“Meu país serve como cobaia nesse momento. É vitima dos especuladores do sistema financeiro internacional, que querem um povo oprimido e submisso. Um povo que deixe a circulação de capitais funcionar livremente, sem qualquer interrupção e obstáculo. O mais importante para os credores do meu país não é ter seu dinheiro de volta: querem é aprofundar as reformas políticas para baratear a mão de obra, acabar com os direitos dos trabalhadores ao mesmo tempo em que aumentam suas obrigações”.
Divulgação
Sakorafa: credores querem aprofundar as reformas para acabar com os direitos dos trabalhadores
Com esse apelo, a deputada independente grega Sofia Sakorafa expressou o sentimento de seu país face à dura crise refletida nesta quarta-feira (05/10). O país mediterrâneo é tomado por uma greve geral que se opõe às medidas de austeridade exigidas pela Troika (Fundo Monetário Internacional, União Europeia e Banco Central Europeu) para que o país consiga receber empréstimos e tenha solvência até o fim do mês e, quem sabe, até o resto do ano.
Conhecida ativista e ex-campeã olímpica no lançamento de dardo, ela participa da a terceira edição do Seminário internacional Latino-Americano: Alternativas de Enfrentamento à Crise, na sede do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), em Brasília.
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O custo intangível do fracasso europeu
No mesmo momento em que a Grécia explodia em protestos, o grupo de especialistas apoiava publicamente os movimentos sociais do país europeu para que rejeitem o pacote de recessão e que exijam pagar somente as parcelas que, de fato, lhes digam respeito. O objetivo do evento é mostrar a importância e conscientizar os governos, especialmente os dos países mais endividados, a realizarem uma auditoria completa para recalcular o valor de suas respectivas dívidas públicas, cujo valor total consideram ter sido exageradamente inflado, de forma ilegal, por operações especulativas globais.
“A crise da dívida não começou agora. É a mesma iniciada em 2008, só que travestida. Ela não acontece porque os funcionários públicos da Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha, e mesmo da França, Alemanha, EUA e Brasil são espetacularmente bem remunerados. Ou porque as políticas sociais, educacionais e de saúde desses países são excelentes. O problema não é o gasto primário. A dívida pública cresceu, entre outras razões, pelos governos não terem deixado bancos e fundos de investimento quebrarem, como deveriam ter feito. Assumiram suas dívidas e de lá para cá assumiram o mico. E nós pagaremos a conta”, explicou o professor de Economia da UFF (Universidade Federal Fluminense) Marcelo Carcanholo.
Em sua exposição, de forma bem didática, explicou que o Brasil não está imune à crise e que esta, muito mais do que financeira, é uma crise do próprio capitalismo, como uma forma social de convivência. “Não é que o capitalismo vá acabar. Essas crises são cíclicas e fazem parte do jogo. O capitalismo possui uma forma processual dinâmica que lhe dá uma maleabilidade para construir novas formas de capital. E se readequa mantendo seu conteúdo”.
Vitor Sorano/Opera Mundi
Touissant: a crise deverá chegar à Espanha, Itália, França e, em breve, na Bélgica
Militância
Presidente do CADTM (Comitê pela Anulação da Dívida no Terceiro Mundo), o belga Éric Toussaint advertiu para o que considera um clima de euforia dos países emergentes, conclamando-os a tomarem medidas fortes para se prepararem para a crise. Para isso, deveriam copiar o exemplo equatoriano que, em 2008, adotou a moratória parcial e obteve êxito.
“O Brasil tem aproximadamente 350 bilhões de dólares em reservas. Portanto, melhores condições do que o Equador tinha em 2008 para dizer: não, senhor! Não pagarei dívida ilegítima. Quando seus vizinhos fizeram isso, tinham um nível de reserva considerado graças à alta no preço do petróleo. Por isso não enfrentou situação de represália financeira. Seus credores não reclamaram, pois sabiam que o Equador tinha argumentos jurídicos a seu favor”, lembrou.
