Atualizada em 10/01/2016 às 6h
Em 10 de janeiro de 1929 nasce um herói destinado a ser uma celebridade planetária: Tintim. E não podemos dissociá-lo de seu cão fiel, um fox terrier que responde ao delicado nome de Milu.
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O criador dos dois personagens foi o desenhista belga Georges Remi (1907-1983), mais conhecido pelo pseudônimo Hergé, derivado de suas iniciais “R” e “G”.
Redator-chefe do Petit Vingtième, suplemento juvenil do jornal católico “Le Vingtième Siècle”, tinha somente 21 anos quando publica sob forma de folhetim as aventuras de “Tintim no País dos Sovietes”. Porém, ele já havia inventado muitos personagens, entre eles o pequeno Totor, destinado a uma revista de escoteiros.
De repente, Hergé põe em cena um jovenzinho sem rudeza de caráter, confrontado com as desgraças do mundo. O jovem repórter é desse modo levado, em sua primeira aventura, a visitar a União Soviética.
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O castelo de Cheverny, que serviu de inspiração para o Castelo de Moulinsart, cena de muitas histórias do jovem jornalista
Hergé, que trabalhava numa revista muito engajada à direita, não fazia mistério de suas opiniões anti-comunistas e aproveitou para denunciar a ditadura stalinista e a mostrar o contrário das aparências.
O sucersso chegou rapidamente. Quando a Bélgica foi ocupada pelo exército nazista em 1940, o cartunista continuou a trabalhar como se nada houvesse. Publica quadrinhos diários no “Le Soir” de Bruxelas.
Identificado como colaboracionista dos nazistas de primeira linha, Hergé ficou por breve tempo preso logo após a libertação do país e deveu a seu talento e a numerosos simpatizantes o fato de ter escapado de uma sanção mais pesada.
Histórias
Ao longo dos álbuns, 22 no total, Tintim se destaca nos quatro cantos do planeta, tocando em alguns conflitos e desafios sociais, entre eles a escravidão e o tráfico de escravos negros (em “Coke en stock”), a colonização da África (“Tintin au Congo”), e o isolamento do Tibete (“Tintin au Tibet”).
“O Cetro de Ottokar” (1938) é manifestamente inspirado no Anschluss (anexação da Áustria) que ocorre no mesmo ano. Revela-se aí um partido denominado “Guarda Aço”, que evoca a Guarda de Ferro de Corneliu Codreanu, na Romênia, e cujo chefe se chama Musstler, nome composto de Mussolini e Hitler.
“A Orelha Rota” (1935) traslada a Guerra do Chaco entre Paraguai e Bolívia (1932-1935) para o papel. No álbum, os dois países tornam-se respectivamente Novo Rico e San Theodoros. Hergé toma conhecimento por leitura da revista francesa “Crapouillot” dos interesses petrolíferos anglo-saxões como desencadeador de guerras.
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A primeira versão de “Tintim no País do Ouro Negro”, publicada em 1939, refere-se claramente ao mandato britânico numa Palestina onde judeus e árabes já se confrontavam. O engajamento político de Hergé é ainda mais nítido em “O Lotus Azul” (1934), em que se apoia sobre o incidente de Mukden (1931) para desenvolver toda uma retórica anti-japonesa.
Em “A Estrela Misteriosa” (1947), o autor faz uma alusão discreta ao marechal Philippe Pétain e a seus discursos de resignação por meio de um retrato de um profeta da desgraça, Philippulus.
Presente em diversos albuns, o caro Professor Girassol é o retrato escrachado de um sábio lunático e bastante popular de seu tempo, Auguste Piccard (1884-1962), inventor do batiscafo.
Evoluindo com seu tempo sem jamais envelhecer, o repórter encerra sem envelhecer seu ciclo de aventuras com uma guerrilha latino-americana: “Tintim e os Pícaros”. A imagem final deste álbum é um piscar de olhos desabusado à triste realidade política. Mostra os guerrilheiros, uma vez conquistada a vitória, retomando os maus costumes do ditador deposto.
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De acordo com a opinião de muitos fãs, o mais exitoso dos álbuns é “As Joias de Castafiore” que tem a particularidade de não se basear em nenhuma história real mas somente na convicção da corpulenta cantora de que suas joias foram roubadas.
Polêmicas
Muitas de suas obras são alvo de polêmica e contestação. A mais criticada é Tintin au Congo (publicada no Brasil como Tintim na África), em que ele é acusado de racismo, por retratar os congoleses de maneira preconceituosa e alvos fáceis de manipulação de colonizadores europeus e brancos. Em 2012, a Justiça belga negou em primeira instância uma ação movida por um imigrante congolês contra a circulação do livro em escolas. Bienvenu Mondondo alega considera a história ofensiva aos congoleses, afirmando que seu conteúdo faz “apologia da colonização e da supremacia da raça branca sobre a negra”. Como alternativa à proibição, ele havia proposto que cada revista tivesse um aviso ou uma explicação no prefácio sobre o contexto da época, como é o caso da edição britânica.
Em um livro-entrevista publicado pela editora Casterman (que publica suas obras) em 1989, Hergé admitiu que, na época da história original, desenhou os congoleses com o espírito e os preconceitos da época, refletidos como “pensamento católico e burguês”. No entanto, defendeu que o livro fosse lido e interpretado em seu devido contexto histórico. Hergé também admitiu ter exagerado nos clichês e preconceitos em outras obras, como em Tintim na Terra dos Sovietes.
Além da Bélgica, a obra já despertou polêmica em países como Reino Unido, França, Suécia, Dinamarca e Estados Unidos, onde diversos órgãos e autoridades públicas solicitaram sua retirada do mercado ou uma recontextualização.
Por decisão de Hergé, confirmada por seus herdeiros, o casto herói em roupas de golfe não teria outras aventuras em quadrinhos. Para muitas crianças de 7 a 77 anos, Tintim e Milu permanecem como a melhor ilustração fictícia da história do século XX.
Quanto ao cinema, só houve medíocres adaptações, com exceção de Indiana Jones, de Steven Spielberg, inspiradas em Tintin, conforme testemunho do próprio realizador. Spielberg, entretanto, jamais ficou satisfeito com essas metamorfoses. Ganhou duramente o direito de adaptar a obra de Hergé e Tintin encontrou vida nova nas telas dos cinemas em 2011, sob a forma de um filme de animação.
Também nessa data:
1776 – Pensador inglês Thomas Paine publica Common Sense
1863 – É inaugurada em Londres a primeira linha de metrô do mundo
1920 – Nasce a Liga das Nações, predecessora da ONU
1984 – Ex-presidente argentino Bignone é preso por crimes da ditadura