A recente vitória do PP (Partido Popular, conservador) sobre o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol, de centro-esquerda) pela maior margem histórica desde a redemocratização do país pode, aparentemente, simbolizar o domínio da direita sobre a preferência dos eleitores espanhóis. Entretanto, um olhar mais aprofundado sobre os números da votação, realizada no último domingo (20/11), mostra que as forças de esquerda e também para os partidos nacionalistas – em especial, os bascos — tem motivos para comemorar.
Mesmo que ainda polarizem a política espanhola, PP e PSOE tiveram uma queda em sua representatividade no Congresso. Juntos, os dois partidos somaram 296 deputados (de um total de 350). Em 2008, ano da última eleição, totalizavam 323 membros. A vitória do PP, portanto, ocorreu menos por uma preferência da população, e mais por uma transferência de votos dos eleitores que optaram por punir a administração do socialista José Luiz Zapatero pela crise financeira e o desemprego que atingem o país.
Efe
O Partido Socialista, de Zapatero, foi o principal derrotado das eleições do último domingo
Enquanto isso, legendas menores tiveram um crescimento significativo. Quem mais se destacou foi a IU (Izquierda Unida, ou Esquerda Unida, em português), que subiu de dois para onze representantes. Apesar de ter ficado em terceiro lugar, com 6,92% do total (ante 3,77% de 2008) o partido terá menos representantes que o CiU (Convergência e União, nacionalistas catalães e de corrente democrata-cristã), que obteve 4,17% dos votos no total, mas terá 16 representantes, em razão do voto distrital.
Outro partido que chamou atenção foi a coalizão Amaiur, que representa a esquerda nacionalista basca. Em sua primeira disputa, obteve sete representantes na câmara e três senadores, tornando-se a principal força política do País Basco.
Amaiur e Izquierda Unida têm em comum o fato de terem conseguido superar as diferenças de grupos ideologicamente próximos à mesma causa e, dessa maneira, terem passado suas propostas de maneira mais sólida ao eleitor espanhol, em um momento que este busca alternativas ao sistema bipartidário de fato alternado por PP e PSOE.
Alternativa
Criada em 1986 pela união de diversos partidos de esquerda, como o PCE (Partido Comunista Espanhol), a IU se apresentou como uma alternativa de esquerda à administração socialista e acabou capitalizando votos de muitos integrantes do movimento popular “Indignados”, que eclodiu no país em maio e, de forma pacífica, pedia uma renovação política e democrática no país. A legenda já apoiava diversas das bandeiras do movimento: mudanças na lei eleitoral, troca do sistema 100% distrital para proporcional, apoio à taxa sobre transações financeiras.
O partido também abrigou alguns dos principais líderes do movimento, como Alberto Garzón, 26, economista, membro do movimento anticapitalista Attac. “PSOE e PP baseiam suas campanhas no medo. Os votos da IU são alicerçados na esperança”, disse Garzón, que acabou eleito deputado por Málaga.
O líder do partido é o agricultor e sindicalista Cayo Lara, que assumiu em 2008 e deteve um período de doze anos de declínio eleitoral. Foi com Lara à frente que, ao fim de 2008, a IU deu início a um processo de convergência programática com outras correntes políticas e sociais, chamada de “refundação de esquerda”. O objetivo era, a partir dessa ação, iniciar uma frente ampla alternativa ao capitalismo.
Wikicommons
Vitória do PP não ocorreu por seus méritos, mas pelos erros do PSOE, diz Cayo Lara, da Izquierda Unida
Apesar dos bons resultados, Lara não mostrou otimismo em relação aos rumos do país em uma conferência de imprensa realizada na última segunda-feira (21/11). ”Não foi uma boa notícia a vitória arrasadora do PP. A IU vai confrontar as políticas do novo governo, especialmente os ataques a negociações coletivas (de trabalhadores), a privatização de serviços públicos e a continuação da política de cortes injustos para redução do déficit”, alertou.
Lara não crê na formação de uma aliança de oposição com os socialistas: “Se o PSOE mantiver sua política e projeto conservadores, será difícil encaixa-lo em nossa proposta de esquerda alternativa no futuro”. Para Lara, a vitória do PP “não se deu por mérito próprio, mas pela política negativa e conservadora adotada pelo PSOE para enfrentar a crise.”
A IU foi prejudicada nesta eleição pelo sistema eleitoral semelhante ao distrital que tanto ela critica. Além de sugerir uma ampliação dos atuais 350 membros da Câmara baixa para 400, o partido quer uma distribuição que leve mais em conta a proporção geral dos votos. Se esse sistema tivesse sido aplicado em 2011, aIU teria elegido 24 membros, segundo levantamento do El País. Já o PP não teria maioria absoluta, e seria obrigado a negociar com outras legendas como a UPyD (União Progresso e Democracia) e a União Canária.
Nacionalismo em alta
Outra novidade apresentada no pleito foi a ascensão da Amaiur, uma coligação formada este ano, resultante da união entre Eusko Alkartasuna, Alternatiba, Aralar e outros grupos independentes. De corrente anticapitalista, defende a autodeterminação do País Basco e abriga diversos ex-integrantes do Batasuna, em ilegalidade desde 2003.
A coalizão somou 333.628 votos, obtendo o maior número de deputados no País Basco, além de um na comunidade de Navarra. Conseguiu também diminuir drasticamente a influência do PNV (Partido Nacionalista Basco, democrata-cristão), que reduziu sua participação de seis para cinco representantes. Em número de votos, no entanto, o PNV superou a Amaiur por cerca de 40 mil votos.
A Amaiur tem como lema de campanha a frase “construindo pontes”, uma amostra de que não pretende mais apoiar táticas violentas para alcançar a independência dos bascos – um rechaço ao ETA (País Basco e Liberdade), que em outubro desse ano, pouco antes das eleições, anunciou o fim definitivo de qualquer atividade armada.
Entretanto, apenas um dia após sua vitória, o PP deixou claro que irá conversar e receber todos os partidos, exceto a Amaiur – enquanto a coalizão não condenar o ETA publicamente. A direita também trabalha para que a esquerda abertzale não consiga participar de uma coalizão que forme um grupo parlamentar na Câmara Baixa. Para que isso ocorra, segundo a legislação eleitoral espanhola, é necessário a participação em uma coalizão de 15 deputados. Também é possível formar um grupo com no mínimo cinco representantes, desde que ele tenha alcançado ao menos 5% dos votos no geral ou 15% nas circunscrições onde tenha se apresentado.
Essa condição influi no financiamento das legendas e nas participações em comissões parlamentares. Dirigentes da Amaiur temem que esse seja um primeiro passo da direita para tentar inviabilizá-los nas próximas eleições autônomas do país Basco, a ser organizado pela nova procuradoria-geral espanhola.
Caio Lara, líder da IU, defende a presença de integrantes da esquerda abertzale (nacionalista basca) no Congresso. Para ele, a Amaiur “conseguiu o respaldo da população. Agora, podem fazer política com letra maiúscula, sem nenhum intermediário violento”.
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