Há exatos 60 anos, em um encontro que reuniu pouco mais de 400 líderes sociais palestinos na cidade de Ramallah, na Cisjordânia, nascia a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), o primeiro grande grupo que organizou a resistência do povo palestino contra o avanço de Israel sobre suas terras.
Naquela mesma reunião, encabeçada pelo líder histórico da organização, Yasser Arafat, foi divulgada a carta fundacional da OLP, que descreve os palestinos como “o povo contra quem as forças do sionismo e do colonialismo internacionais conspiram e trabalham para deslocá-lo, removê-lo de sua terra natal e propriedade, abusar do que é santo, e que, apesar de tudo isso, se recusou a enfraquecer ou a se submeter”.
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Leia a íntegra da carta fundacional da Organização para a Libertação da Palestina
Segundo a historiadora e jornalista Beatriz Bissio, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a OLP teve papel fundamental na construção da resistência do povo palestino contra o avanço colonialista de Israel sobre seus territórios.
“A OLP foi responsável por manter viva e dar uma nova dimensão à identidade palestina no contexto do mundo árabe, e por forjar, geração por geração, o ideal da resistência. Isso ocorreu porque, desde o seu nascimento, a organização já reunia praticamente todas as organizações palestinas, entre grupos políticos, movimentos armados, sindicatos, associações profissionais, além de proeminentes figuras independentes, todos eles coincidindo com o principal objetivo: a proclamação do Estado palestino”, analisou a historiadora a Opera Mundi.
Uma vez criada, a OLP passou a ser conformada por diferentes partidos de esquerda e de centro-esquerda, entre os quais se destacavam dois: o Fatah, legenda de centro-esquerda à qual pertencia o líder histórico Arafat e que hoje é liderada por Mahmoud Abbas, atual presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), e a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), grupo de orientação marxista-leninista composto por figuras como Leila Khaled, George Habash e outros.
“Nos 60 anos que transcorreram desde a fundação da OLP, o cenário internacional sofreu profundas mudanças, mas para os palestinos pouco ou nada mudou. Pelo contrário, particularmente desde a desintegração da União Soviética, com os Estados Unidos tornando-se a grande hegemonia, Israel passou a desfrutar de uma posição ainda mais privilegiada”, recordou Bissio, ao comentar os desafios que a OLP enfrentou ao longo dos anos.
Primeiros artigos
A carta de fundação da organização era praticamente um estatuto, contendo 29 artigos que explicitavam os objetivos a serem alcançados pelo movimento. Entre essas metas se destacam as descritas nos sete primeiros artigos.
Artigo 1: A Palestina é uma pátria árabe ligada por fortes laços nacionais árabes com o resto dos países árabes e que juntos formam a grande pátria árabe:
Artigo 2: A Palestina, com suas fronteiras na época do Mandato Britânico, é uma unidade territorial indivisível.
Artigo 3: O povo árabe palestino tem o direito legítimo à sua Pátria e é uma parte inseparável da Nação Árabe. Ele compartilha os sofrimentos e aspirações da Nação Árabe e sua luta pela liberdade, soberania, progresso e unidade.
Artigo 4: O povo da Palestina determina seu destino quando completa a libertação de sua Pátria de acordo com seus próprios desejos, livre arbítrio e escolha.
Artigo 5: A personalidade palestina é uma característica permanente e genuína que não desaparece. É transferido de pais para filhos.
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Yasser Arafat foi o líder histórico da Organização para a Libertação da Palestina e quem encabeçou a sua fundação, em 1964
Artigo 6: Os palestinos são os cidadãos árabes que viviam normalmente na Palestina até 1947, que permaneceram ou foram expulsos. Toda criança que nasceu de um pai árabe palestino depois desta data, seja na Palestina ou fora, é um palestino.
Artigo 7: Os judeus de origem palestina são considerados palestinos se estiverem dispostos a viver pacificamente e lealmente na Palestina.
Estado palestino e solução de dois Estados
Os críticos da causa palestina e defensores do ideário sionista costumam usar como argumento que a OLP jamais defendeu a criação de um Estado palestino. Efetivamente, na carta fundacional de 28 de maio de 1964, não se usou o termo “Estado palestino” e sim o “direito legítimo à Pátria”, como mencionado no Artigo 3 e em outros ao longo do documento.
Entretanto, a demanda por um Estado palestino, usando claramente esse termo e reivindicando a conformação desse Estado no território do Mandato Britânico, foi incorporada ao estatuto da organização a partir de 1974, o que torna falso o argumento de que o movimento de resistência não buscava esse objetivo.
Entre os anos 70 e 80, a OLP se notabilizou por empregar táticas de guerrilha para atacar Israel a partir de suas bases na Jordânia, Líbano e Síria, assim como de dentro da Faixa de Gaza e da Cisjordânia.
Por essa razão, a OLP foi considerada como uma “organização terrorista” até por boa parte dos países do Ocidente, especialmente pelos Estados Unidos, até a mudança de postura a partir da Conferência de Madri, em 1991. Israel manteve essa definição por mais tempo, até 1993, e mudou pouco antes dos Acordos de Oslo, assinados justamente naquele ano pelo líder histórico da OLP, Yasser Arafat, e pelo então premiê israelense Ytzhak Rabin.
Vale recordar que os Acordos de Oslo terminaram em fracasso, pois o Estado de Israel não cumpriu sua parte do tratado, situação que ficou ainda mais evidente após o assassinato de Rabin em um atentado a tiros promovido por um militante sionista em novembro de 1995. Nos anos seguintes, a mudança de postura israelense com relação ao tratado recebeu o apoio da Casa Branca.
“Contando com Washington como aliado incondicional por diversos motivos, entre eles a posição geográfica numa região vital para os interesses geopolíticos norte-americanos, Israel teve assegurada a impunidade para destruir os Acordos de Oslo, ampliar a ocupação dos territórios palestinos e, agora, tentar destruir a resistência palestina com o genocídio em Gaza”, enfatizou a jornalista Beatriz Bissio.
Mesmo antes dos Acordos de Oslo, a OLP já havia moderado seu discurso e seu atuar. Em 1988, a organização passou a apoiar oficialmente uma solução de dois Estados, com palestinos e israelenses entrando em um acordo para definir exigências específicas para regular a coexistência entre ambos.
As condições apresentadas pelos palestinos naquele então eram duas: estabelecer Jerusalém Oriental como sua capital e conceder aos palestinos o direito ao retorno às terras ocupadas antes das guerras de 1948 e 1967. Nenhuma delas foi aceita por Tel Aviv.
‘Vitória palestina não será militar’
Para Bissio, o massacre promovido por Israel na Faixa de Gaza nos últimos meses torna ainda mais salutar o exemplo da OLP. “A semente da resistência palestina, cuidadosamente cultivada por gerações que cresceram sob o exemplo da OLP, deu frutos. O povo palestino, principalmente em Gaza, mas também na Cisjordânia, vem resistindo nas prisões, nas vilas e nos campos de refugiados, sobrevivendo a bombardeios e sofrendo todo tipo de violações aos seus direitos, se mantêm de pé e suscita a solidariedade do mundo”, ressaltou.
Segundo a professora da UFRJ, a “derrota de Israel não será militar. O povo palestino sairá vitorioso pelo exemplo de amor à sua terra, de resistência e de dignidade”.