A questão da segurança e de como combater a violência que levou Honduras ao posto de país mais violento do mundo, ocupou em grande medida a agenda político-eleitoral do candidato governista, Juan Orlando Hernández. Sua receita tem sido muito clara: o país vive uma emergência e, se quisermos que os níveis de violência diminuam, necessitamos dos militares nas ruas para proteger a população.
Leia especial sobre eleições em Honduras
Efe (18/11/2013)
Forças armadas hondurenhas escolam saída de material eleitoral. Candidato governista defende presença de militares nas ruas
Este conceito de militarizar a segurança pública, unido a um crescente enfraquecimento das instituições do Estado, cujo controle está quase totalmente nas mãos do partido do governo e de seu candidato presidencial, despertou uma profunda preocupação em vários setores da sociedade e do mundo acadêmico.
Leia mais:
É hora de reverter o golpe de Estado, diz candidata à Presidência de Honduras
Honduras foi laboratório para novo tipo de “golpe institucional” no Paraguai
Leticia Salomón, socióloga e professora/pesquisadora de Defesa e Segurança do Departamento de Ciências Sociais da UNAH (Universidade Nacional Autônoma de Honduras) disse a Opera Mundi que a forte campanha midiática promovida por Juan Orlando Hernández, além de ter o objetivo de ganhar votos brincando com o medo das pessoas, se insere em uma dinâmica de militarização da sociedade e da restituição de um papel de protagonista às Forças Armadas.
Opera Mundi: Honduras vive uma situação dramática em relação à violência e à segurança. Qual sua análise a esse respeito?
Leticia Salomón: Temos em Honduras uma taxa de homicídios que é quase 10 vezes maior que a média de normalidade da OMS (Organização Mundial de Saúde), fixada em 8,8 para cada 100 mil habitantes. Nós temos 10 cidades em que essa taxa sobe para 200 homicídios para cada 100 mil habitantes.
Leia mais:
Quatro anos após golpe, Honduras sofre com altos índices de violência e impunidade
Defenderemos os votos também nas ruas, diz candidato à vice-presidência de Honduras
Essa situação soma-se a uma forte debilidade do Estado de Direito, onde as instituições do sistema de Justiça, junto com a polícia, enfrentam uma crise muito forte de legitimidade e sofrem acusações muito graves de corrupção, ineficiência e falta quase absoluta de aplicação das leis.
A crise de legitimidade e de credibilidade do Estado de Direito ficou fortemente evidente durante o golpe de Estado de 2009 e foi se agravando durante os últimos anos por causa da crescente proliferação de armas no país, e pela falta de visão clara da administração da questão da segurança e da violência por parte dos partidos políticos.
Essa falta de visão levou os partidos políticos a delegar a segurança pública aos militares, militarizando a função policial e aumentando a insegurança da população que, na maior parte dos casos, é percebida como um inimigo e não como algo que tenha de ser protegido.
Giorgio Trucchi/Opera Mundi
xxx
Todos esses elementos juntos são uma combinação explosiva que coloca em sério risco a paz social e a sustentação da democracia. Frente a uma crise profunda da institucionalidade de um país, são os militares que se fortalecem.
OM: A campanha eleitoral do candidato governista Juan Orlando Hernández foi marcada pela questão da segurança pública. Qual a sua opinião?
LS: O candidato colocou a militarização da segurança pública como o foco de sua campanha e isso significa não apenas colocar os militares nas ruas para tentar ganhar votos brincando com o medo das pessoas, mas também criar novos corpos de elite. Exemplo disso são os “Tigres” – um híbrido anormal porque combina polícia de investigação, forças-tarefas e de ataque.
Leia especial sobre situação do campo hondurenho:
Na Honduras pós-golpe, movimentos sociais tentam evitar volta do latifúndio
Camponeses hondurenhos perdem o controle das terras nos anos 1990
Após acordo com governo, hondurenhos querem reforma agrária “integral”
A nova PMOP (Polícia Militar da Ordem Pública), à qual querem dar validade constitucional, é o exemplo mais claro de como se espera que os militares desempenhem funções que são próprias da polícia. Ter nas ruas gente que está formada pra atacar e aniquilar o inimigo é uma verdadeira ameaça para a segurança.