“Por isso, 91% deles aceitou a proposta do governo em vender para eles bônus podres com 20% do valor original. O país não teve de enfrentar tribunais internacionais por causa disso. O que mostra que, mesmo um pequeno país, pode tomar a decisão firme de enfrentar mercados. Se o Brasil fizer a auditoria e repetir o exemplo dos equatorianos, também deverá ter sucesso, como já fez Getúlio Vargas nos anos 1930. Mas não acredito que será o governo Dilma a repetir isso”, disse o politólogo.
Para Toussaint, a Europa é o epicentro atual da crise com níveis de volume de endividamento muito mais altos do que a AL e outros países emergentes em décadas anteriores. E crê que, após os países menos ricos, ela deverá chegar à Espanha, Itália, França e, em breve, na Bélgica.
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“Como pagar? Agora, acredita-se que deve-se cortar gastos sociais. Foi o que fizeram os partidos de centro-esquerda em toda a Europa. O PASOK na Grécia, o PSOE na Espanha, o OS português, o Labour. Esses dois últimos antes de darem a vitória à direita. Pagar a dívida pública é resultado de uma política ilegítima, da política fiscal neoliberal de reduzir impostos de ricos e empresas. E também houve transferência da dívida privada dos bancos aos tesouros públicos como ocorreu com Brasil e México no fim dos anos 1990 e Pinochet em 1981. financiar o endividamento público que aumentou sem tamanho a partir de 2008. A UE passa agora pelo que a América Latina sofreu por décadas. Por isso defendemos a auditoria”, afirmou.
Estrela indignada
Sofia Sakorafa, primeira parlamentar a se levantar contra o primeiro pacote de austeridade imposto aos gregos em 2010, lembrou dos exemplos dos latino-americano que, por décadas, tiveram de lutar contra a recessão causada pelos excessos ortodoxos da dívida pública. “Nosso povo passa não apenas por um momento difícil em nível econômico, mas também político, social, de dignidade e de valores. Foi um choque vermos, de um momento para outro, ruir a economia e a vida. Mas a solidariedade entre os povos é nossa arma, por ela vale a pena resistir”.
A indignação pela qual tem passado o povo grego se refletiu até mesmo no discurso do convidado que deveria ser o tom mais apaziguador. O embaixador da Grécia no Brasil, Dimitri Alexandrakis, fez questão de lembrar que não são os gregos os culpados pela crise.
“Nossa dívida corresponde a apenas 3% da dívida do euro. E nossa economia representa 2,5% da União Europeia. Portanto, está muito claro que a Grécia só não pode criar tantas dificuldades pras economias europeias e mundial. A crise é muito mais geral. Atinge os EUA, a UE. Estamos tomando medidas muito difíceis para o povo grego e, ao mesmo tempo, o governo tenta tomar medidas para a economia crescer e gerar mais empregos. Não temos somente más notícias. Nossas exportações, por exemplo, aumentaram cerca de 40% só nesse ano”.
Por fim, o diplomata lembrou a presidente Dilma Rousseff em seu discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, realizada no último dia 23, em Nova York. “Os problemas nos países desenvolvidos não ocorreram por causa de falta de recursos financeiros. Mas por falta de recursos políticos e clareza de idéias. A presidente colocou a crise nas suas dimensões certas”, afirmou.
“A economia mundial esta ameaçada por uma prepotência incrível do capital financeiro dominante na Europa. E a Grécia hoje virou um símbolo do sacrifício que essa prepotência impõe aos povos. Esta é um crise acima de tudo política com aparência de ser financeira. É uma luta pelo poder. Quem manda no mundo? Os governos eleitos pela população ou os credores das dívidas de todos nós? – já que tratamos aqui de dívidas públicas internas e externas. É uma crise desnecessária e, por isso mesmo, precisa ser evitada”, disse o economista Paul Singer, presente à abertura do evento.
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