Aos 86 anos, Josef Koudelka conduz uma vida simples, sem intervalos ou tréguas. Nascido na Morávia, então parte da Tchecoslováquia e hoje República Tcheca, registrou imagens que ecoam problemáticas contemporâneas, carregando em suas lentes a história ainda em processo.
Por décadas, sua câmera integrou a Magnum Photos, agência fotográfica fundada por Robert Capa (1913-1954) – lugar que o tcheco reservou ao registrar diretamente a investida soviética na cidade de Praga, em 1968, na época, publicando sob as iniciais P.P (Prague Photographer ou Fotógrafo de Praga).
Os retratos da antiga Tchecoslováquia sob a cortina de ferro computam como apenas um fragmento do amplo acervo que passa a ser exposto no Instituto Moreira Salles (IMS), em São Paulo, incluindo 200 registros fotográficos de diferentes períodos da obra do tcheco, estreando neste sábado (18/05).
As fotografias pertencem originalmente à Coleção Josef Koudelka no Museu de Artes Decorativas de Praga, República Tcheca.
Para além de “Praga, 1968“, a exposição, curada pelo próprio fotógrafo, conta com outros dois eixos de sua produção: “Ciganos“, resultado de um interesse pessoal em registrar as vivências das comunidades romani em terras europeias, e “Exílios“, um reflexo não apenas dos locais que percorreu, mas também resultado de uma condição pessoal – afinal, Koudelka, apesar de ter se naturalizado francês em 1987, optou por um estilo de vida errante.
Engenheiro aeronáutico de formação, encontrou em suas fotografias da Primavera de Praga o início de uma longa trilha perpassando questões entre-históricas, que remontam vivências do fotojornalismo atual, apesar de não se considerar repórter ou fotojornalista. Premiadas e disseminadas globalmente, as peças só receberam os devidos créditos em 1984, após Koudelka confessar a autoria, motivado por uma perda importante: “só depois da morte de meu pai eu admiti que elas eram minhas“, relatou uma vez o fotógrafo em entrevista publicada no livro Magnum Stories (Histórias da Magnum, 2005), que reconta memórias de fotógrafos da agência.
Na abertura da mostra, Koudelka contou que ficou “feliz em ser reconhecido por outra coisa” [que não “Praga, 1968“], salientando que não se importava com ninguém saber quem P.P, de fato, era. Seu interesse, por muito tempo, foi rodar o continente europeu, sob o financiamento da Magnum, documentando de forma “instintiva” aquilo que acontecia com o homem comum diante de suas lentes.
“O que é importante nas minhas fotografias é que elas se tornam atemporais”, ressaltou o tcheco, destacando a importância do caráter documental da forma fotográfica. Questionado por Opera Mundi sobre o potencial libertador de retratar pessoas em situações de vulnerabilidade e conflito, o fotógrafo refletiu sobre diferentes períodos de sua carreira, incluindo suas fotografias de Israel, parte de uma série contemporânea que não está em exibição na mostra no IMS.
Mais recentemente, o foco do trabalho documental de Koudelka tem se voltado para o registro de paisagens, abandonando o retrato direto de sujeitos. Ele explica: “decidi isso porque, neste momento, estou muito interessado em como o homem influenciou a paisagem contemporânea”. Sobre Israel, o fotógrafo adicionou que percebeu que “este é um caso extremo de destruição da paisagem”.
Neste sentido, para o tcheco, “se o fotógrafo tem algo a fazer, é um livro”, enfatizando a importância de disponibilizar esses registros ao público. As fotografias deste projeto completam mais de uma década no ano de 2024, tendo sido publicadas em 2013, como parte de seu livro “Wall – Israeli & Palestinian Landscape 2008-2012” (Muro – Paisagem Israelita e Palestina 2008-2012).
Koudelka se revela como um homem de simplicidade cativante e um fotógrafo instintivo, em busca apenas daqueles temas que lhe tocam profundamente. Reconta que fez fotografia publicitária apenas uma vez, quando sua filha estava prestes a nascer e precisava de dinheiro. Sua entrada na fotografia foi impulsionada por um evento inesperado em sua vida, e ele prefere não se rotular como um grande fotógrafo, mas sim como um “imigrante, sem Pátria”.
Para ele, queriam “colocá-lo numa caixa”, porém ele rejeita essas tentativas – trata-se de um homem errante, repleto de histórias para compartilhar, e três delas estão disponíveis na exposição.
Veja algumas fotos da exposição no IMS:
Serviço
Exposição Koudelka: Ciganos, Praga 1968, Exílios.
De 18 de maio a 15 de setembro.
Instituto Moreira Salles (Avenida Paulista, 2424, São Paulo).
Entrada gratuita.
Terça a domingo e feriados (exceto segundas), das 10h às 20h.
(*) Paola Orlovas é jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero (FCL) e mestranda em História da Arte na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).