do Balad? Qual o campo para debater a solução de um Estado em Israel?
HZ: Em nosso programa político, há um parágrafo em que sugerimos dois Estados democráticos, mas deixamos espaço aberto para outras soluções. Temos essa solução base, mas não fechamos a porta. Para nós, o importante são valores, não fronteiras. Nós lutamos por justiça e igualdade, não importa se em dois ou um Estado. Mas, concordo com você, nossa posição política deveria ser mais clara. No entanto, tenho medo de que quando você se torna tão obsessivo em relação à solução de um Estado, esquece a ocupação. Ela deve estar no centro de nossa agenda.
OM: Na Cisjordânia, há um descontentamento com a liderança. Isso ocorre com os palestinos de Israel?
HZ: Acho que estamos em situação melhor do que os territórios nessa questão. Mas acho que precisamos ser mais criativos em nossa política, manipular a massa de jovens, como foi a revolução no Egito. Precisamos de novo sangue. Foi o que o Balad fez depois dos Acordos de Oslo, pois entrávamos em uma nova época. Na época, sentíamos que estávamos contra Oslo, contra a OLP (Organização pela Libertação da Palestina, liderada por Yasser Arafat), contra Israel, contra nosso povo. E as pessoas nos diziam quando estabelecemos o Balad: “agora estão falando de nacionalidade, agora que Oslo foi estabelecido?! Agora vocês estão falando de unificação? Não é o momento. Parem!” Mas nós não ouvimos e tivemos sucesso. E agora precisamos fazer isso de novo.