Referente histórico de movimentos populares – de guerrilheiros a sindicalistas -, símbolo de conquistas sociais e também de conservadorismo burocrático. O general Juan Domingo Perón chegou três vezes à presidência da Argentina, em todas eleito por voto popular – 1946, 1951 e 1973.
Peronismo é, na Argentina, sinônimo de povo. No entanto, a origem popular do maior movimento político do país não exige que seus integrantes se reconheçam como pessoas de esquerda. O próprio Perón afirmou uma vez que “no peronismo, no que diz respeito à ideologia, deve haver de tudo um pouco”.
Morto há 41 anos, o general – como muitos o citam, apenas pela patente – ganha protagonismo na reta final da campanha para as eleições presidenciais, quando os três candidatos que lideram as pesquisas de opinião aproveitaram o 17 de outubro – dia da Lealdade Peronista – para utilizar a imagem do histórico líder a seu favor.
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Em campanha, Scioli e artistas reproduzem o clássico gesto peronista com os dedos em em V
Daniel Scioli, líder nas pesquisas e candidato pela kirchnerista Frente para a Vitória (FpV), discursou no município de La Matanza, o de maior peso eleitoral da província de Buenos Aires, que concentra 37,5% dos eleitores do país. Ao pedir que os trabalhadores se unam, parafraseou Perón em um discurso de exatos 70 anos atrás.
O candidato é representante – a contragosto – do peronismo progressista encarnado pelos seguidores de Néstor e Cristina Kirchner. Esportista, chegou à política por meio do também peronista Carlos Menem, que introduziu o neoliberalismo na já ampla carteira de possibilidades dentro do movimento peronista.
Lealdade
Scioli foi vice-presidente de Néstor e, desde 2007, governa a província de Buenos Aires. Foi duramente criticado pela esquerda kirchnerista antes das PASO (Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias), até que a presidente Cristina Kirchner mostrou que ela mesma é uma líder peronista e definiu que ele seria seu candidato a sucessor. Em um movimento como o kirchnerismo, marcado por deserções, o candidato da FpV resistiu impassível às críticas e imprime a seu estilo político justamente a característica celebrada em 17 de outubro: a lealdade.
Nessa mesma data, em 1945, uma manifestação popular foi à Praça de Maio pedir a liberdade do então vice-presidente e Secretário de Trabalho e Provisão do governo militar que assumiu o poder em 1943, depois de um golpe de estado.
Archivo General de la Nación
Manifestantes com os pés na fonte da Praça de Maio, em 1945: rito inicial do peronismo
O ainda coronel Juan Domingo Perón havia sido detido por membros do governo que ele mesmo integrava e a partir do qual havia iniciado reformas que mudaram o mundo do trabalho na Argentina. A classe operária que ele fortaleceu ou manipulou – dependendo da leitura que se faz da história – foi ao centro de Buenos Aires defender o precursor dos direitos trabalhistas no país.
A marcha é considerada o rito inicial do peronismo e tem até mesmo iconografia própria: a famosa imagem de manifestantes que saíram dos subúrbios fabris e caminharam até a Praça de Maio. Lá, tiraram seus sapatos e molharam seus pés nas fontes que adornam a praça que abriga o centro do poder na capital argentina.
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Massa e o político da UCR, Gerardo Morales, reeditam abraço entre Perón e Balbín
Traição
A 70 anos desse dia histórico, Sergio Massa também recordou sua origem peronista. O candidato da Frente UNA (Unidos por uma Nova Alternativa), no entanto, é marcado pela antítese do que se celebra na data: a traição. Terceiro colocado em uma disputa acirrada por um segundo lugar, Massa foi eleito prefeito de Tigre, município da área metropolitana de Buenos Aires, em 2007. Em 2008, foi Chefe de Gabinete de Cristina Kirchner. Rompeu com a mandatária e, em 2013, foi eleito deputado pela Frente Renovadora, fundada por ele. No último dia 17, na província de Jujuy, Massa homenageou Perón com uma oferenda de flores depositada em um busto do general. O ato foi realizado ao lado de um político da UCR (União Cívica Radical), partido mais antigo da Argentina e opositor histórico do peronismo.
Em um abraço com o representante do radicalismo, Massa resgatou outro símbolo da história peronista: repetiu o gesto que uniu o líder do movimento popular e o dirigente radical Ricardo Balbín, em 1972.
Empresário e peronista
Já o segundo colocado, Mauricio Macri, da aliança Cambiemos (Mudemos, em tradução livre), poderia facilmente ser identificado como um “gorila” – representante da direita anti-povo, muitas vezes sinônimo de anti-peronista. Mas, como profetizou o filósofo e um dos grandes estudiosos do peronismo, Juan Pablo Feinmann, “o povo da Capital Federal votou em um filho de empresário (que se não é peronista pode vir a ser a qualquer momento) para que os retire da paisagem urbana e os deposite na periferia”.
Prefeito de Buenos Aires desde 2007, ex-presidente do Boca Juniors e nascido em uma família de empresários, Macri flerta com o peronismo em declarações públicas há alguns meses. No início de outubro, inaugurou um monumento ao general na capital argentina, onde apareceu ao lado de sindicalistas opositores e de Eduardo Duhalde, ex-presidente no pós-crise de 2001 e um dos referentes da direita peronista.
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Macri inaugura estátua de Perón no início de outubro
No dia 17 de outubro, discursou em um ato político ao lado de sua candidata ao governo da província de Buenos Aires, María Eugenia Vidal, e pediu o apoio das mulheres peronistas.
A 70 anos daquela data que marcou a história política argentina, Perón ainda é evocado como referência para três candidatos que brigam por inaugurar o segundo turno na história das eleições presidenciais da Argentina. E, quem sabe, chegar à Casa Rosada, de onde se tem a vista privilegiada da Praça de Maio.