Roberto AlmeidaManifestante usa máscara do premiê David Cameron, principal alvo dos protestos desta quarta
Pelo menos 50 mil pessoas marcharam hoje (30/11) em Londres, desde o distrito de Camden, no norte da cidade, até Westminster, no centro, em meio à maior greve dos servidores públicos britânicos desde 1926. Todos tiveram o dia de trabalho descontado do salário. Durante o trajeto, houve conflitos esporádicos entre os manifestantes e a polícia.
A marcha foi uma resposta do servidores à reforma da Previdência, proposta pelo primeiro-ministro David Cameron, dentro de uma série de medidas de austeridade fiscal. Professores, estudantes, médicos e servidores da administração britânica participaram da marcha, que culminou, no fim da tarde, em um comício em frente ao Parlamento.
Às 13h30, o Lincoln's Inn Fields, a maior praça de Londres e ponto de encontro dos manifestantes, estava tomada por membros do sindicato de servidores públicos da administração britânica, ativistas de ONGs de direitos humanos e estudantes. A polícia, onipresente, armou uma grande operação, com forte efetivo e uso de helicópteros.
Logo após o fim do comício, às 16h, uma garota foi presa pela polícia em frente à estação de Charing Cross, no centro da cidade. Perguntados sobre a razão da prisão, os policiais não informaram o motivo. Houve pelo menos outras 51 prisões durante o dia, segundo a rede estatal BBC. Ao todo, 2 milhões de servidores públicos não trabalharam na Inglaterra.
Roberto Almeida
Garota é presa pela polícia britânica; pelo menos 52 pessoas foram detidas
Nas ruas
Em meio ao clima tenso, Mary Borghesi, uma fisioterapeuta que trabalha há 8 anos para o NHS (National Health System), o sistema de saúde pública britânico, carregava uma placa contra o sucateamento do estado de bem-estar social. É a primeira greve de Mary, que acredita que o rumo da política econômica inglesa não vai mudar. “O culpado é Cameron, não há dúvidas”, disse ao Opera Mundi.
“Quando me formei, há 12 anos, jamais pensei que passaria por isso”, reclamou. De acordo com a proposta de reforma da Previdência, Mary terá de contribuir por mais três anos para se aposentar. E, de quebra, receber menos. Nicola Cox, também fisioterapeuta e amiga de Mary, emendou: “Não espero muita mudanças, mas é preciso mudar a mentalidade das pessoas”.
Nicola trabalha para uma clínica comunitária no sul de Londres, em uma das áreas mais empobrecidas da cidade. Diz amar seu trabalho. Decidiu, por vocação, servir a comunidade em vez de partir para a iniciativa privada. “Saúde não é questão de dinheiro. E olha o que aconteceu”, avisou.
Ação policial
Perto dali, na esquina da The Strand com a Craven Street, próximo a Trafalgar Square, oito jovens com máscaras de Guy Fawkes, o personagem-símbolo do movimento dos indignados, são retirados da marcha pela polícia. Em seguida, são isolados em um cordão humano.
Na ação, a polícia conversa com os manifestantes, que retiram as máscaras, comem biscoitos e tiram fotos. A marcha continua. Após 15 minutos isolados – e fotografados à exaustão por jornalistas e curiosos – são liberados. Não houve violência.
Roberto Almeida
Um grupo de membros da NUT (National Union of Teachers), o sindicato britânico dos professores, conversava durante a marcha pela Northumberland Avenue em direção ao rio Tâmisa. Ben Hawr é professor de escola pública há 5 anos. “O moral na escola em que trabalho (na zona norte de Londres) é bom. Mas no geral está baixo. Estamos perdendo um dia de trabalho no nosso pagamento para estar aqui”, explica.
Hawr viu seu esquema de aposentadoria ser mudado em 2007. Na época, houve um aumento no percentual de contribuição. A proposta atual pede um novo aumento de 3% na contribuição – mas sem retorno quando a aposentadoria chegar. “Há cada vez menos professores. As pessoas já não pensam mais em seguir a carreira”, contou.
Para ele, uma mudança só virá quando funcionários do setor privado também participarem dos protestos. “Eles também estão sendo afetados. É possível, mas precisa haver uma coordenação”, disse.
Promessas
O trabalhista Ken Livingstone, candidato a prefeito de Londres, discursou no encerramento da marcha, em frente ao Parlamento. Ele lançou números para desenhar o quadro britânico hoje. “Um deputado ganha 40 mil libras por ano de aposentadoria. E o número de suicídios no metrô em Londres dobrou”, anotou.
Mark Serwotka, secretário-geral do PCS (Public and Commercial Services Union), um dos sindicatos que representa os servidores públicos, mandou um aviso ao primeiro-ministro David Cameron e ao vice Nick Clegg. “Se vocês não negociarem agora, faremos mais uma greve. A Grã-Bretanha vai se tornar mais inóspita. Mas vocês, trabalhadores, voltem ao trabalho amanhã com as cabeças erguidas. Vocês fizeram sua parte.
Pessimismo
Mark Smith foi o único funcionário da administração direta britânica que quis ver seu nome publicado. Ele trabalha na área de bem-estar social da prefeitura. Na saída do comício, ao lado de seu filho pequeno, pediu uma urgente radicalização do discurso e a tomada de ação direta para resolver a crise que envolve o país.
“Não vai dar em nada. Não acho suficiente. Acabou o comício, todo mundo vai para casa. É um anticlimax”, disse. Para Smith, nenhum dos partidos – Trabalhista, Liberal Democrata e Conservador – é a resposta.
“Meu filho já entende que estão querendo pegar o dinheiro da aposentadoria do papai. E eu só vejo decepção nas áreas pobres em que trabalho. Vi muita gente cruzando o piquete que bloqueava nosso escritório para trabalhar. Mas o que fazer? Estão tirando um dia de trabalho do nosso salário”, contou, antes de ir para casa. Amanhã ele volta ao trabalho.
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