As sanções econômicas impostas contra a Rússia por Estados Unidos e União Europeia estão sendo encaradas por Moscou não como um revés, mas sim como algo “positivo”, que deve incentivar a diversificação da economia russa, impulsionar a indústria e ajudar o país a superar a dependência do petróleo. É o que defendeu o embaixador da Rússia no Brasil, Serguei Akopov.
As afirmações foram feitas em entrevista concedida ao blog Café na Política, também veiculada na TV Cidade Livre no Distrito Federal, divulgada nesta terça-feira (03/03). Durante os 50 minutos de conversa com os jornalistas FC Leite Filho e Beto Almeida, Akopov falou sobre o projeto de nova ordem mundial defendido pela Rússia, a crise econômica que atravessa o país e a relação com os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e os países da América Latina.
O diplomata sustenta que o posicionamento de seu país tem “surpreendido” porque a Rússia precisou passar por um período de restabelecimento e adaptação à nova realidade econômica após migrar da economia planificada — vivenciada durante o período da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) — para a economia de mercado. No entanto, agora o país “está se levantando e fala com sua própria voz”, o que teria criado uma “grande pressão no sentido de contê-la”.
Neste contexto, assegurou que toda a crise na Ucrânia, onde o governo central de Kiev luta contra manifestantes pró-Rússia, está sendo utilizada para “conter e debilitar o país”. O diplomata defendeu ainda que, apesar de as nações ocidentais apontarem Moscou como responsável pelo conflito, o Kremlin está “fazendo o possível para encontrar uma solução política pacífica”, garantiu.
Agência Efe
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Ucrânia
Na visão do russo, apenas o diálogo pode levar a uma solução viável entre os combatentes e o governo. Uma saída possível para a questão seria a federalização da Ucrânia. “Vemos hoje que Donetsk e Lugansk não vão aceitar outra posição”, afirmou. O governo de Kiev, no entanto, se opõe a esta possibilidade.
Com relação à falta de posicionamento da comunidade internacional sobre a situação ucraniana, Akopov ressaltou que não há consenso na ONU sobre o tema. Isso porque países como a China e a própria Rússia, ambos membros do Conselho de Segurança do órgão, têm posições diferentes de Estados Unidos, Alemanha e França sobre as causas e soluções para o conflito.
O fato é que a crise ucraniana atingiu diretamente a Rússia, devido às sanções. Por acreditar que Moscou interveio militarmente no conflito armado entre o governo central e os grupos anti-Kiev do leste ucraniano, as potências ocidentais fixaram uma série de punições econômicas. As medidas impõem, por exemplo, restrições a uma lista de cidadãos russos e funcionários do governo, impedindo-os de obter vistos e congelando bens no exterior. Outro pacote de sanções afetou o desenvolvimento dos setores industriais de armamento, tecnologia, finanças e petróleo da Rússia.
Apesar da dificuldade em lidar com as medidas punitivas, o diplomata vê com bons olhos os momentos de crise porque, “quando a situação se complica, o povo se une”.
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Para além do otimismo, Akopov reconhece que as sanções causam danos ao país, principalmente no que se refere à queda do valor do rublo e à dificuldade de empresas russas conseguirem financiamento em bancos estrangeiros. Tais aspectos “não são bons, mas não são fatais”, avalia.
‘Petróleo-dependência’
Outro mérito do período de retração econômica intensificado pelas sanções reside na agenda de discussões: o debate sobre a dependência do petróleo.
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“Começamos a pensar que não podemos seguir vivendo do petróleo. Já se falava antes em diversificar a economia, mas com tudo indo bem isso era muito difícil”, assinalou. “Vemos que o governo tem um plano específico, concreto, e têm recursos para desenvolver a indústria”, completou.
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Quanto à questão do petróleo, a crise é mais abrangente. A queda no preço do barril do óleo causou impactos em todo mundo, mas afetou principalmente os grandes produtores como Rússia, Venezuela e Irã.
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Nova ordem
Todo o cenário no qual a Rússia está inserida também “criou o clima propício para buscarmos uma alternativa frente à necessidade de comercializar em dólar”. Na visão do embaixador, “o Banco do Brics e o fundo de reserva do bloco são muito importantes para sair desta dependência do sistema financeiro internacional (…) e mostrar que continuar impondo [a visão do ocidente] sem levar em conta os interesses dos outros não vai funcionar”.
Com relação à América Latina, ressaltou que “há similitude de opiniões entre a Rússia e os países do continente”, o que foi observado, de acordo com Akopov, durante o encontro do presidente russo Vladmir Putin com os mandatários da região durante reunião entre os integrantes do Brics e da Unasul (União das Nações Sul-Americanas).
“Existe uma tendência de que diferentes processos integracionistas se unam entre si, criando um polo importante de poder e decisão, com um novo poder de governança. Devemos estar muito atentos a todos esses processos porque aí está o futuro da humanidade. Daqui surgirá a nova ordem mundial que todos esperamos”, concluiu o embaixador russo.