Estamos presenciando, então, uma verdadeira manipulação da campanha eleitoral por parte do candidato governista e ex-presidente do Congresso. Com essa estratégia, que implica também em um ataque direto e em um discurso ideologizado contra o partido Libre (Liberdade e Refundação) e sua candidata, Xiomara Castro, Hernández está tentando ganhar o voto duro do Partido Nacional, o voto indeciso — que nas últimas quatro eleições tem sido determinante para a vitória final — e o voto daqueles setores recalcitrantes que apoiaram o golpe de Estado.
Se este candidato ganha as eleições, nos preparamos para uma recuperação total dos espaços institucionais que os militares perderam em 1995 com o início da reforma militar.
OM: De quais espaços estamos falando?
LS: Estamos falando de instituições como as telecomunicações, a Marinha e imigração, de ministérios-chave como o de Defesa e de Segurança, mas também da subordinação da polícia às Forças Armadas e do controle total da segurança pública. O risco é que a diferença entre o respeito ao Estado de Direito e a violação do mesmo seja cada vez estreita, até desaparecer.
Leia mais:
América Central se remilitariza para a “guerra contra as drogas” imposta por Washington
Organizações: remilitarização da América Central provocou mais mortes e violência
“Guerra contra as drogas” é um fracasso, diz diretora do Programa das Américas
Escola das Américas traduz política externa dos EUA, diz fundador do SOA Watch
Nesse sentido, é prioritário intervir para definir muito claramente a diferença entre segurança e defesa, a separação entre a polícia e as Forças Armadas e a condução civil e democrática dessas instituições.
Temos de ir fundo no conteúdo da formação que eles estão dando aos polícias. É necessário transformar completamente todo o sistema de formação dos policiais. Só assim teremos oficiais que não vejam as pessoas como inimigos que precisam ser reprimidos, mas como cidadãos que têm de ser defendidos.
OM: Em um encontro de meios internacionais, Hernández assegurou que essas medidas extremas se devem à situação de emergência vivida hoje pelo país, e que sua estratégia é baseada, sobretudo, na questão da prevenção.
LS: Entre os políticos, há uma grande falta de conhecimento sobre a questão da segurança. No caso dele é ainda pior, porque colocou a questão nas mãos de militares que não têm nem ideia dos alcances desse tema tão fundamental.
OM: Em várias ocasiões, o candidato governista expressou: “Vou fazer o que tenha de fazer para erradicar a delinquência”. Como você interpreta essa declaração?
LS: Foi um deslize muito forte da parte dele e é uma clara ameaça à cidadania. Isto é, vai combater a insegurança como queira, passando por cima do Estado de Direito, dos direitos humanos, varrendo tudo desde que consiga resultados. Isso é muito perigoso e tem um selo de autoritarismo.
OM: Há setores da sociedade que veem a presença de militares nas ruas como um elemento de contenção da delinquência e da insegurança. Você acredita que com esta estratégia Hernández está somando votos?
LS: Há um setor que acredita mesmo nisso, mas há outro setor da população que viveu o que quer dizer ter os militares nas ruas reprimindo o povo. Vai ser difícil, senão impossível, convencê-los a votar em um candidato que é sócio dos militares.
OM: Qual é o papel que os Estados Unidos tiveram na crescente militarização da sociedade hondurenha?
LS: Os EUA mantiveram uma política clara, isto é, cuidam dos seus interesses, como a luta contra o narcotráfico ou a presença hegemônica na região. Lidaram com a questão das armas e do financiamento militar baseando-se na conjuntura e nos seus interesses do momento. Lamentavelmente, nossos políticos têm a culpa de não haver promovido nunca uma política nacional frente aos Estados Unidos. Não somos seu sócio, somos seu empregado.
NULL
NULL